A VOZ HUMANA
Outubro 17, 2021
J.J. Faria Santos
Há aquele momento, precedido por um silêncio à espera do deslumbramento, do desencanto ou da perplexidade, em que soa um acorde e uma voz se projecta ou sussurra, e a roda da fortuna gira implacável. Rodará a cadeira? De repente, damos por nós a tentar influenciar o júri telepaticamente, com a força dos nossos gostos, subitamente enlevados por uma versão folk do Fly Me to the Moon, aturdidos por uma recriação soberba do Georgia on My Mind ou emocionados por uma voz masculina a elevar aos píncaros o All I Ask of You da Adele.
Poderia chamar-lhe um guilty pleasure. Só que assistir ao The Voice não tem nada de culposo e é seguramente um prazer. E eu não tenho complexos por oscilar entre a “alta” e a “baixa” cultura. Haverá alguma desqualificação intelectual no facto de se poder apreciar Maria Callas, Ella Fitzgerald, Nat King Cole ou Amália e reservar algumas horas da noite de domingo para testemunhar um grupo de pessoas, de todas as idades, à procura de um sonho à medida do seu talento?
Imaginem uma espécie de A Star is Born em modo compêndio, em pequenos segmentos de vocação, ambição e drama, onde se misturam grandes esperanças com contratempos e melodramas familiares, tudo orquestrado por uma produção atenta aos detalhes e arbitrado por um grupo de jurados que oscila entre a divertida provocação mútua e a angústia no momento da decisão. Podem concorrentes e jurados falhar, aqui e ali? Podem, mas o espectáculo continua. E até parece que o talento é inesgotável. E começa tudo com uma voz, a voz humana.
Imagem: Facebook The Voice Portugal