ABRENÚNCIO
Agosto 11, 2024
J.J. Faria Santos
50% da bancada parlamentar do CDS-PP acha que a “única” forma de reverter a “liberalização da lei do aborto passa por um novo referendo”. E vê no recurso às taxas moderadoras uma forma de “limitar o acesso ao aborto”. E advoga a criação de “um fundo de emergência para famílias que pensam recorrer ao aborto por razões materiais”. (As razões imateriais não interessam, carecem de tangibilidade, diluem-se no abstracto). Em Fevereiro deste ano, no mesmo evento em que o deputado do Chega Pedro Frazão referiu que “a esquerda marxista e assassina tem ganhado essa batalha cultural”, Paulo Núncio já tinha defendido que “a esquerda tem dado passos para atacar a vida e a família”. 50% da bancada parlamentar do CDS-PP pensa isto, mas apenas a “título pessoal”.
Paulo Núncio é um cruzado, um soldado da resistência com ambições de reconquista de terreno do ideário cristão que ele vê sob ataque do secularismo e das ideologias malsãs, um defensor da vida e da família. Indignado com a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos (cuja origem remonta a uma civilização em relação à qual ele registará os hábitos dissolutos e contranatura - sexo improdutivo, homoerotismo, pederastia -, e na qual se usavam métodos contraceptivos e o recurso ao aborto era legal, com utilização de vários métodos), e também com a polémica que envolveu a pugilista Imane Khelif, escreveu ele na rede social X: “Depois do ataque ao Cristianismo, agora a tentativa de normalização da violência sobre as mulheres! Inaceitável!”
50% da bancada parlamentar do CDS-PP está particularmente habilitada para discorrer sobre a violência sobre as mulheres, que põe em causa a sua integridade física, o seu bem-estar e o seu livre-arbítrio, porque, como se sabe, impedi-las de fazer escolhas acerca da sua saúde reprodutiva, expô-las a situações degradantes e reduzi-las ao estatuto de fêmea reprodutora não é um acto violento. Será defender a vida não desde a concepção, mas segundo a concepção de quem se encontra grávido de farisaísmo. Porque Núncio poderia apenas ser um homem de convicções fortes e ideias inabaláveis, mas isso não lhe chega. Daí a aura de ungido, as vestes do sectário, o rosto da superioridade moral e a intolerância que o coloca em contramão com a compaixão que a religião que ele professa tanto valoriza.
Imagem: X de Paulo Núncio