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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

FREDDY PINHEIRO - PESADELO NA AVENIDA BARBOSA DU BOCAGE

Abril 30, 2023

J.J. Faria Santos

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Exonerado pelo ministro das Infra-Estruturas, João Galamba, e proibido por este de voltar ao ministério, o assessor Frederico Pinheiro, desrespeitando esta ordem, protagonizou um episódio que se aproximou de um filme de terror, ou pelo menos de um thriller político com traços de comédia negra com salpicos de burlesco.

 

Com o intuito de recuperar o computador portátil que usava em funções, o assessor terá estado envolvido em cenas rocambolescas que incluíram gritos e agressões físicas (a assessora de comunicação do ministério ter-se-á apresentado nas urgências do hospital com escoriações), na sequência de o terem tentado impedido de levar o computador com a advertência de que ao fazê-lo estaria a praticar um furto. Funcionárias do ministério ter-se-ão refugiado numa casa de banho donde ligaram para o 112. Por seu lado, Frederico Pinheiro, confrontado com a circunstância de lhe terem fechado as portas, impedindo-o de sair do edifício, antes de ligar para a PSP terá arremessado a sua bicicleta contra as portas de vidro do ministério.

 

O motivo da exoneração do assessor prende-se com umas notas que este terá tirado durante uma reunião, ocorrida a 17 de Janeiro entre a CEO da TAP e o deputado do PS Carlos Pereira, cujo tratamento e divulgação estão envoltos em versões contraditórias. Ora em relação às ditas notas foi deliberado não as tornar públicas, ora, segundo testemunhas, o assessor terá dito não as ter nem memória da reunião, ora ainda que as teria de reescrever para serem perceptíveis, para, finalmente, as entregar, após diversas insistências. As referidas notas foram enviadas para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

 

Não vale a pena encarar o assessor como um corajoso whistleblower, que só se sentiu moralmente impelido a advogar uma radical transparência quando perspectivou a impossibilidade de cometer perjúrio na CPI. Ao assunto em questão, politicamente relevante (e ainda para mais em época de sobreexcitação mediática), falta a grandiosidade dos grandes escândalos que requerem o sufixo gate. E a grande preocupação de Frederico Pinheiro foi fazer back-up para o caso de ter de se defender em sede de comissão de inquérito. Trata-se de alguém media-savvy, com um currículo onde, para além da assessoria ao Bloco de Esquerda, constam passagens de órgãos de comunicação como a Renascença, o jornal Sol ou a RTP. Noutras circunstâncias, estar-se-ia seguramente a debater o surto psicótico, o desequilíbrio emocional ou o burnout de um assessor que terá agredido mulheres, tentado danificar património público e que se apossou de um “equipamento do Estado com documentos classificados”.

 

O filme que estamos a ver relacionado com a CPI é um remake. Já vimos isto no passado recente. Para os deputados, mais relevante que estabelecer factos, escrutinar decisões e retirar conclusões parece ser tentar a todo o custo colar o ferrete da mentira ao depoimento de um ministro para forçar a sua demissão. Mário Centeno foi um dos alvos anteriores, quer a propósito do Banif quer a propósito da CGD, onde referiu a existência de “erros de percepção mútuos”. Galamba é o alvo em movimento, apetecível por ser combativo e desabrido e ter um “passado socrático”, mas Medina está na calha.

 

Já todos percebemos que a CPI sobre a TAP é a principal arma de arremesso e o local de escavação arqueológica preferido da oposição em busca de provas de um qualquer crime político. Até poderíamos ter uma remodelação substancial que em poucos dias o impacto mediático desta seria engolido pelo facto do dia da CPI. Ainda para mais com os mass media inclinados para a direita. É sintomático e irónico que a TVI/CNN Portugal pareça cada vez mais a Fox americana, pouco preocupada com o contraditório e tomando como virtuosa a versão de uma das partes, desde que ela contrarie o relato oficial. Neste caso, entre o assessor eco-friendly e o Governo “socialista” (palavra pronunciada com um esgar de asco ou um sorriso de desprezo) a Fox Portugal põe todas as suas fichas no Frederico.

