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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

ANDRÉ, O BEM-AVENTURADO

Setembro 28, 2024

J.J. Faria Santos

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Pedro Nuno Santos quer empurrar Luís Montenegro para os braços de André Ventura, dizem uns. André Ventura está mortinho por acolher nos seus braços Luís Montenegro, acrescentam outros. O que ninguém ou poucos dizem é que Montenegro, colocado entre a espada e a parede, não hesitará em derrubar a divisória e criar um open space de convívio com os portugueses de bem. Confrontado com a proposta “radical e inflexível” do PS, nada como negociar com o radical flexível Ventura, notável seguidor dos princípios de Groucho Marx, propagandista de fake news e malabarista de propostas. Radical por radical, antes o de direita, alumnus de Passos Coelho e cruzado da portugalidade. Confrontado com as linhas rosa, o primeiro-ministro fará implodir as linhas vermelhas. Além do mais, o “não é não” aplicava-se a um “acordo político de governação”, não à viabilização de um orçamento. E o Chega, que nos dias mais lúcidos aspira à respeitabilidade, tem aqui uma boa oportunidade.

 

Pode ter sido coincidência a declaração do PM prometendo mão pesada aos responsáveis pelos fogos, anunciando que o Governo não iria “regatear nenhum esforço na acção repressiva”, bem como a alusão recorrente a “interesses particulares” na origem das ignições. Ou o anúncio esta semana da criação da unidade de controlo de fronteiras e fiscalização de imigrantes. Se recordarmos que Montenegro considerou o combate à corrupção uma prioridade desde a “primeira hora”, temos aqui campo de entendimento. A que acresce o facto de o Chega ser favorável à descida do IRC, matéria que o chefe do executivo considera estratégica para a sua política económica. Em Maio de 2023, inspirado por um encontro com o ilusionista Luís de Matos, Montenegro declarou que era importante fazer “desaparecer o socialismo de Portugal”. Para manter agora o socialismo à distância, se for preciso acomodam-se os caprichos do demagogo populista.

 

Não sendo de descartar a hipótese de o líder do PSD se sentir tentado a forçar eleições, aproveitando, como alguém disse, o frontloading de benesses, não é certo que, mesmo recorrendo à vitimização, os resultados fossem suficientemente apelativos. Por outro lado, o rural Montenegro (que já beneficiou da opção presidencial de recorrer a eleições na sequência da demissão de António Costa), evitando novo sufrágio, ganharia capital político perante o urbano Marcelo. Quem sabe se, mais tarde, este não retribuiria a atenção, congeminando um momento mais propício para o seu PSD ir a eleições, arranjando um leque de justificações criativas cuja especialidade decerto já patenteou. Se é certo que não são propriamente best buddies, a cooperação institucional aproxima-se tanto do conluio que até o circunspecto Expresso sugere que “se entende ser assim tão importante evitar uma crise, Marcelo mais do que convocar conselhos de Estado, tudo deve tentar para levar Montenegro a negociar de forma decisiva e séria com o líder da oposição”. Luís, André e Marcelo podem constituir a troika decisiva para a aprovação do orçamento.

UM PASSEIO DE LANCHA EMBALADO PELA BRISA DA TRAGÉDIA

Setembro 01, 2024

J.J. Faria Santos

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O Presidente dos afectos colocou a fasquia alta para os restantes políticos. A cena da tragédia passou a exigir a sua presença – o pathos como circunstância política. Claro que a sua colorida personalidade, bem como a sua sinuosa prática, me levam sempre a pensar que ele é igualmente afectuoso a consolar um “popular” (como dizem invariavelmente os jornalistas) devastado pela perda de um familiar e a atirar para debaixo do comboio um membro de um governo caído na desgraça da impopularidade.

