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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

AGUSTINA APLICADA À POLÍTICA PORTUGUESA (DEDICATÓRIAS)

Março 31, 2024

J.J. Faria Santos

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A António Costa

“Sabido é que um bom primeiro-ministro é aquele que suporta melhor as culpas do governo, as calamidades do céu e a arbitrariedade da História.”

 

A Marcelo Rebelo de Sousa

“Ele é inimitável e tem em si um sem-número de personagens protegidas pela unidade da pessoa.”

 

A Luís Montenegro

“Parece indeciso, mas é um conciliador de riscos.”

 

A Pedro Nuno Santos

“Convém obedecer em particular, mas ser rebelde em geral.”

 

A André Ventura

“Sempre os povos tomaram o ruído como manifestação de força.”

 

A Rui Rocha

“Iludir um povo é um crime; desiludi-lo é um erro.”

 

A Mariana Mortágua

“Não é possível exigir moderação e virtude onde não houve liberdade de experiência.”

 

A Rui Tavares

“O espectáculo dum homem livre faz estremecer.”

 

A Paulo Raimundo

“Toda a palavra é uma resistência.”

 

A Nuno Melo

“Tem o talento de nomear um inimigo, pois sabe que um inimigo é indispensável a todo aquele que pretende governar.”

 

A Inês de Sousa Real

“Com este gado e sem rafeiro, qualquer dia o lobo tenta-se…”

 

Ao povo português

“A tendência que os portugueses têm para se julgarem vítimas do destino é uma forma de não se renderem nunca à infelicidade.”

 

Dedicatória multiusos

“Era um asno, mas imediatamente se impunha como isso mesmo.”

 

(As “dedicatórias” são minhas e as palavras são, obviamente, da Agustina Bessa-Luís – in Aforismos, Relógio d’Água Editores.)

 

O CASO DA POLÍTICA DE CASOS

Junho 25, 2023

J.J. Faria Santos

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O “caso” político, ao contrário do “escândalo”, comporta “um lado obscuro, críptico, que é preciso decifrar”, defende António Guerreiro na sua coluna no Ípsilon. De tal forma assim é, prossegue Guerreiro, que a “decifração” se transformou no “exercício preferido” do jornalismo, que “teve de abandonar, em larga medida, outras tarefas de que estava incumbido na sua idade clássica”. Nesta circunstância, se não é difícil responder às perguntas o quê, quem, quando, onde e como, já o porquê parece ficar envolto numa capa de especulação e dissimulação. E se o jornalismo funciona, citando Daniel Ricardo, como “um espelho da realidade [e] não pode acolher histórias inventadas nem relatos inquinados pela falta de fidelidade aos factos”, a acção detectivesca sobre “factos políticos” (uma subcategoria demasiado devedora da interpretação e da opinião), onde parece ser mais importante confirmar um pré-juízo de culpabilidade ou falsidade do que apurar a verdade dos factos, conduz à subversão da prática jornalística. O que ainda é mais grave se notarmos, como Guerreiro sublinhou, que muitos decifradores, analistas, comentadores são, eles mesmos, actores políticos ou ex-actores políticos trabalhando para o comeback ou empenhados na salvaguarda do seu capital de influência.

 

Os decifradores defendem a gravitas, mas pelam-se pela dessacralização do poder; apreciam os ritos, compreendem a importância da sobriedade e da discrição, mas advogam o absolutismo da transparência. Toda a acção política é pública, todo o escrutínio depende da agenda totalitária, toda a omissão é a prova de uma ambição inconfessável. Todo este cenário, já por si complexo, é agravado por uma circunstância específica: a residência no Palácio de Belém do criador dos factos políticos, fonte de jornais e televisões, uma sorridente e melíflua central de desinformação, ex-decifrador profissional sempre disposto a aparecer como explicador benévolo. Veja-se o caso da escala de Costa na Hungria. Marcelo não viu “problema político específico”, uma formulação (propositadamente?) arrevesada, mas apressou-se a levantar hipóteses de explicação que não lhe competiam dar, desde a necessidade de fazer a escala até à vontade de “dar um abraço” a Mourinho. O resultado foi um debate acalorado e com a extracção de ilações absurdas, que incluíram a acusação de falta de transparência pelo facto de o encontro não constar da agenda até ao uso indevido de bens do Estado.

