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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

A PROPOSTA PREVIAMENTE CONSIDERADA IRRECUSÁVEL

Outubro 05, 2024

J.J. Faria Santos

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Um xeque-mate é, por definição, um lance num jogo de xadrez que põe fim à partida numa circunstância particular: o rei da vítima da jogada fica numa posição fatalmente débil, porque não há escapatória possível nem defesa eficaz. O primeiro-ministro julgou ter dado um xeque-mate ao líder da oposição. Com uma inspiração cinematográfica em Don Corleone, congeminou uma “proposta irrecusável” que configuraria, nas suas próprias palavras, “um nível de aproximação e cedência suficientemente intenso”. O resultado foi um frémito de entusiasmo que empolgou as redacções, e conduziu a uma ofensiva mediática com, pelo menos, três ministros e a um acumular de loas que louvavam o génio estratégico do primeiro-ministro, que, astuto, recorrera ao template do IRS jovem do PS. O resultado, perorou-se em uníssono, é que Pedro Nuno Santos ficara “encurralado”, sem motivos sérios e fundamentados para não viabilizar o Orçamento do Estado.

 

24 horas depois, e dado que o Governo se mostrara disponível para negociar com o PS sobre "alguns aspetos que possam ser melhorados" na “proposta irrecusável”, eis que o secretário-geral socialista apresentou ao primeiro-ministro e ao país a sua contraproposta. Em tom conciliador, sereno, sem carga de prosápia, Pedro Nuno Santos aquiesceu, em termos gerais, em relação às alterações no IRS jovem, mas pressionou alterações adicionais no IRC. Com a astúcia de propor duas opções distintas à escolha, e com o requinte de uma delas recorrer a um benefício fiscal, o CFEI, originalmente criado por Paulo Núncio no executivo de Pedro Passos Coelho. Com o líder do PS a encontrar a saída do labirinto, o ambiente de euforia à direita toldou-se. Se personalidades como Bagão Félix e Manuela Ferreira Leite já se mostravam pesarosos com as cedências, e expressões como “orçamento travestido” e “orçamento em tons rosa” começaram a multiplicar-se, face à contraproposta socialista o ministro Pedro Duarte pediu boa-fé, dizendo:  "Governo cedeu uma montanha, PS ainda não saiu do Largo do Rato.”

 

Não sabemos se a boa-fé move montanhas, nem qual será a resposta do primeiro-ministro às novas propostas “muito moderadas” do líder da oposição. O argumento de que seria absurdo não viabilizar o Orçamento por causa de 1% de IRC responsabilizaria, à partida, as duas partes, mas acontece que uma das opções colocadas na mesa pelo PS contempla, precisamente, a descida do IRC para 20% em 2025. A bola está do lado da situação. O primeiro-ministro fará a sua escolha. Será que desta vez controla o excesso de confiança, disfarça a húbris e age com sobriedade e sentido de Estado? Não parece avisado, quando se pretende negociar, menosprezar os adversários políticos e procurar amesquinhá-los no Parlamento. Um louco na câmara e um gentleman à mesa de negociação não parece comportamento sensato.

 

O QUE DIZEM OS COMENTADORES (DE PEDRO NUNO E DO PS)

Janeiro 14, 2024

J.J. Faria Santos

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Presume-se que os comentadores e analistas não vivam numa realidade paralela, mas depois lê-se o que António Barreto escreveu sobre o novo secretário-geral do PS (“Pedro Nuno Santos, depois de obra mal feita e antes mesmo de obra nova, tem o favor da imprensa como raros políticos recentes.”) e ponderamos se ele terá acabado de chegar de Marte. “O favor da imprensa?”, a sério? Todos os dias a ser confrontado com acusações de imaturidade, a ser recordado da tirada de não pagar a dívida, acusado de informalidade na sua acção como ministro, a quererem colar-lhe à força o rótulo de radical, a acharem que deveria ter resolvido a crise da habitação no período de tempo em que foi governante com essa pasta?

 

Apesar de ter escrito no Expresso que “Pedro Nuno disse mais em vinte minutos de discurso sobre políticas alternativas e preocupações de futuro do que o PSD em oito anos”, Miguel Sousa Tavares não o tem em grande conta. Já João Vieira Pereira, director do semanário, acha que a estratégia do líder do PS para as próximas eleições “é demasiado simples, mas muito eficaz”, tendo o gravíssimo inconveniente de mesmo que seja “eleito ao centro, irá governar à esquerda”. Como se infere, para ele, um partido da família da social-democracia e do socialismo democrático governar à esquerda é um contra-senso. Miguel Poiares Maduro, no mesmo jornal, lamenta que Pedro Nuno se preocupe mais com a “necessidade de decidir” do que com o “processo de decisão”. Receia as decisões de “políticos iluminados”, preferindo um enigmático “processo independente de avaliação técnica do mérito” das opções. Aposta talvez na decisão “iluminada” da tecnocracia para moderar os impulsos dos políticos portadores da legitimidade democrática conferida pelo voto?

