UM HOMEM CULTO NUNCA LAMENTA UM PRAZER
Outubro 03, 2017
J.J. Faria Santos
Há um bar em Nova Iorque, leio na edição digital da New Yorker (numa peça com direito a ilustração de Jorge Colombo), que tomou o nome de Oscar Wilde, e cujo website apresenta como mote : “a public place for private affairs”, qualquer coisa como “um lugar público para assuntos privados”, embora a palavra affairs permita várias interpretações. Os clientes são recebidos à entrada por uma estátua representando o escritor sentado e no seu interior, cuja decoração terá orçado os 4 milhões de dólares, pululam citações do autor em objectos de mármore.
Um bar pode ser, entre outras coisas, um lugar de prazeres e vícios. Parece apropriado que exista um bar com o nome do escritor irlandês. Afinal, trata-se do homem que escreveu que “um homem culto nunca lamenta um prazer”, que “o vício é uma afirmação do intelecto”, que “um dos grandes prazeres encontrados na má conduta é o de haver tantas coisas para dizer aos bem comportados”, e ainda que “a perversidade é um mito inventado pelas pessoas de bem para explicarem o estranho atractivo dos outros”.
Fernando Pessoa frequentava um estabelecimento de bebidas incomensuravelmente menos glamoroso, denominado Abel Pereira da Fonseca, onde se deixou retratar em 1929, escrevendo na dedicatória da fotografia que enviou a Ofélia “Fernando Pessoa em flagrante delitro”. Pessoa, cujas crises hepáticas ou pancreáticas se tornaram mais frequentes no final da vida motivadas pelo consumo excessivo de álcool, escreveria em 19 de Novembro de 1935 um último poema em português que terminava com um lapidar “Dá-me mais vinho, porque a vida é nada”.
O poeta português foi recentemente objecto de um artigo de Adam Kirsch na mesma New Yorker, Fernando Pessoa’s Disappearing Act, onde o Livro do Desassossego era qualificado como “a misteriosa obra de arte do grande modernista de Portugal”. Kirsch, que sublinha o significado em português da palavra pessoa, vê-o, na prosa como na poesia, como um “escritor em fuga do seu próprio nome”, e considera o uso dos heterónimos como um dos elementos que o inscrevem no movimento modernista, acabando por englobá-lo numa geração de poetas que “acreditava no que Oscar Wilde apelidou de ‘verdade das máscaras’”.
O próprio Pessoa, enquanto Bernardo Soares, escreve no Livro do Desassossego que “ a maioria dos homens vive com espontaneidade uma vida fictícia e alheia. A maioria da gente é outra gente, disse Oscar Wilde, e disse bem.” Na mesma obra, explica que “todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.” Mas a sua grande dependência não passava pelas libações do Abel Pereira da Fonseca. “Escrever é como a droga que repugno e tomo, o vício que desprezo em que vivo”. Porque “há venenos necessários, e há-os subtilíssimos, compostos de ingredientes da alma (…)”