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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

O NOVO HOMEM DO LEME

Junho 08, 2025

J.J. Faria Santos

CNO_Strengthens_Partnerships_at_14th_Trans-Regiona

Os grandes vultos têm espírito cénico. Foi no International Club of Portugal (where else?), em Outubro de 2021, que Gouveia e Melo desejou não se “deixar cair na tentação” da política, porque “a democracia não precisa de militares” e porque “o militarismo excessivo não faz sentido”. Foi nesse mesmo dia que asseverou: “Se isso acontecer, dêem-me uma corda para me enforcar”. Se as proclamações definitivas nunca são um nó cego nas possibilidades de um político de carreira, também não o são para alguém experimentado na arte de marinheiro (nós, voltas, falcaças), subitamente empenhado numa carreira na política. A eleição de Trump criou uma “situação preocupante”, desatou o nó do impedimento e concretizou a tentação de Passaláqua.

 

Gouveia e Melo é o candidato catch-all, o novo homem do leme (“Aqui ao leme sou mais do que eu: / Sou um Povo que quer o mar que é teu;”) e o mostrengo é a falta de visão estratégica e de “cultura organizacional”. É o candidato do “centro pragmático”, da moderação, com Portugal na “camisola interior”, apostado em “falar menos, e a falar só quando for necessário sobre coisas substantivas”, e diz-se imune a influências. Em tempos de derivas populistas, é alguém que vem de fora da política, “não aceita que partidos políticos ou grupos organizados” o apoiem”, muito menos que André Ventura se junte às suas “comitivas”. Com a sua aura de autoridade e integridade, e o seu activo de disciplina e organização, Gouveia e Melo parece, para muitos, o homem certo na hora certa, em que de novo “Tudo é incerto e derradeiro / Tudo é disperso, nada é inteiro, / Ó Portugal, hoje és nevoeiro… / É a hora!”)

 

Mas o almirante também suscita dúvidas e interrogações. Há um excesso de voluntarismo que tem procurado mitigar. A ligeireza com que considerou que “vai haver alguma afectação nas despesas sociais” para permitir um maior investimento em Defesa, e a retórica alarmista com que a justificou -  “o que interessa também ter despesas sociais se não tivermos país?”, já foram minimizadas. Outras afirmações que parecem indiciar uma visão maximalista dos seus poderes despertam receios de intervencionismo desestabilizador. Procurando tranquilizar os traumatizados do eanismo, o almirante já veio assegurar que é “contra a Presidência fazer partidos”, porque isso “poderia ser perigoso para a própria democracia”. Mas se o homem que achava que a democracia não precisava de militares, mudou de opinião por causa da situação internacional, o que nos garante que um bloqueio partidário e/ou do regime não o levará a patrocinar/ encabeçar um novo partido político?

 

Curiosamente, o eanismo, por delegação conjugal, apoia Marques Mendes, que quer ser “mediador” em vez de moderador. Seguro pode não ser mediador nem do “centro pragmático”, mas “nasceu no interior e vive no centro”, e é “exigente com a ética” (condição potencialmente conflituosa com a visão laxista do primeiro-ministro). Gouveia e Melo, quanto ao Estado social e à Defesa, avança com uma alegoria: “É canhões e manteiga. Neste caso, os canhões para proteger a manteiga, e, claro, a manteiga para sustentar as pessoas que estão a tratar os canhões". Esperemos que não seja o último tango da República.

 

(Versos citados: excertos de "O mostrengo" e "Nevoeiro" de Fernando Pessoa)

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