 

Num artigo que escreveu para o Público há cerca de um mês, Pacheco Pereira considerava que “as regras do jornalismo desapareceram do espaço público, substituídas por um tratamento comicieiro e politicamente motivado e orientado, que, por falta de alternativa, deixa todos entregues à intoxicação”. Se não há dúvidas de que a “democracia morre na escuridão”, talvez fosse oportuno meditar se não a estaremos a cegar com o brilho dos holofotes do populismo, das notícias falsas e das teorias da conspiração, sob o pretexto da transparência e do escrutínio.

 

Imagem: istockphoto.com

O EPIDEMIOLOGISTA HONORIS CAUSA PELA UNIVERSIDADE TVI

Fevereiro 07, 2021

J.J. Faria Santos

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Inicialmente, a rubrica Global parecia destinada aos grandes temas da política internacional. Paulo Portas prescindia de mergulhar na mesquinhez das tricas internas, mantendo-se convenientemente afastado das convulsões da sua família política, ao mesmo tempo que compunha uma aura suprapartidária com verniz presidencial. As subtilezas da diplomacia e a riqueza da geoestratégia alimentavam o seu lendário sentido de Estado e a sua irrevogável pose hirta e solene. Mas eis que desabou sobre o mundo uma pandemia e o global pareceu demasiado amplo para os seus cirúrgicos objectivos a nível nacional. Foi quando Portas se transformou numa espécie de explicador do fenómeno pandémico luso, armado de dados, quadros, gráficos, curvas e opiniões definitivas sublinhadas por uma cara fechada, um dedinho em riste e o ocasional sorriso no canto dos lábios quando dá uma ferroada no desempenho governamental. O analista de política internacional evoluiu para uma espécie de epidemiologista honoris causa pela Universidade TVI.

 

Como sublinhou Constança Cunha e Sá (que conhece bem quer a TVI quer Portas, e é insuspeita de deriva esquerdista) no Twitter: “Quando é que a TVI percebe que o Paulo Portas não é médico, nem infecciologista e não tem preparação para ter um comentário semanal sobre vírus e vacinas. Uma coisa é todos nós termos umas coisinhas a dizer sobre a coisa, outra é esta fantochada semanal.” Na passada semana, o ilustre comentador fez num aparte “uma reflexão melancólica de quem saiu da política há 5 anos”. Imaginem que nas actuais circunstâncias, propôs ele, Portugal vivia sob “a égide de um Governo de centro-direita”. O que não se diria, as demissões que não se teriam pedido, os insultos que não se teriam proferido. E terminou, em jeito de desabafo, afirmando que “as pessoas também têm que ganhar um bocadinho de equidade nestas coisas.” O cerne da questão está precisamente na questão da “equidade”. Portas pode proclamar que saiu da política (o que me parece altamente duvidoso), mas a verdade é que a política jamais “sairá” dele. É uma segunda pele, um reflexo condicionado. Mesmo enquanto director de jornal, a sua objectividade foi sacrificada a uma agenda política.

 

O exercício de análise crítica da actividade governativa é não só altamente recomendável como essencial para a saúde da democracia. Mas também me parece indispensável que não se pretenda transformar uma rubrica de opinião num oráculo ideologicamente puro, aludindo a uma duvidosa abstinência de cinco anos. Sobretudo vindo de quem é apontado como futuro candidato presidencial. Vamos ter um remake para o centro-direita (protagonizado por um cinéfilo), com Portas a caprichar nos afectos? De resto, ele não deve ter razões de queixa em relação ao que se tem dito sobre o actual Governo. Pedidos de demissões? Check. Insultos? Check. E ainda, como bónus, líderes de opinião à beira de um ataque de nervos, clamando por governos de iniciativa presidencial e passando certidões de óbito ao Governo de Costa. Não há falta de massa crítica, os opinion makers estão atentos e de língua afiada. O epidemiologista honoris causa pode dedicar-se à nobre arte da política. Sem dissimulação.

 

Imagem: Tviplayer.iol.pt

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