 

Já o primeiro-ministro é uma espécie de mito em construção. A ex-heterónima de Belém do jornal Expresso escreveu esta semana que “o rural vai durar”, porque conseguiu “anular ressentimentos de grupos sociais decisivos” e, mais importante, “foca-se no rumo que traçou e dá pouca confiança”. Se Montenegro “dá pouca confiança” a Marcelo, é compreensível, visto que não se deve permitir grande familiaridade a quem não é confiável. É preferível a fria cortesia do formalismo.

 

Desprovido de carisma, fiel à avareza da palavra, fixado na reconciliação com parcelas do eleitorado que o austero sentido de estado do passismo alienou, o primeiro-ministro procura construir a gravitas a partir de um compósito de propaganda, subsídios, gestão de silêncio e aparições cirúrgicas. É neste contexto que se situa a sua deslocação ao local da queda de um helicóptero no rio Douro.

 

Se a sua presença seria compreensível, dado o cargo que desempenha, já o mesmo não se pode dizer do passeio de lancha no rio, com o segurança/fotógrafo à ilharga, porque “quis estar pessoalmente com os mergulhadores que estavam a desempenhar uma missão muito perigosa e a colocar a vida em perigo”. É possível que, toldado pela emoção, o primeiro-ministro tenha revivido a sua vocação de nadador-salvador, mas isso não disfarça a inutilidade do gesto e a desconfortável suspeita de que assistimos a um evento mediático susceptível de originar um registo fotográfico lisonjeiro. Além do mais, parece-me evidente que para que a solidariedade com os operacionais no terreno fosse plena, Montenegro deveria ter mergulhado e não embarcado num minicruzeiro. No plano dos gestos simbólicos, um mergulho subaquático de Montenegro no rio Douro arrasaria o lúdico mergulho de Marcelo no Tejo.

 

Imagem: site do jornal Observador

A SENSAÇÃO E A SENSATA ACÇÃO

Março 03, 2024

J.J. Faria Santos

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Um ex-líder com aura sebastiânica (Passos Coelho) a fazer uma ligação sem fundamento entre imigração e (falta de) segurança; um candidato a deputado pela AD (Paulo Núncio) a sugerir um novo referendo para reverter a despenalização do aborto e a apoiar medidas para limitar o recurso à IVG; um dos celebrados independentes, cabeça-de-lista da AD por Santarém (Eduardo Oliveira e Sousa), com uma linguagem que o aproxima do negacionismo climático, a falar de insegurança nos campos e na possibilidade de os agricultores formarem “milícias armadas”. Eis 3 exemplos de descolagem do discurso de moderação que a AD diz protagonizar. Mesmo que tenha sido uma sucessão inepta de egos reluzentes a saírem do tom, não é de afastar a possibilidade de terem almejado captar votos numa franja extremista. Como escreveu Giuliani da Empoli, “para se conquistar uma maioria, já não é preciso convergir para o centro, mas adicionar os extremos” (in Os Engenheiros do Caos). Terão estes três oradores, na convicção de terem segurado o centro, querido adicionar os extremos, numa altura em que, citando de novo da Empoli, “já não são as nossas opiniões sobre os factos que nos dividem, são os próprios factos”?

 

Na política dos nossos dias, mais do que os factos e os dados empíricos, o que conta são as sensações e as percepções. Assim ocorre também no domínio da análise política e da leitura das sondagens. Se a maior parte dos estudos de opinião acerca das legislativas colocam a AD na liderança, também é certo que se encaixam na definição de empate técnico. O empate técnico, que foi um sucesso na última temporada eleitoral, é agora como um parente indesejado numa família tradicional. Se parece evidente uma certa dinâmica de vitória à direita, resta saber que parte dessa percepção/sensação  assenta na robustez técnica das sondagens e nos méritos da campanha da AD e que parte se deve a um evidente enviesamento da comunicação social, designadamente das televisões privadas ( a este propósito, Ana Drago escreveu um notável artigo no Diário de Notícias).    

