UMA PROVOCAÇÃO OU UM DESAFIO?
Junho 12, 2022
J.J. Faria Santos
A reafirmação por parte de António Costa de um propósito que consta do programa do Governo (“aumentar, até 2026, o peso das remunerações no PIB em 3 pontos percentuais para atingir o valor médio da União e de aumentar o rendimento médio por trabalhador em 20% entre 2021 e 2026”) provocou aceso debate. Desde o básico “deixe de pedir aos outros que lhe resolvam os problemas” do director do Expresso até às abordagens mais técnicas (crescimento real ou nominal, implicação na equidade), passando pela acusação de estar a fixar uma meta que não depende dele, de tudo um pouco se leu e ouviu.
De modo geral, comentadores e oradores institucionais citaram a premissa clássica de fazer depender a valorização salarial do aumento da produtividade, e não faltaram as costumadas alusões à burocracia, à morosidade da Justiça e à elevada carga fiscal. Como poderiam ter destacado aspectos como a baixa autonomia financeira das empresas ou o reduzido investimento em investigação e desenvolvimento. O que faltou? Sintomaticamente, a referência ao capital humano, nomeadamente as qualificações dos gestores portugueses. O programa do Governo, aliás, aposta “na negociação coletiva enquanto ferramenta que permite alinhar os salários com a produtividade das organizações” e acena com incentivos fiscais para as empresas que promovam a valorização dos salários médios.
A propósito desta matéria, o Conselho para a Produtividade notou no seu relatório de Março de 2019 que “a dispersão de produtividade entre empresas do mesmo sector é elevada e com uma tendência crescente”, sugerindo que “os factores intrínsecos à empresa (tais como a eficiência da gestão, do capital humano ou do nível de investimento) são mais relevantes para a produtividade do que os fatores relacionados com o funcionamento de mercado ou com o ambiente económico”. Embora dando nota de uma evolução recente mais favorável, o relatório sublinhava que a disparidade nas qualificações, “adquirindo particular relevância as qualificações dos gestores portugueses, constitui um fator limitativo do crescimento da produtividade”. Por fim, destacando que o nível de escolaridade dos gestores portugueses é “substancialmente inferior à média europeia”, o Conselho para a Produtividade apontava este facto como um entrave à “capacidade das empresas de se adaptarem às mudanças tecnológicas e à concorrência internacional”.
A questão da produtividade é um calcanhar de Aquiles que persiste na economia portuguesa, tendo manifestado os seus efeitos mesmo nos tempos áureos do crescimento económico. Luciano Amaral escreveu em Economia Portuguesa, As Últimas Décadas (2010) que “nos anos de 1986 a 1992, onde o crescimento do PIB per capita foi tão acentuado, a produtividade não teve sequer uma evolução digna de particular registo. A diferença entre as duas medidas só foi possível por duas razões: porque houve um afluxo de meios de pagamento internacionais permitindo-nos aumentar o bem-estar sem que tivéssemos de produzir e exportar na mesma proporção, e porque existia uma larga reserva de mão-de-obra disponível (constituída por mulheres e desempregados) para entrar no mercado de trabalho”.
Parece-me que em vez de atribuir as afirmações do primeiro-ministro a uma manobra de propaganda ou a uma espécie de provocação assombrada pelo espírito da geringonça, todos (parceiros sociais, políticos, jornalistas, comentadores e cidadãos) faríamos melhor em encará-las como um desafio em prol do desenvolvimento do país, com espírito crítico e sem partis pris. Até porque, meditando nas palavras citadas de Luciano Amaral, percebe-se que não é com a proclamação de ilusórias reformas estruturais, nem com o contributo de homens providenciais com um superavit de auto-estima que se promove o crescimento sustentado.