 

Imagem: ISCTE/Expresso

TAP(E) SE NÃO QUISER VER

Abril 08, 2023

J.J. Faria Santos

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Quando, com candura e sentido pedagógico, a CEO da TAP explica ao “querido Hugo”(secretário de Estado em pânico que uma frase hostil de Marcelo ponha “o país contra “ o Governo) que é garantido que o favor se torne público, e que isso não será bom para ninguém, parece estar a exibir um sólido bom senso. Mas onde estava essa qualidade quando utilizava o motorista para deslocações pessoais? Ou quando não viu inconveniente em contratar uma amiga pessoal e companheira do personal trainer do marido? Ou ainda quando não anteviu qualquer estorvo ético no facto de o seu marido, Floyd Murray Widener, director de desenvolvimento comercial de uma empresa que comercializa software, abordar a TAP com uma proposta neste âmbito?

 

Quando o intrépido Hugo explica que um ”incómodo” é um pequeno preço a pagar pelo “apoio” do Presidente da República , explicando que o “aliado político” (um delírio de ingenuidade) se pode transformar num “pesadelo”, tecendo considerações políticas num email de serviço com um pedido ilegítimo, entramos no domínio da falta de sentido de Estado e de respeito pelos procedimentos e formalidades. Belém desmentiu ter pedido qualquer alteração no voo da TAP, tendo o cuidado de acrescentar que “se tal aconteceu terá sido por iniciativa da agência de viagens”. Como não foi a primeira vez que tal aconteceu, é caso para dizer que a agência de viagens é despropositadamente proactiva. Hugo Mendes receava o “pesadelo”; o que motivará o afã da agência?

 

Quando deputados do PS e assessores do Governo se reúnem com Christine Ourmières-Widener na véspera de uma audição parlamentar, brada aos céus a inépcia política, a incapacidade de antecipar que a presença da CEO da TAP nestas circunstâncias levantaria a suspeita de concertação de posições. Como é evidente, despedida com “justa causa”, Ourmières-Widener está apostada em “reparar a honra”. Os danos reputacionais são incalculáveis, presume-se. A ideia de que a CEO da TAP não contestaria o despedimento era absurda, mas não deixa de ser notável que ela tenha dito: “Ter dois ministros a demitir-me com justa causa está a arruinar a minha reputação, perante a minha família, os meus filhos e amigos.” Ou seja, o dano na vida íntima e privada parece ter sido infinitamente superior ao dano profissional.

 

Quando o complexo industrial mediático, escudado no sacrossanto critério editorial, manifesta uma acérrima hostilidade ao Governo (não, não é um escrutínio implacável, não é a função de vigilante da democracia que está em causa, é o tom gratuitamente acintoso, o alinhar propositado de notícias para sublinhar uma alegada escalada de degenerescência, misturando factos relevantes com banalidades), quando partidos políticos pedem demissões em série de ministros, quando alguém alude a acontecimento “patológicos”, o que está em jogo é a pressão sobre Marcelo para que dissolva a Assembleia da República. O PR, através do seu órgão oficioso, informou o país de que se “recusa a visitar mais obras do PRR com Costa”, mas como, segundo a jornalista Ângela Silva, acha que “a maioria dos portugueses não quer crises políticas nem conflitos institucionais” vai optar por utilizar “o poder da palavra e a ameaça de vetar diplomas”.

 

Apesar do clima de contestação e da virulência do combate político, a fazer fé no artigo de Ângela Silva para o Expresso, o Presidente acha que Costa tem a seu favor “um quadro orçamental extraordinário”, “a bazuca europeia”, uma “oposição com pouco norte” e “um instinto político raro”. Desgostoso com a opção de Montenegro de não “esclarecer o que quer do Chega”, o PR prefere, para já, aguardar que “o desgaste do ciclo” se concretize. “Só é preciso que a oposição ajude”, terá dito. Até lá, será ele, Marcelo, a liderar  a oposição. Como se dissesse num email para o líder do PSD: Caro Luís,  compreendo que isto seja um incómodo, mas enquanto não decides o que fazer com o Ventura, tenho de agir como aliado político da oposição e transformar-me no pior pesadelo do Governo. :)

 

Imagem: Carlos M. Almeida (Lusa)

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