VOGUE EM TEMPO DE GUERRA
Julho 31, 2022
J.J. Faria Santos
Uma primeira-dama na capa da Vogue não tem nada de incomum. Olena Zelenska posando de olhar frontal, despida de glamour e enquadrada no cenário de um palácio despojado protegido por sacos de areia poderá, ainda assim, constituir um problema. É difícil quebrar o elo de ligação que se estabelece entre a superficialidade associada a uma revista de moda e o motivo que leva a primeira-dama de um país bombardeado, e em risco de sofrer amputações no seu território soberano, a participar num ensaio fotográfico de uma profissional de prestígio, Annie Leibovitz, mas com o rótulo de fotógrafa dos famosos. (Apesar de em 1993, acompanhada por Susan Sontag, Leibovitz ter retratado a guerra em Sarajevo.)
Vanessa Friedman escreve, no New York Times, que a “justaposição da ideia da Vogue – com as suas ligações históricas ao elitismo, à fantasia, à riqueza e à frivolidade – e a realidade da guerra” deu origem a “reacções viscerais”, mas lembra que a peça da revista se “centra na dor e no trauma” da Ucrânia e do seu povo, e nota o tom circunspecto das fotografias onde ninguém sequer esboça um sorriso. E acrescenta: “No fim de contas, ela não está com um vestido de gala a comer bolo. Está numa zona de guerra, parecendo assombrada”. Friedman acaba por concluir que esta terá sido mais uma forma de manter viva a guerra da Ucrânia no volátil ciclo noticioso, pelo que, neste sentido, a entrevista de Olena Zelenska foi “uma peça da estratégia militar”.
A mesma razão terá presidido à pacífica entrevista à Time, onde se destaca o seu papel no lançamento de uma iniciativa governamental destinada a providenciar apoio psicológico à população ucraniana. Um passo fundamental dado o potencial risco disruptivo do stress pós-traumático não tratado, ainda para mais num país cujos habitantes, diz a Time ecoando Zelenska, “associam a prática da psicoterapia a asilos estatais destinados a isolar os doentes da sociedade”. “Retrato de coragem” (Vogue) e “A sua guerra privada” (Time), dois títulos para uma primeira-dama na frente de batalha da guerra mediática.