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NO VAGAR DA PENUMBRA

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UM FUTURO CHAMADO HOMICÍDIO

Outubro 22, 2023

J.J. Faria Santos

Bill_Clinton,_Yitzhak_Rabin,_Yasser_Arafat_at_the_

É um futuro distópico o que Leonard Cohen evoca na sua canção precisamente intitulada The Future. A dada altura, proclama: “I’ve seen the future, brother / It is murder”. A tragédia no Médio Oriente adensa-se a cada minuto que passa. Se o statu quo era sinónimo de conformismo, hipocrisia ou impotência, a nova ordem é uma trágica elaboração acerca da guerra justa e das virtudes teóricas da vingança disfarçada de justiça ou de manobra de erradicação do mal. O abraço de Biden a Netanyahu, o gesto de compaixão e solidariedade, veio com o conselho de não se deixar consumir pela raiva, advertência provavelmente destinada a ser ignorada. Susan B. Glasser escreveu na New Yorker que altos funcionários do governo israelita informaram os americanos que a guerra contra o Hamas “poderia durar até 10 anos”. E para reforçar o seu ponto de vista estabeleceram a seguinte comparação: “como encarariam os americanos a possibilidade de ter um grupo terrorista ISIS baseado num porto seguro no México?” 10 anos. “I’ve seen the future, brother / It is murder”.

 

Nuno Severiano Teixeira, em artigo editado pelo Público, descreveu de forma sintética e pertinente a natureza dos principais actores deste conflito. Segundo ele, Netanyahu “sacrificou sempre o interesse nacional à sua sobrevivência política” e “favoreceu o Hamas para enfraquecer a Autoridade Palestiniana (…) de forma a inviabilizar o Estado palestiniano (…) e minar a solução dos dois Estados e a possibilidade da paz”. Por seu lado, defende Severiano Teixeira no artigo O radicalismo mata a paz, o Hamas “cultiva o islamismo integrista como ideologia e o terrorismo como método. Usa e abusa das suas populações. Não reconhece sequer o Estado de Israel e faz tudo para matar a paz e provocar a guerra.” É fácil perceber que à mercê de uma Autoridade Palestiniana impotente (vista como corrupta e até como ferramenta da ocupação israelita), de uma potência ocupante apostada em impedir o Estado palestiniano (como escreveu Alexandra Lucas Coelho, ocupação “não é um adjectivo nem uma opinião. É Direito Internacional, resoluções da ONU assinadas pelos países da EU e boa parte do mundo”) e de um grupo terrorista sanguinário, o povo palestiniano viva entre o desespero, a negociação da sobrevivência e o apelo do radicalismo.

 

Entrevistado pelo jornal Globo, e questionado se ainda acreditava na paz, David Grossman respondeu que “a brutalidade do que aconteceu coloca em dúvida a capacidade de Israel de conviver com os palestinos”, notando que “nos últimos anos, Israel baixou a guarda, acreditando que os acordos com os países árabes seriam suficientes para a paz. Mas esses acordos ignoram os palestinos, que vêm sendo massacrados pela ocupação.” Terminando com uma nota menos lúgubre, afirmou: “Não posso dizer que estou optimista, mas vou repetir o que venho dizendo há 45 anos: não me dou ao luxo de me desesperar.” Eis um luxo que os palestinianos não têm, confrontados com um futuro chamado homicídio. Como cantou Cohen; “The blizzard of the world / Has crossed the threshold / And it’s overturned / The order of the soul”.

 

Imagem: Vince Musi/Wikimedia Commons (Clinton, Rabin e Arafat na Casa Branca em Setembro de 1993)

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