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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

O BROMANCE DOS MELOS

Novembro 24, 2024

J.J. Faria Santos

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Esta semana a actualidade ficou marcada pela Convenção dos Melos, evento que teve lugar pela calada da noite num bar lisboeta. As fotografias divulgadas em modo de flagrante delito exibem um clima de bromance entre o líder do CDS e/ou ministro da Defesa e o almirante presidenciável e/ou chefe de Estado-Maior da Armada. Apesar da informalidade, o encontro deve ter tido um propósito, dado que é sabido que o Melo almirante não é particularmente dedicado ao convívio de lazer com entidades políticas, característica que poderá ser simbolizada pela sua célebre frase “colinho dá a mãe em casa”.

 

Aparentemente, Gouveia e Melo e Nuno Melo ter-se-ão contentado em agitar as águas. Raquel Abecasis cita no jornal I um “apoiante da candidatura” do almirante que considera que “ele ganha em não ter o apoio formal de partidos”, e escreve que um eventual apoio formal do CDS “é duvidoso até porque Paulo Portas não vê a hipótese com bons olhos”. Abecasis escreve também que o ministro da Defesa “tem sido muito pressionado por Marcelo Rebelo de Sousa e por Luís Montenegro para acelerar (…) [a] recondução do almirante das vacinas, de forma a evitar uma cada vez mais provável candidatura”. Considerando a veracidade desta última revelação, percebe-se o potencial de galhofa do nightcap no Cockpit destes machos alfa.

 

As presidenciais são em 2026 e os candidatos ainda não estão todos alinhados. Para já, o perfil messiânico do almirante garante-lhe o primeiro lugar nas sondagens, apesar de já ter declarado que “qualquer ser que apareça como salvador da pátria é mau para a democracia. (…) Não é uma personagem que salva a democracia. Isso cheira a outra coisa. Eu não quero ser essa pessoa”. A últimas notícias apontam para a indisponibilidade do almirante para ser reconduzido no cargo que desempenha actualmente e para o anúncio no próximo mês de Março da candidatura a Belém. As mesmas sondagens atribuem ao remake de Marcelo (o comentador “independente” Marques Mendes, que ansiava por uma saudação apoteótica no congresso do PSD que não se materializou) cerca de metade das intenções de voto de Gouveia e Melo. Em próximos estudos veremos a cotação do mais recente candidato a candidato, António José Seguro, que, dez anos depois, regressa com a sua celebrada moderação, a sua reconhecida simpatia, a sua verve reticente e o seu carisma oculto, preocupado com “um Estado a abrir fendas” e uma “sociedade a deslassar”.

 

Imagem: paginaum.pt

SILLY SEASON - PROLONGAMENTO

Setembro 15, 2024

J.J. Faria Santos

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Pode ser um efeito conjugado das alterações climáticas, do triunfo fulgurante do populismo e da omnipotência das redes sociais. O que é certo é que o que se convencionou chamar de silly season ameaça extravasar estações e períodos delimitados, avançando resoluta e imparavelmente pela rentrée adentro. Vejamos 3 exemplos ricos na sua abrangência e alcance.

 

A PGR, por exemplo, apresentou-se na Assembleia da República com o seu majestoso perfil operático (figura de prima-dona com reportório limitado), “a reboque do ribombar dos tambores” da amnésia e da irresponsabilidade, visto ter considerado “súbito” (?!) o interesse pela actividade do Ministério Público e, ao não apontar os responsáveis pela “campanha orquestrada” contra tal órgão, acabou por se limitar a ser a incubadora de uma “ contagiante e incauta maledicência”, porventura “enraizada em pérfidos desígnios”.

 

Já Nuno Melo, ministro da Defesa (e do ataque, quando for preciso), assumiu-se como o “falcão” do Governo, mas a título pessoal, porque a afirmação de que “Olivença é portuguesa” e “deverá ser entregue ao Estado português” foi feita pelo “presidente do CDS”. Confuso? Nuno Melo fez questão de explicar. “A opinião que tenho sobre Olivença é antiga e corresponde a uma posição de princípio, historicamente conhecida, que várias vezes defendi. Hoje repeti-a como presidente do CDS, embora num contexto equívoco, porque presente numa cerimónia como ministro", disse ele. A culpa é do contexto. Mas o mais relevante, para futura destrinça da qualidade em que presta declarações, foi a afirmação de que se tratou “de uma resposta a uma pergunta e, por isso, insusceptível de ser concertada com os restantes membros do Governo”. Ou seja, Nuno Melo jamais responderá a perguntas na condição de ministro, visto que não poderá concertar as respostas com os restantes governantes. Em todo este episódio, resta ao ousado ministro a manifestação de “prudente gáudio” do Grupo dos Amigos de Olivença.

 

Por seu lado, a Presidência da República informou quinta-feira a nação de que o Presidente se vira forçado a cancelar uma “ida a Viseu”, por no final do jantar de véspera ter sido acometido de uma “indisposição gastrointestinal”. Já conhecíamos a expressão guerras intestinas; agora temos um intestino em guerra. As entranhas em tumulto terão sido motivadas por uma overdose de fortimel? Ou Marcelo, que informou os jornais do seu “desconforto” por Montenegro não aventar nomes para a sucessão da PGR, já não tem estômago para o estilo rural recôndito do primeiro-ministro?