 

Limitações da amostra (sub-representação dos mais velhos ou das mulheres, sobrerrepresentação de licenciados) e/ou do método de inquirição podem afectar a qualidade dos dados recolhidos pelas sondagens. A publicada pelo Expresso na passada sexta-feira, que utilizou o método de simulação do voto em urna, coloca o PS a apenas um ponto percentual da coligação de direita, apresenta um número muito elevado de indecisos (18%) e 22% dos inquiridos que já escolheram em quem votar predispostos a alterar essa decisão.

 

No dia 10 de Março, à noite, a percepção e a sensação vão ser substituídas pela sensata acção. A soma das vontades de cada cidadão vai ditar a correlação de forças no Parlamento que ditará o futuro governo de Portugal. Se o eleitor valorizar a conjuntura económico-financeira, a criação de emprego, a valorização dos salários e do poder de compra e a robustez do Estado social votará à esquerda. Se, por outro lado, decidir apostar na descida de impostos, num crescimento económico aditivado pela fé, na liberdade de escolha que pode redundar em iniquidade, na diabolização do Estado e na pura vontade de mudar votará à direita. Ambas as escolhas são legítimas. Convém é perceber que numa Europa em que o espectro da guerra ameaça impor um acréscimo no peso das despesas militares nos orçamentos nacionais, com possível impacto nos gastos sociais, seria trágico que a descida da carga fiscal fosse feita à custa do Estado social e de uma liberdade condicionada.

É A ECONOMIA, ESTÚPIDO! (OU TALVEZ NÃO)

Fevereiro 25, 2024

J.J. Faria Santos

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O que irá determinar o vencedor das eleições legislativas é a ponderação que o eleitorado fará entre as condições económicas objectivas e a atracção subjectiva pela mudança. Não será despicienda a substituição de um António Costa que, embora não despertasse paixões arrebatadoras, era percepcionado como um político sólido, com capacidade de decisão e solidez de propósitos, por um Pedro Nuno Santos com um projecto político definido mas ainda à procura de um estilo em que o dinamismo e a assertividade não corram o risco de passar por precipitação e radicalismo. Nem o perfil baço de um Luís Montenegro pouco inspirador, acossado pelo espectro da extrema-direita que o leva a tingir a moderação com o resvalar para o panfletário.

 

O impacto da conjuntura económica nas escolhas dos eleitores está vastamente documentado. Más condições económicas conduzem quer à penalização dos governos quer ao aumento da afluência às urnas. O agravamento do desemprego é um dos factores importantes. Um estudo das eleições ocorridas em Portugal já neste século parece sugerir que os eleitores no processo de decisão do seu voto ponderam as condições económicas dos 2 anos anteriores a cada eleição.

 

Os dados económico-financeiros parecem ser favoráveis ao partido incumbente. Em 2015 a dívida pública correspondia a 131,2% do PIB ao passo que no final de 2023 era de 98,7% do PIB; em 2015 o défice público era de 4,4%, e para 2023 o Conselho de Finanças Públicas antevê um superávite de 0,9%; em 2015 a taxa de desemprego era de 12,9% e no final do ano transacto cifrava-se nos 6,5%; a taxa de risco de pobreza era de 46,1% (antes das transferências sociais) e de 19% (depois das transferências sociais) em 2015, sendo que no final de 2022 os valores eram de, respectivamente, 41,8% e 17%. Em 2023 o crescimento económico português superou a média da zona euro, a dívida externa baixou para valores (53,5% do PIB) que não se registavam desde 2005, o salário médio aumentou 6,6% e trabalhadores e pensionistas tiveram aumentos reais.

