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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

ESTAR PELOS AJUSTES

Agosto 20, 2023

J.J. Faria Santos

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Quem disse que “as pessoas só acabam com os maus hábitos quando enfrentam choques"?  A mesma pessoa que em Maio de 2016, à Notícias Magazine, negava, peremptoriamente, interesse em liderar o PSD: ”Nem pensar.” E que 3 anos depois se referia a António Costa, para desagrado dos seus correligionários, nestes termos: “O primeiro-ministro conseguiu tornar-se de certa forma, por mérito seu, daquilo que fez e da credibilidade que criou, o líder dos socialistas europeus”. Na mesma ocasião, mostrou-se “fã do Presidente” e da sua “conexão sentimental e emocional com as pessoas que é extraordinária”, vislumbrando em Marcelo um “magnetismo único na política portuguesa”.

 

Em Setembro de 2016, numa homilia em que reflectiu acerca de uma leitura do Eclesiastes, o Papa Francisco afirmou: “Qual ganho tem o homem por toda a fadiga com a qual ele se preocupa? Ele está ansioso para aparecer, para fingir, pela aparência. Esta é a vaidade.” E, mais adiante, acrescentou: “A vaidade é como uma osteoporose da alma: os ossos do lado de fora parecem bons, mas por dentro estão todos estragados. A vaidade nos leva à fraude (…) Quantas pessoas conhecemos que parecem … ‘Mas que boa pessoa! Vai à missa todos os domingos. Faz grandes ofertas à Igreja’. Isto é o que se vê, mas a osteoporose é a corrupção que tem dentro.”

 

Seguramente que o empenho e a omnipresença do engenheiro Carlos Moedas na Jornada Mundial da Juventude se deveram ao seu compromisso inabalável com a cidade e com o país no sentido de projectar uma imagem de competência organizativa e simpatia generalizada, tudo a bem do tal “retorno” superior a meio milhão de euros. Para tal, contratou duas agências de comunicação, criou uma Unidade de Missão, mandou cartas aos munícipes, publicou vídeos nas redes sociais, caprichou nos ajustes directos, apareceu nos locais dos grandes eventos do Papa “com horas de antecedência”, fez questão de marcar presença junto de Marcelo (para se banhar do seu “magnetismo”) ao “mesmo nível do primeiro-ministro”, tendo mesmo, com grande pesar seu, certamente, tido “disputas de protocolo com o Governo”, no dizer do Expresso. Uma fonte socialista (ressabiada, claro) disse ao jornal: “Nunca vi um ateu tão beato”.

 

Com o Papa de regresso ao Vaticano, a bolha explodiu em elogios ao homem que se referiu à Jornada Mundial da Juventude, com modéstia e sentido das proporções, como “o evento das nossas vidas”. EScreveu o Expresso que o “telemóvel de Moedas entupiu com mensagens de elogio, como se tivesse acabado de vencer uma noite eleitoral”. Apetece recordar as palavras do Papa: “Hoje a grande tentação é contentar-se com um telemóvel e qualquer amigo. Embora seja isto o que muitos fazem e ainda que seja também o que te apetece fazer, isso não te fará feliz (…) Jesus não derruba os teus sonhos, mas corrige-os quanto ao modo de os realizar”.

 

Sete anos depois, o “nem pensar” de 2016, dito com firmeza em nome da harmonia familiar, parece deslaçar-se, e enquanto Luís Montenegro procura, por sua vez, banhar-se no “magnetismo” de Moedas, este parece preparar um ajuste directo ao PSD. O partido deve ter caído nos “maus hábitos”, estagna nas sondagens, não se vê livre do ex-militante Ventura e está a precisar de um choque “monetário”. O problema para Moedas é que, usando as expressões por ele proferidas na Semana do Empreendedorismo de Lisboa em 2022, ele está tão empenhado em ser o front office do PSD que corre o risco do overselling.

 

Foto: Luís Forra/Lusa

O BOM IMIGRANTE E A FÚRIA DA MULHER NEGRA

Fevereiro 19, 2023

J.J. Faria Santos

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Há alturas em que os astros se alinham e todo o lixo cósmico se parece reunir num aterro na atmosfera politico-mediática. Em poucos dias, um emigrante foi selvaticamente agredido; Montenegro descobriu a nossa vocação para “arriscar procurar pelo mundo as comunidades que se possam integrar melhor na nossa cultura”; Moedas defendeu a definição de contingentes para a imigração;  um juiz superstar foi anunciado como testemunha abonatória de um agente policial (Carlos Canha) acusado pelo Ministério Público e pela juíza de instrução criminal de crimes de injúria agravada, de ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado e abuso de poder; e a vítima, Cláudia Simões, contra a qual foram inicialmente arquivadas as acusações, acaba, graças ao Tribunal da Relação, por ter de responder pelo crime de ofensa à integridade física qualificada de Canha. E para terminar em tom de comédia, dado o “cadastro” político do indivíduo, nada como André Ventura declarar, enfático, que “aqueles que defendem a expulsão de imigrantes por serem imigrantes nunca terão lugar no Chega”.

 

Logo que Marcelo, que considerou as declarações de Moedas “um erro” e as de Montenegro “imprudentes”, veio a público assinalar que “a cópia perde sempre para o original”, o líder do PSD declarou peremptóriamente que as palavras não se dirigiam a si (alardeando os seus “valores morais, éticos e humanos”). Já o edil lisboeta, naquele seu estilo empertigado, em que a arrogância se mistura com a prosaica falta de noção, anunciou à cidade e ao mundo: “Eu fui imigrante, sou casado com uma emigrante, o meu sogro é marroquino, a minha sogra é tunisina, por isso, não aceito lições de ninguém nesta matéria, de ninguém.” Peguem nesta letra, arranjem um compositor e temos um hit de música pimba.

 

Se Montenegro dança com a xenofobia enquanto puxa da retórica para falar de humanidade e moral, o nosso sistema judicial parece necessitar de apoio para distinguir o agressor da vítima, a fúria gratuita da legítima defesa, a utilização desajustada e grosseira da violência e o uso justificado, adequado e proporcional da força por parte de um agente da autoridade. No caso em apreço, os indícios apontam para uma utilização brutal da violência por parte do agente, acompanhada pelo uso de expressões flagrantemente racistas e atentatórias da dignidade pessoal de Cláudia Simões. Para sossegar certas consciências, recorre-se ao estereótipo e joga-se a cartada da angry black woman. Ao ter empurrado Carlos Canha e ter resistido à detenção, Cláudia Simões sofreu o respectivo correctivo. O relatório médico do Hospital Amadora-Sintra, tal como foi citado pelo Expresso, descreve um “traumatismo cranioencefálico frontal e trauma facial com edema exacerbado generalizado, edema dos lábios, com feridas dispersas, trauma da pirâmide nasal (...). Apresenta face deformada por hematomas extensos em toda a face, principalmente na região frontal à esquerda, ferida traumática no lábio inferior e superior com pequena hemorragia ativa”. A fúria da mulher negra foi de tal magnitude que um agente experiente com formação em artes marciais só a conseguiu verdadeiramente subjugar quando a deixou traumatizada, ferida, deformada e inanimada.

 

Imagem: Rui Gaudêncio (publico.pt)

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