 

Se passarmos do líder ao partido, a opinião de Amílcar Correia, redactor principal do Público, resume os dois pontos essenciais do argumentário para remover o PS do poder: “os eventuais inconvenientes da mexicanização da política portuguesa” e “a forma trapalhona e indigente como [o PS] desbaratou a confiança do eleitorado”. “Desbaratou a confiança” como? Com a crise na habitação, com as insuficiências do SNS e com a instabilidade no elenco governativo, por exemplo? E que peso terão na decisão de 10 de Março, por exemplo, o crescimento económico acima da média da UE, a gestão da pandemia e das consequências de uma guerra na Europa, o aumento dos rendimentos, a descida do desemprego, os apoios sociais concedidos, a recuperação do poder de compra e o controlo do défice e da dívida?

 

No seu artigo semanal para o Expresso, sob o título Será possível o PS ganhar, Luís Aguiar-Conraria escreveu que a noção de que atravessamos uma “crise generalizada é uma criação mediática”, considerando que quem receia o futuro “prefere manter o Governo que lhe tem garantido o conforto de uma situação financeira estável”. Para ganhar o voto, é necessária uma “oposição competente”, acrescentou. O que nos remete para a questão da mexicanização do regime, cujo risco e responsabilidade tem de ser partilhado, pelo menos, pelos dois partidos hegemónicos do arco do poder.

 

Imagem: Cartoon de Cristina Sampaio para o Público

A.D. (ANNO DOMINI) 2024

Janeiro 07, 2024

J.J. Faria Santos

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O futuro está a chegar. Em fascículos. Entrámos num novo capítulo, em Portugal. Com novos protagonistas em cena, velhos actores estreando novas peças e com o rei dos cenários em grande agitação táctica na poltrona presidencial. Pedro Nuno Santos promete-nos um Portugal inteiro, em comunhão de gerações, um novo ciclo virtuoso, onde à segurança e à estabilidade se juntam o dinamismo e uma visão de futuro. Luís Montenegro aposta no rebranding da AD (e no Anno Domini de 2024, o primeiro ano D.C. – depois de Costa), incumbindo a esta nova troika (Montenegro, Nuno Melo, Gonçalo da Câmara Pereira) a concretização de um governo “ambicioso, reformista, moderado, estável e maioritário”. E na solidão do Palácio de Belém, enquanto avalia os danos na sua popularidade causados pelo “caso gémeas”, Marcelo, o encenador que se deleita com os cenários, aventa a possibilidade de uma “terceira dissolução”. Já lá diz o povo, que “é quem mais ordena”, que não há duas sem três.

 

Um novo player aparece em grande destaque nesta temporada política: o Ministério Público, que é cada vez mais uma concorrente da Agência Lusa. As fugas de informação e de peças processuais têm um tratamento por parte dos órgãos de comunicação social em que nem sempre se torna explícito que veiculam o ponto de vista de uma das partes, e são apresentadas como “a verdade do dia”, sem contraditório. O MP diz que não se deixa condicionar por timings políticos, mas parece “libertar informação” em função deles. A forma como na mesma semana em que sugere que Costa é suspeito de prevaricação no âmbito da Operação Influencer o MP tornou pública a abertura de quatro inquéritos relacionados com a casa de Espinho do líder do PSD sugere uma intenção de equilíbrio de danos pouco virtuoso. A outra hipótese, ainda mais alarmante, era de gerar um pernicioso efeito de acumulação e generalização de suspeitas terríveis para a saúde da democracia. No dia em que a democracia perecer a autonomia e a independência do Ministério Público valerão zero.

 

Imagem: David Revoy https://www.davidrevoy.com

 

PROGNÓSTICOS ANTES DO FIM DO JOGO

Dezembro 17, 2023

J.J. Faria Santos

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Os comentadores políticos adoram fazer prognósticos. Sacam das suas grelhas analíticas, “auscultam” o sentir do povo e desatam a desafiar a falibilidade e a lógica com conselhos e proclamações definitivas. E com 2024 à porta, que melhor altura para concorrer com videntes e astrólogos? Quando, em 8 de Janeiro do corrente ano, Ana Sá Lopes escreveu no Público – “Há uma – e só uma – possibilidade de o PS resistir às próximas eleições. António Costa demitir-se tão cedo quanto possível e ir fazer uma travessia no deserto para em 2024 ser escolhido para presidente do Conselho Europeu” – estava longe de imaginar um cenário em que, no dizer de Rui Rio, “o PM foi demitido pela PGR”. Nesse mesmo artigo, defendeu que Pedro Nuno Santos seria o mais bem colocado na corrida à sucessão, embora tal não garantisse a manutenção do poder socialista à frente do país. 11 meses depois, empolgada com a verve de Montenegro num congresso partidário, Ana Sá Lopes sintetizou o seu pensamento no seguinte título: “Montenegro ‘mata’ Passos, faz o seu melhor discurso e pode ganhar”. (Entretanto, hoje, já escreve no Público que “Montenegro não aproveitou o embalo do Congresso”.)

