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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

PORTUGAL ENTRE A "FEIRA CABISBAIXA" E A EXPOSIÇÃO JUBILOSA

Junho 11, 2023

J.J. Faria Santos

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O jornal Expresso publicou uma sondagem que traça o “retrato de um país profundamente insatisfeito” e que, no dizer do seu director, “é um murro no estômago”. A questão principal levantada por este estudo de opinião, que contactou 3894 lares e validou 1204 entrevistas, é o de se tentar destrinçar o que é percepção da realidade da realidade efectiva. E se factores como o carácter demasiado genérico das perguntas, ou até ambiguidade, uma conjuntura económica desafiante e uma conjuntura política conturbada terão contribuído para um negativismo exacerbado.

 

Em Março de 2007, comentando para o Diário de Notícias um estudo para o Instituto de Ciências Sociais de José Manuel Sobral e Jorge Vala acerca da identidade portuguesa, Miguel Gaspar sublinhava que nós, portugueses, “vemo-nos como ciclotímicos, ora eufóricos ora deprimidos; mas, no fim do dia, fica o lado triste e desaparece o feliz”. O estudo em causa tornava evidente, notava Gaspar, que os portugueses não encontravam “motivos de orgulho na maneira como funcionam a democracia, a segurança social e a economia”, e dele poderia ser retirada uma “frase-chave” que define todo um estado de espírito: “Ser português é algo que se assume com orgulho, mas com um orgulho ambíguo, indeciso, vacilante.”

 

16 anos depois, não surpreende que 90% dos portugueses se sintam pouco ou nada satisfeitos com a distribuição do rendimento e da riqueza, mas como interpretar os 91% insatisfeitos com o “nível de impostos sobre o rendimento” quando cerca de 45% não pagam IRS? (Pouco rigor na interpretação da questão? Uma resposta tendo em conta a carga fiscal e contributiva em geral?)

 

Se se compreende o descontentamento (74%) com o Serviço Nacional de Saúde, à luz da escassez de médicos de família e à problemática das urgências, que relegam para segundo plano indicadores que comparam favoravelmente (da esperança de vida à mortalidade infantil), como explicar os 78% insatisfeitos com “as políticas para combater a criminalidade” quando ​​​Portugal é o sexto país mais seguro do mundo e o quinto da Europa, segundo o Global Peace Index 2022?

 

De acordo com o estudo, os portugueses confiam na polícia, nas Forças Armadas, nas autarquias e no Presidente da República. E desconfiam mais dos partidos políticos do que do Governo e mais do Governo do que do Parlamento. 53% não confiam na Igreja Católica e 51% desconfiam dos tribunais. 54% dos inquiridos não confiam na comunicação social. Não sabemos quantos confiam nas empresas de sondagens.

 

Eternos insatisfeitos, “Mísera sorte! Estranha condição” esta de desafiar os limites, tentar a grandeza, enquanto nos entregamos ao suplício de nos menorizarmos. E mesmo assim, 50% dos inquiridos na sondagem publicada pelo Expresso estão pouco ou nada satisfeitos com o “papel que Portugal desempenha no mundo”. Eduardo Lourenço em Portugal como Destino aludiu a um país “que sempre se sentiu ‘universal’ por dentro e insignificante e marginalizado por fora, em particular no contexto europeu”. A Europa já não nos basta e exigimos o mundo. Isto, claro, nos intervalos da nossa autoflagelação. 100% dos portugueses (não, não é um dado da sondagem…) confiam (às vezes…) na nossa vocação universal e numa missão que nos redima e nos projecte para um patamar à altura de um passado glorioso. Convém é não esquecer a advertência de Eduardo Lourenço: “A história chega tarde para dar sentido à vida de um povo. Só o pode recapitular.”

A ELITE ESTÁ CANSADA DE UM PAÍS QUE NÃO A MERECE

Junho 27, 2021

J.J. Faria Santos

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A elite está cansada de um país que não a merece. Esta casta a que me refiro inclui sobretudo políticos, empresários e líderes de opinião, gente que, regra geral, aparenta apreciar a estabilidade e a moderação, mas que agora disfarça mal o seu asco por um povo que definem como demasiado submisso e desertor das batalhas da cidadania. Trata-se de gente que se tem em alta consideração, que está sempre à procura de um desígnio para Portugal, e com um discurso onde reluzem as sacrossantas reformas estruturais. Agora veem em cada esquina um inimigo e em cada rosto barbaridade. Os subalternos a quem compete gerir o dia-a-dia (enquanto eles se dedicam às grandes causas e aos grandes empreendimentos da mente) estão necessariamente sempre em perda, na fatal gestão da escassez de recursos, presos na pequenez da sua ambição, enredados na mercearia política (que a elite vê como um subproduto da arte de bem governar).