 

Em 1992 o consultor político James Carville, ao gizar a estratégia da campanha de Bill Clinton, definiu três mensagens-chave para alcançar a vitória: explorar os dados económicos, as virtudes da mudança face à situação e a importância dos cuidados de saúde. Em Portugal, numa data muito próxima dos idos de Março, se a conjuntura económica poderá favorecer o PS, a disrupção nos cuidados de saúde tenderá a favorecer o PSD, pelo mero efeito de protesto, visto não ser evidente que este tenha soluções particularmente inovadoras ou eficazes. No que diz respeito à mudança, resta saber se a alternativa consubstancia uma oferta mobilizadora e carismática, sobretudo quando a novidade, sob a forma de um novo líder, também se instalou no partido incumbente. Portugal inteiro ou mudança segura? O eleitor decidirá.

 

Imagem: jornal Público

A.D. (ANNO DOMINI) 2024

Janeiro 07, 2024

J.J. Faria Santos

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O futuro está a chegar. Em fascículos. Entrámos num novo capítulo, em Portugal. Com novos protagonistas em cena, velhos actores estreando novas peças e com o rei dos cenários em grande agitação táctica na poltrona presidencial. Pedro Nuno Santos promete-nos um Portugal inteiro, em comunhão de gerações, um novo ciclo virtuoso, onde à segurança e à estabilidade se juntam o dinamismo e uma visão de futuro. Luís Montenegro aposta no rebranding da AD (e no Anno Domini de 2024, o primeiro ano D.C. – depois de Costa), incumbindo a esta nova troika (Montenegro, Nuno Melo, Gonçalo da Câmara Pereira) a concretização de um governo “ambicioso, reformista, moderado, estável e maioritário”. E na solidão do Palácio de Belém, enquanto avalia os danos na sua popularidade causados pelo “caso gémeas”, Marcelo, o encenador que se deleita com os cenários, aventa a possibilidade de uma “terceira dissolução”. Já lá diz o povo, que “é quem mais ordena”, que não há duas sem três.

 

Um novo player aparece em grande destaque nesta temporada política: o Ministério Público, que é cada vez mais uma concorrente da Agência Lusa. As fugas de informação e de peças processuais têm um tratamento por parte dos órgãos de comunicação social em que nem sempre se torna explícito que veiculam o ponto de vista de uma das partes, e são apresentadas como “a verdade do dia”, sem contraditório. O MP diz que não se deixa condicionar por timings políticos, mas parece “libertar informação” em função deles. A forma como na mesma semana em que sugere que Costa é suspeito de prevaricação no âmbito da Operação Influencer o MP tornou pública a abertura de quatro inquéritos relacionados com a casa de Espinho do líder do PSD sugere uma intenção de equilíbrio de danos pouco virtuoso. A outra hipótese, ainda mais alarmante, era de gerar um pernicioso efeito de acumulação e generalização de suspeitas terríveis para a saúde da democracia. No dia em que a democracia perecer a autonomia e a independência do Ministério Público valerão zero.

 

Imagem: David Revoy https://www.davidrevoy.com

 

PROGNÓSTICOS ANTES DO FIM DO JOGO

Dezembro 17, 2023

J.J. Faria Santos

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Os comentadores políticos adoram fazer prognósticos. Sacam das suas grelhas analíticas, “auscultam” o sentir do povo e desatam a desafiar a falibilidade e a lógica com conselhos e proclamações definitivas. E com 2024 à porta, que melhor altura para concorrer com videntes e astrólogos? Quando, em 8 de Janeiro do corrente ano, Ana Sá Lopes escreveu no Público – “Há uma – e só uma – possibilidade de o PS resistir às próximas eleições. António Costa demitir-se tão cedo quanto possível e ir fazer uma travessia no deserto para em 2024 ser escolhido para presidente do Conselho Europeu” – estava longe de imaginar um cenário em que, no dizer de Rui Rio, “o PM foi demitido pela PGR”. Nesse mesmo artigo, defendeu que Pedro Nuno Santos seria o mais bem colocado na corrida à sucessão, embora tal não garantisse a manutenção do poder socialista à frente do país. 11 meses depois, empolgada com a verve de Montenegro num congresso partidário, Ana Sá Lopes sintetizou o seu pensamento no seguinte título: “Montenegro ‘mata’ Passos, faz o seu melhor discurso e pode ganhar”. (Entretanto, hoje, já escreve no Público que “Montenegro não aproveitou o embalo do Congresso”.)

