UM OUTRO CARNAVAL NA PÁSCOA
Abril 12, 2020
J.J. Faria Santos
O Carnaval já passou e não paramos de falar em máscaras. Desfilamos em casa, onde estamos sequestrados, ou em expedições furtivas pelas ruas, em busca de bens de primeira necessidade ou em arremedos de jogging ou ciclismo. Fazemos cursos acelerados de introdução à epidemiologia, familiarizamo-nos com palavras como “gotículas”, “aerossóis”, “incubação” e “imunização”. Aprendemos a reproduzir expressões associadas à análise de gráficos (curva, planalto) que atribuíamos apenas à orografia. E se a fé move montanhas, à medida que a altitude aumenta mais escasseia o oxigénio. E como neste Carnaval não queremos brincar ao alpinismo, celebramos o planalto que parece alisar a curva e nos alimenta a esperança de que o pico já lá vai.
Como nos corsos tradicionais, as fatiotas de enfermeira e médico estão em alta. Só que, nesta inesperada recriação, não se trata de foliões, mas sim de empenhados salva-vidas. E mesmo sem desfilarem em carros ornamentados pelas ruas agora desertas, são aplaudidos nas varandas e nos terraços. Porque sabemos que iludem as probabilidades, desafiam a estatística e espantam até ao limite a fatalidade. E nós, resignados a uma resistência passiva, aconselhados a enveredar por uma táctica que combina a retirada com uma acção retardadora, olhamos para os números com uma desolada impotência. Todavia, acreditamos. Separados, mas não isolados; solitários, mas não abandonados. Acreditamos que este Carnaval sinistro e soturno acabará por dar lugar a uma Páscoa (palavra de origem hebraica que significa passagem) revitalizadora, a um surto epidémico de crença numa vida reinventada.
Imagem: Wikimedia Commons