 

Esta elite cansa-se na presença do impasse. E como se diagnostica o impasse? A estratégia é simples e assenta na amálgama, na junção indiscriminada de incidentes e acidentes, erros e lapsos, deslizes de linguagem e afrontas verbais, eventos previsíveis ou inesperados. Um apelo disparatado à tomada de Sevilha pelos adeptos portugueses, uma pirueta presidencial a declarar inimaginável o recuo na estratégia pandémica, uma tirada infeliz a associar o Plano de Recuperação e Resiliência a uma ida ao banco, uma polémica rasca acerca das comemorações do 25 de Abril, a troca de valores fundamentais por um exacerbado dever de neutralidade, uma oposição estagnada alimentada a tiradas no Twitter e um Governo assoberbado com o semestre europeu a gerir a pandemia e as gaffes ministeriais. Juntam-se todos os ingredientes na Bimby da nação e sai um impasse angustiante agravado pelo medo. O medo? Sim, a elite é vagamente humana e vulnerável, e martela com frenesim a tecla do ritmo lento da vacinação e da insuficiência de testagem. Já o povo, esse é mais sereno. Despojado do privilégio, aprendeu a resistir, a avaliar o possível e a distinguir o indesejável do inevitável. Não é conformismo, é lucidez.

 

Dizem que António Costa não é um visionário, que não tem um projecto para o país, que se limita a gerir a conjuntura numa geringonça inorgânica de geometria variável com inclinação à esquerda. (Se fosse mais arrojado, não estaria a ser acusado de megalomania e de não ter noção da realidade?) Admitamos que a premissa é verdadeira. Será de espantar que a sua popularidade resista quando as alternativas no discurso público se dividem entre o populismo desbragado dos oportunistas e o desalento paralisante de uma elite incapaz de estar à altura dos seus supostos pergaminhos?

 

Imagem: Slim Aarons (photos.com by Getty Images)

PORTUGAL JÁ NÃO É UMA DEMOCRACIA...LIBERAL?

Maio 30, 2021

J.J. Faria Santos

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O instituto sueco V-Dem publicou recentemente o relatório onde analisa o estado da democracia no mundo, no qual consta um ranking elaborado de acordo com cinco índices que avaliam as componentes eleitoral, liberal, participatória, deliberativa e igualitária de cada país. O facto de Portugal ter caído do 7º lugar (em 2020) para o 18º lugar (em 2021) foi o pretexto para João Miguel Tavares ter escrito no Público que “o socialismo deficientemente democrático do PS (…) nos afasta todos os dias dos países mais avançados do mundo.”  O argumento parece pouco sustentado, se tivermos em conta que os relatórios publicados em 2018 (10º), 2019 (8º) e 2020 (7º), apresentaram uma evolução em sentido contrário e o Governo era o mesmo.

 

O título do relatório é algo alarmante (A Autocratização Torna-se Viral), explicável pelo aumento da população mundial, de 48% para 68%, que vive sob regimes autocráticos. Para Portugal, o 18º lugar entre 179 países no ranking global não parece o descalabro que Tavares anuncia, à frente do Luxemburgo (22º), do Canadá (28º) e dos Estados Unidos (31º). O nosso país, por exemplo, demonstrando um desempenho mais fraco ao nível do índice de participação política dos cidadãos (44º lugar), fica à frente do Estados Unidos no índice que avalia a componente liberal (onde se analisam os direitos individuais e a protecção das minorias face ao Estado, e o escrutínio parlamentar e judicial da acção governativa). 

 

Este relatório já tinha sido objecto de comentário por parte de Miguel Poiares Maduro em artigo para o Expresso (cujo título descaradamente plagio, embora com a adição de sinais de pontuação), onde para além de assinalar a despromoção de Portugal (de democracia liberal a democracia eleitoral), lamentava a predisposição de 51% dos eleitores portugueses para aceitarem um líder autocrático, ao mesmo tempo que teriam deixado de acreditar no “sistema político como instrumento de alternância de poder”. De facto, o relatório do V-Dem apresenta uma tabela de “Regimes do Mundo 2010-2020”, integrando Portugal no grupo das democracias eleitorais, que inclui nações como Malta, Eslovénia, Eslováquia, Bulgária, Croácia, República Checa, Polónia e Roménia. Esta tabela de classificação dos regimes foi elaborada a partir do contributo teórico de três académicos, que reconheceram em 2018 que “nunca foi tão difícil classificar os regimes políticos, e que esta classificação “implica algum grau de erro e outras fontes de incerteza”, para as quais julgam ter introduzido melhorias metodológicas.Tendo em conta que estes académicos consideram que os requisitos fundamentais de uma democracia liberal incluem “o escrutínio legislativo e judicial do executivo mediante um sistema de freios e contrapesos, bem como a protecção das liberdades individuais”, é difícil perceber o que levou a nação lusa (com um Governo minoritário, um Parlamento decisivo e um Presidente da República interventivo, sem sombra de lesão da liberdade de imprensa ou dos direitos de cidadania) a ver extirpada da sua democracia o adjectivo liberal.

 

Uma comunicação social livre e uma sociedade civil atentas são indispensáveis para uma democracia saudável (com ou sem o selo de liberal atribuído por um instituto sueco). Mais importantes que as tiradas incendiárias disfarçadas de justa indignação, ou as proclamações políticas a inventar “asfixias democráticas”, são as intervenções de colunistas como Pacheco Pereira e António Barreto a alertar para o potencial censório da Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital (que pretende “proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas, de jure ou de facto, que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação”, lei aprovada com a abstenção do PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal, e o voto favorável de todos os restantes (e a promulgação de Marcelo). Discutam-se, pois, o rumo do país, as leis da nação e as circunstâncias da acção política, sem cair em estados de alma quase depressivos a propósito da palavra liberal.

 

Imagem: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Portugal_film_clapperboard.svg#/media/File:Portugal_film_clapperboard.svg

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