 

Apesar de tudo, e porventura na linha da tese clássica de que são os governos que desbaratam o poder e não é a oposição que o conquista, até ao momento não se vislumbra uma onda de entusiasmo pelas propostas de Montenegro. E não é certo como é que os eleitores ponderarão na cabina de voto factores como a crise da habitação, os constrangimentos na saúde, os aumentos nos rendimentos (pensões e salário mínimo) e a descida do desemprego, tudo isto no contexto das chamadas “contas certas”. Se para Ricardo Costa, a três meses das eleições, “o mais provável é o PS vencer as eleições”, para Francisco Mendes da Silva “Montenegro é hoje o mais provável futuro primeiro-ministro”.

 

Para um subgrupo de analistas, a alternância é um imperativo por si só. Por exemplo, Bárbara Reis, indignada com o dinheiro vivo de Vítor Escária, titulou uma das suas colunas de Novembro passado com um definitivo “O PS precisa de ir para a oposição”. Justificando esta asserção, explicou que o caso era “tão grave” que era importante apurar se esta “forma de vida faz parte da cultura do PS, (…) se a bioestrutura do partido está infectada”. Neste subgrupo há quem defenda a mudança para pior. Veja-se o exemplo de Henrique Monteiro no Expresso: “E se o outro lado é pior? Pode ser, mas o efeito de mudança pode e deve exercer-se.” E o eleitor comum, estará apostado em mudar para pior em nome da alternância?

 

E que papel desempenhará nas cogitações dos eleitores o legado de António Costa? Num artigo que até nem é lisonjeiro, Manuel Carvalho escreveu no Público que o actual primeiro-ministro “não deixa de ser uma referência de estabilidade, ponderação e contas certas”. E acrescentou que “não há grandes razões para celebrar a queda. Pelo contrário, é muito provável que ainda venhamos a ter saudades de António Costa”.  Talvez não seja caso para tanto. É que ele vai andar por aí.

IN DUBIO PRO MAGISTER

Outubro 08, 2023

J.J. Faria Santos

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Tinha “muitas dúvidas”. Tinha a preocupação orçamental com as “condições financeiras” (chegou a alegar um “impacto financeiro muito grande”). Tinha ainda o escrúpulo de destacar que o “princípio basilar da política remuneratória da Administração Pública é que haja equidade e igualdade”. Em entrevista ao programa Negócios da Semana, em Fevereiro, Luís Montenegro fez mesmo questão de afirmar o seguinte: “Com toda a franqueza. Tem que se falar a verdade. Aqueles que aspiram a ser governantes, como é o meu caso, têm que dizer a verdade das coisas. Não há condições financeiras, apesar de não ter as contas todas." Tinha dúvidas e já não tem. Não tinha as contas todas e continua a não ter. 

 

Dados do Ministério das Finanças estimam que o descongelamento de 2 anos, 9 meses e 18 dias têm um impacto anual na despesa permanente do Estado de 244 milhões de euros. Descongelar 6 anos, 6 meses e 23 dias teria um impacto adicional de 331 milhões anuais. Em resposta ao Polígrafo, o Ministério das Finanças (MF) referiu que “o impacto na despesa estrutural permanente anual com salários da carreira docente atingiria os 635 milhões de euros em 2023 e os 750 milhões de euros em 2025, se consideradas todas as medidas propostas pelos sindicatos”. O MF recordou ainda que a recuperação integral do tempo das restantes carreiras acarretaria, obviamente, um custo adicional, estimado em 2019 em cerca de 200 milhões de euros.