NOTÍCIAS DE UMA REALIDADE INVEROSÍMIL

Setembro 13, 2020

J.J. Faria Santos

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O sempre estrepitoso Nuno Melo, com aquele seu ar de latifundiário das horas vagas e aquela sua atitude aguerrida de exterminador implacável do marxismo cultural, com pouca preocupação com o rigor dos conceitos e com a veracidade dos factos, denunciou no Twitter o facto de, numa misteriosa escola, uma aula de Educação Física ter sido “interrompida” para que os alunos assistissem a uma “palestra sobre 67 tipos de sexualidade”, ministrada por uma ignota “associação”. O deputado europeu do CDS deu o exemplo da atracção sexual por objectos inanimados. O que me leva a especular acerca desta escolha. Será que preferiu um exemplo comparativamente menos chocante para o eleitorado conservador do que, sei lá, a necrofilia ou o bestialismo? De resto, está-se mesmo a adivinhar o raciocínio de Nuno Melo: uma palestra sobre sexualidade no meio de uma aula de Educação Física? Que género de ginástica se seguiria? Alongamentos e coisa e tal.

 

O Papa Francisco, citado num livro de entrevistas, declarou que “os prazeres de comer e do sexo vêm de Deus” e que o “prazer sexual existe para que o amor seja mais bonito e para garantir a perpetuação das espécies”. Fontes não identificadas (na verdade, um amigo meu com tendência para a efabulação…) informaram-me que, confrontados com estas afirmações (e apesar da referência à função reprodutiva), cerca de 90% dos subscritores do manifesto contra a obrigatoriedade da disciplina de Cidadania estariam a ponderar o suicídio colectivo. Não acreditei, claro, porque seria pecado.

 

Num daqueles episódios característicos da silly season, a capa falsa do New York Times onde se anunciava que Portugal iria ter “uma festa de suicídio coletivo chamada ‘Avante!’ com 33000 visitantes” chegou ao Jornal da Noite da SIC. A culpa é, certamente, da pressão do directo. Acreditar que um jornal de referência utilizaria uma formulação tão falsa e propagandística para se referir ao evento em causa é do domínio do delírio. Se Donald Trump tivesse visto esta capa, berraria, por instinto, “fake news!” E, por uma vez, teria acertado.

 

Debaixo do verniz de intelectual, da consistência argumentativa ou da sofisticação do raciocínio, espreita a crueza do extremismo, da ausência de flexibilidade política e da fidelidade ideológica. É por isso que, em entrevista à Visão, Jaime Nogueira Pinto confirma a sua simpatia pelo Chega, desvalorizando o simplismo do discurso do partido, e confessa que, se votasse nos EUA, teria votado Trump (“contra Hillary Clinton”) e agora votaria Trump contra Kamala Harris (“que assusta muita gente”) e Joe Biden (que está “chalado”). O grande defeito do incumbente, diz Nogueira Pinto, é que “não tem contenção. Fala e twitta de mais…” De resto, deve agradar-lhe o perfil autocrático do magnata, a prosápia de homem forte. O admirador de Salazar admira Trump, cujo grande defeito é falar demais…

 

O homem forte do Benfica, Luís Filipe Vieira, deverá recandidatar-se à presidência, e já tem uma comissão de honra com mais de 500 individualidades. António Costa faz parte da lista. Não é o primeiro-ministro, nem o secretário-geral do PS; trata-se, evidentemente, do sócio nº 15509 do clube. Que, por força das circunstâncias, acumula esta condição com aqueles dois cargos. Esta compartimentação pode ser operativa em termos de retórica política, mas apenas aí. Se outra razão não pudesse ser aduzida, atendendo a que nos últimos tempos o Benfica e Vieira se viram envolvidos em vários casos de justiça, era preferível que o nome do sócio António Costa não constasse da comissão de honra. Vieira tem direito à presunção da inocência, mas era preferível que Costa esperasse para ver o resultado da luta que o presidente do Benfica certamente encetará por aquilo que “acredita ser a sua verdade”.

 

Qual é a verdade? Salazar tombou de uma “cadeira de lona” ou caiu na banheira? A tese do arquitecto José António Saraiva (sim, esse mesmo, o articulista de pendor conservador com laivos de bizarria e tendência para a megalomania) aponta para a banheira e está explanada no seu livro Salazar – A Queda de Uma Cadeira Que Não Existia. Confrontado com uma recensão negativa do historiador António Araújo no Público, o arquitecto não fez a coisa por menos: os seus críticos “defendem a tese oficial” porque se recusam a aceitar que “foram enganados”. A resposta de Araújo é frontal, brutal, contundente. O historiador considera, em artigo no Público, que o arquitecto “tem revelado uma tendência crescente para o registo demencial em chave dupla patético-pateta”. Acusando-o de ser “um empenhado cultor da ignorância profunda”, classifica o livro como uma “obra de pacotilha, prenhe de imprecisões clamorosas, de calinadas grosseiras e de ‘teses’ que a investigação séria tem desmentido há muito.” Indignado por José António Saraiva considerar que uma testemunha não é anónima, porque deu a cara mas pediu o “anonimato público”, Araújo utiliza um recurso retórico para desancar violentamente em Saraiva: “Ainda ontem, por exemplo, várias pessoas aqui no Bairro da Graça me garantiram a pés juntos que o senhor arquitecto Saraiva é um idiota chapado e um vulgar aldrabão, mas, como quiseram todas guardar anonimato público, eu não posso escrever nestas páginas que o senhor arquitecto Saraiva é uma idiota chapado e um vulgar aldrabão – e, por isso, não escrevo.” António Araújo termina a sua réplica aconselhando, “a bem da nação”, que Saraiva “vá à pesca”. Há alguma dúvida de que o mar está encapelado?

 

Imagem: sapo.pt

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