(TRUMP)ESTADE E (TSU)NAMI
Janeiro 24, 2017
J.J. Faria Santos
Fonte: Pinterest
Ele agradeceu aos povos de todo o mundo e eu fiquei estupefacto (megalomania? Ilusão? Ironia?). Depois veio um retrato do estado da nação: uma elite da capital que não partilhava a prosperidade com os americanos, um relato de desemprego e fábricas fechadas “espalhadas como pedras tumulares na paisagem do país”, famílias em luta pela sobrevivência (mães e filhos encurralados na pobreza), um sistema educativo que, apesar de inundado por dinheiro, não produz conhecimento e um cenário onde se perdem demasiadas vidas por conta do crime, dos gangues e das drogas. Por momentos, julguei que, por qualquer extravagância, ele estivesse a traçar o retrato de algum país latino-americano enredado na corrupção e no crime. Ou se estivesse a referir a alguma nação da Europa de Leste, paraíso de oligarcas, onde o capitalismo mais selvagem convive com alguns dogmas do marxismo. Mas depois ele prometeu parar a “carnificina americana” e desfez a dúvida.
Com a sua tomada de posse, disse, o poder transferiu-se da capital para o povo, para os que nunca mais serão esquecidos e ignorados. Há uma nova visão da gestão da coisa pública: “a América primeiro”. Promete resgatar os empregos, as fronteiras, a riqueza e os sonhos. Comprar americano e contratar os americanos. Não imporá o estilo de vida americano a ninguém, “deixará que ele brilhe como um exemplo”. Não se sentem já encandeados, portugueses? Com a mesma facilidade com que promete “erradicar da face da Terra” o terrorismo islâmico, afirma que unida a América é imparável.
E aqui reside o problema. Este discurso rasurou ou arrasou o passado da América. O seu fio condutor, os seus temas fortes foram os da campanha. Não uniu, não apaziguou, não se moderou, não apelou à colaboração ou ao empenho na discussão aberta de pontos de vista divergentes. O que emergiu desta enxurrada de populismo e voluntarismo egocêntrico foi a prosápia do costume, a relação dúbia ou abertamente conflituante com a verdade, a ética duvidosa, a flagrante ignorância.
Há uma lógica intrínseca na posição de Passos Coelho quando ele defende que são os partidos que suportam o Governo no Parlamento que têm a obrigação de garantir a aprovação das leis que concretizam o acordo de concertação social. Claro que o outro lado da moeda é o custo reputacional: a incoerência e o dano na credibilidade quando se parece trocar o interesse nacional pela guerrilha política ou pela táctica partidária. E nestas ocasiões, há sempre quem se apresse a distinguir o político do estadista. Não é a primeira vez que para (se) reforçar (n)o partido ele secundariza o país. Em 2011, teve de optar entre “a boa vontade da chanceler alemã em relação ao PEC IV” e “a declaração conjunta da Comissão e do BCE (…) em relação à necessidade de se avançar com um programa de ajustamento diferente”, nas palavras do Governador do Banco de Portugal, e o alerta de Marco António Costa de que chegara a altura das eleições, no país ou no partido. Sabemos qual foi a sua escolha.
O que não sabemos é se Passos Coelho augura a queda do Governo à mão dos seus aliados parlamentares. Parece extemporâneo tal cenário. Mesmo com os alvitres de Assis, a moção de confiança sugerida por Trigo Pereira ou a aparente intransigência do BE e do PCP. Confortado pela magistratura dos afectos de Belém (aqui e ali tingida por um ou outro ataque de fúria ou desagrado convenientemente soprada para os jornais, para não manchar a placidez) e com o apoio activo da maioria dos parceiros sociais, Costa parece confiar na sua capacidade negocial e na popularidade do Executivo para tornar evidente que seria lamentável que uma inédita e, até ao momento, bem-sucedida fórmula governamental se desfizesse por um pretexto, apesar de tudo, menor. No fundo, uma espécie de sucedâneo da luta de classes. Passos Coelho, por seu lado, aplaudido pelo partido, ensaia uma heterodoxa geringonça de sinal negativo.