 

O dirigente do PSD Pedro Duarte assegurou ao Público que o partido tem “dados” que compatibilizam esta mudança de opinião com a gestão “prudente das contas públicas”, mas, não obstante, “vai querer apurar, com todo o rigor, o impacto financeiro” do que propõe, ou seja, segundo o próprio Montenegro, “a recuperação do tempo de serviço perdido em cinco anos consecutivos, à razão de 20% do tempo total em cada um desses anos”. Montenegro queixa-se, em artigo no Público, da “falta de transparência do Governo”, mas com base no que ouviu de representantes dos professores e “atendendo a alguns indícios alegadamente avançados pelo Governo” (formulação arrevesada) sugere um impacto de “250 a 300 milhões”. Dias antes tinha anunciado ir solicitar à UTAO o cálculo do valor exacto.

 

O líder do partido do criador (em todos os sentidos) do “monstro” da despesa pública permanente já não vislumbra um impacto “muito grande”. A equidade já não encaixa na presente estratégia e a verdade em política é um processo em curso. Carlos Moedas acelera para a pole position dos putativos sucessores de Montenegro, Passos Coelho diz estar “na reserva”, o PSD não descola nas sondagens e as eleições europeias estão à porta. Mas pode ser, sejamos ingénuos, que a mudança de posição do líder do PSD possa ser explicada pelo que ele escreveu na primeira frase do artigo no Público: “Cresci numa família de professores e, desde cedo, testemunhei a dedicação e o empenho com que tantos entregam uma parte significativa da sua vida à educação e ao ensino.”  In dubio pro magister. Tratar-se-ia, pois, de uma questão de gratidão, uma qualidade (e um sentimento) notoriamente alheia à prática política.

ESTAR PELOS AJUSTES

Agosto 20, 2023

J.J. Faria Santos

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Quem disse que “as pessoas só acabam com os maus hábitos quando enfrentam choques"?  A mesma pessoa que em Maio de 2016, à Notícias Magazine, negava, peremptoriamente, interesse em liderar o PSD: ”Nem pensar.” E que 3 anos depois se referia a António Costa, para desagrado dos seus correligionários, nestes termos: “O primeiro-ministro conseguiu tornar-se de certa forma, por mérito seu, daquilo que fez e da credibilidade que criou, o líder dos socialistas europeus”. Na mesma ocasião, mostrou-se “fã do Presidente” e da sua “conexão sentimental e emocional com as pessoas que é extraordinária”, vislumbrando em Marcelo um “magnetismo único na política portuguesa”.

 

Em Setembro de 2016, numa homilia em que reflectiu acerca de uma leitura do Eclesiastes, o Papa Francisco afirmou: “Qual ganho tem o homem por toda a fadiga com a qual ele se preocupa? Ele está ansioso para aparecer, para fingir, pela aparência. Esta é a vaidade.” E, mais adiante, acrescentou: “A vaidade é como uma osteoporose da alma: os ossos do lado de fora parecem bons, mas por dentro estão todos estragados. A vaidade nos leva à fraude (…) Quantas pessoas conhecemos que parecem … ‘Mas que boa pessoa! Vai à missa todos os domingos. Faz grandes ofertas à Igreja’. Isto é o que se vê, mas a osteoporose é a corrupção que tem dentro.”

 

Seguramente que o empenho e a omnipresença do engenheiro Carlos Moedas na Jornada Mundial da Juventude se deveram ao seu compromisso inabalável com a cidade e com o país no sentido de projectar uma imagem de competência organizativa e simpatia generalizada, tudo a bem do tal “retorno” superior a meio milhão de euros. Para tal, contratou duas agências de comunicação, criou uma Unidade de Missão, mandou cartas aos munícipes, publicou vídeos nas redes sociais, caprichou nos ajustes directos, apareceu nos locais dos grandes eventos do Papa “com horas de antecedência”, fez questão de marcar presença junto de Marcelo (para se banhar do seu “magnetismo”) ao “mesmo nível do primeiro-ministro”, tendo mesmo, com grande pesar seu, certamente, tido “disputas de protocolo com o Governo”, no dizer do Expresso. Uma fonte socialista (ressabiada, claro) disse ao jornal: “Nunca vi um ateu tão beato”.