 

Apesar de tudo, e porventura na linha da tese clássica de que são os governos que desbaratam o poder e não é a oposição que o conquista, até ao momento não se vislumbra uma onda de entusiasmo pelas propostas de Montenegro. E não é certo como é que os eleitores ponderarão na cabina de voto factores como a crise da habitação, os constrangimentos na saúde, os aumentos nos rendimentos (pensões e salário mínimo) e a descida do desemprego, tudo isto no contexto das chamadas “contas certas”. Se para Ricardo Costa, a três meses das eleições, “o mais provável é o PS vencer as eleições”, para Francisco Mendes da Silva “Montenegro é hoje o mais provável futuro primeiro-ministro”.

 

Para um subgrupo de analistas, a alternância é um imperativo por si só. Por exemplo, Bárbara Reis, indignada com o dinheiro vivo de Vítor Escária, titulou uma das suas colunas de Novembro passado com um definitivo “O PS precisa de ir para a oposição”. Justificando esta asserção, explicou que o caso era “tão grave” que era importante apurar se esta “forma de vida faz parte da cultura do PS, (…) se a bioestrutura do partido está infectada”. Neste subgrupo há quem defenda a mudança para pior. Veja-se o exemplo de Henrique Monteiro no Expresso: “E se o outro lado é pior? Pode ser, mas o efeito de mudança pode e deve exercer-se.” E o eleitor comum, estará apostado em mudar para pior em nome da alternância?

 

E que papel desempenhará nas cogitações dos eleitores o legado de António Costa? Num artigo que até nem é lisonjeiro, Manuel Carvalho escreveu no Público que o actual primeiro-ministro “não deixa de ser uma referência de estabilidade, ponderação e contas certas”. E acrescentou que “não há grandes razões para celebrar a queda. Pelo contrário, é muito provável que ainda venhamos a ter saudades de António Costa”.  Talvez não seja caso para tanto. É que ele vai andar por aí.

RABO-DE-PALHA - A SÉRIE DO CANAL PARLAMENTO

Junho 18, 2023

J.J. Faria Santos

Leonardo Negrão_Global Imagens.jpg

Não tenhamos ilusões: para a generalidade dos inquiridores o verdadeiro interesse da comissão parlamentar de inquérito à TAP residia na sua qualidade de potencial tomba-ministros. Toda a liturgia, alimentada por gestos largos, perguntas incisivas em tom provocatório precedidas por preâmbulos em tom jocoso ou pretensamente grandiloquente, serviria para gerar um momentum ou uma sucessão de momenta capazes de debilitar ainda mais um Governo impopular.

 

De tal forma que um assunto lateral (um caso de polícia protagonizado por um assessor com um apego desmesurado a um computador ou uma alucinação colectiva/ transtorno psicológico dos membros de um gabinete, conforme as versões) se tornou o fulcro de uma inquirição que se transformou numa espécie de procedural televisivo com uma investigação minuciosa da agora tão badalada “fita do tempo”. O objectivo, claro, era, mais do que descobrir a verdade para além de qualquer dúvida razoável, colar o ferrete da mentira ao depoente. O problema é que a mentira, como aliás a verdade, tem várias declinações. E as várias formulações possíveis e a ambiguidade das respostas tornaram esquiva e sinuosa a proclamação incontestável da falsidade.

 

O espectáculo televisivo foi de interesse oscilante. Ao contrário de dada série da Netflix rodada nos Açores, neste seriado que poderíamos apelidar de Rabo-de-Palha (“mancha na reputação”, “possível motivo de censura ou condenação”) não faltaram sotaques, do nortenho oleado com sarcasmo ao francês com fragrância de injustiça. Das guest stars que foram aparecendo, destaque para o contido e nervoso alvo em movimento Galamba, para a sua assertiva e imperturbável chefe de gabinete, para o assessor na pele do underdog que, paradoxalmente, apareceu com um advogado de renome e também para o ministro das Finanças, que, no dizer de Ana Sá Lopes, “sai deste filme triste com a sua posição intacta”.

 

Certo é que o grande episódio da série coincidiu com a aparição de Pedro Nuno Santos, com a sua aura de sex symbol e shooting star. Mas não pensem que a personagem é só estilo. Há conteúdo, substância. Na mesma semana em que o filósofo Peter Sloterdijk recordou ao Expresso que “a relação entre a verdade e a política pode chegar a ser bastante remota”, Pedro Nuno Santos gravou na pedra um imperativo categórico: “Há verdades que são mais inverosímeis do que a mentira, mas não vou passar a mentir só porque ela parece mais credível do que a verdade.”

 

Imagem: Leonardo Negrão/Global Imagens

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