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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

O TEATRO DO MUNDO

Março 28, 2021

J.J. Faria Santos

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“A Europa não é mais do que um enorme leilão, é isso que é, com todos aqueles lugares antiquados. É um grande armazém de saldos ao desbarato (…) Mas um homem não consegue comprar a vida com dinheiro, não consegue comprar uma nova vida quando a sua está no fim.” Vieram-me à memórias estas falas do Papá Pollitt no clássico de Tennessee Williams Gata em Telhado de Zinco Quente enquanto meditava nas vicissitudes do processo de vacinação na União Europeia. Depois do regateio dos preços e da ligeireza na negociação do cumprimento dos prazos de entrega, só faltava falhar na missão de salvar vidas, as tais que o dinheiro não compra, mas que a solidariedade europeia pode ajudar a preservar.

 

A dada altura, a Winnie da peça de Samuel Beckett Dias Felizes diz: “As palavras abandonam-nos, há alturas em que as palavras nos abandonam. Até elas…(…) E o que havemos nós de fazer, então…até que elas voltem? Pentearmo-nos se ainda não o fizemos, ou se não temos a certeza…cortar as unhas, se elas precisarem de ser cortadas…É assim que se vence o tempo.” É capaz de ser um bom conselho. Emudecidos pelo desgosto, pelo espanto, pela ira ou pelo desplante dos outros, provavelmente nada mais avisado que recorrer às tarefas comezinhas do quotidiano, enquanto fazemos um intervalo profiláctico das inquietações do mundo e relativizamos as grandes proclamações de quem toma o desejo por realidade. Foi o que me ocorreu quando li que o comissário europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton, afirmara que “no dia 14 de Julho temos possibilidade de conseguir imunidade [contra a covid-19] a nível do continente.” Chamou-lhe, é certo, uma “data simbólica”, mas nem isso lhe retira o carácter de proclamação ao estilo da taróloga Maria Helena.

 

É uma questão de princípio, de reputação, de honra. Se nos indignamos com a tibieza com que o Estado português terá actuado  no caso da venda das barragens pela EDP à Engie (nomeadamente no que diz respeito à tributação do imposto de selo), e com os expedientes de “capitalista sem capital” que permitiram a Alfredo Casimiro controlar a Groundforce, não devemos desvalorizar o episódio que envolveu a estilista americana Tory Burch e a camisola poveira (apresentada como Baja inspired Sweater) e também a semelhança óbvia de um serviço de loiça com a cerâmica da Bordallo Pinheiro. Ainda para mais num país, a América, conhecida pela forma aguerrida como denuncia fenómenos percepcionados como “apropriação cultural”. Citando as palavras que Shakespeare pôs na boca de Hamlet: “Ser verdadeiramente grande não consiste em comovermo-nos apenas por uma grande causa, mas em encontrarmos grandeza no objecto do valor de uma palheira quando a honra nisso está empenhada”.

 

Imagem: www.cm-pvarzim.pt

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