 

Com o Papa de regresso ao Vaticano, a bolha explodiu em elogios ao homem que se referiu à Jornada Mundial da Juventude, com modéstia e sentido das proporções, como “o evento das nossas vidas”. EScreveu o Expresso que o “telemóvel de Moedas entupiu com mensagens de elogio, como se tivesse acabado de vencer uma noite eleitoral”. Apetece recordar as palavras do Papa: “Hoje a grande tentação é contentar-se com um telemóvel e qualquer amigo. Embora seja isto o que muitos fazem e ainda que seja também o que te apetece fazer, isso não te fará feliz (…) Jesus não derruba os teus sonhos, mas corrige-os quanto ao modo de os realizar”.

 

Sete anos depois, o “nem pensar” de 2016, dito com firmeza em nome da harmonia familiar, parece deslaçar-se, e enquanto Luís Montenegro procura, por sua vez, banhar-se no “magnetismo” de Moedas, este parece preparar um ajuste directo ao PSD. O partido deve ter caído nos “maus hábitos”, estagna nas sondagens, não se vê livre do ex-militante Ventura e está a precisar de um choque “monetário”. O problema para Moedas é que, usando as expressões por ele proferidas na Semana do Empreendedorismo de Lisboa em 2022, ele está tão empenhado em ser o front office do PSD que corre o risco do overselling.

 

Foto: Luís Forra/Lusa

O BOM IMIGRANTE E A FÚRIA DA MULHER NEGRA

Fevereiro 19, 2023

J.J. Faria Santos

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Há alturas em que os astros se alinham e todo o lixo cósmico se parece reunir num aterro na atmosfera politico-mediática. Em poucos dias, um emigrante foi selvaticamente agredido; Montenegro descobriu a nossa vocação para “arriscar procurar pelo mundo as comunidades que se possam integrar melhor na nossa cultura”; Moedas defendeu a definição de contingentes para a imigração;  um juiz superstar foi anunciado como testemunha abonatória de um agente policial (Carlos Canha) acusado pelo Ministério Público e pela juíza de instrução criminal de crimes de injúria agravada, de ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado e abuso de poder; e a vítima, Cláudia Simões, contra a qual foram inicialmente arquivadas as acusações, acaba, graças ao Tribunal da Relação, por ter de responder pelo crime de ofensa à integridade física qualificada de Canha. E para terminar em tom de comédia, dado o “cadastro” político do indivíduo, nada como André Ventura declarar, enfático, que “aqueles que defendem a expulsão de imigrantes por serem imigrantes nunca terão lugar no Chega”.

 

Logo que Marcelo, que considerou as declarações de Moedas “um erro” e as de Montenegro “imprudentes”, veio a público assinalar que “a cópia perde sempre para o original”, o líder do PSD declarou peremptóriamente que as palavras não se dirigiam a si (alardeando os seus “valores morais, éticos e humanos”). Já o edil lisboeta, naquele seu estilo empertigado, em que a arrogância se mistura com a prosaica falta de noção, anunciou à cidade e ao mundo: “Eu fui imigrante, sou casado com uma emigrante, o meu sogro é marroquino, a minha sogra é tunisina, por isso, não aceito lições de ninguém nesta matéria, de ninguém.” Peguem nesta letra, arranjem um compositor e temos um hit de música pimba.

 

Se Montenegro dança com a xenofobia enquanto puxa da retórica para falar de humanidade e moral, o nosso sistema judicial parece necessitar de apoio para distinguir o agressor da vítima, a fúria gratuita da legítima defesa, a utilização desajustada e grosseira da violência e o uso justificado, adequado e proporcional da força por parte de um agente da autoridade. No caso em apreço, os indícios apontam para uma utilização brutal da violência por parte do agente, acompanhada pelo uso de expressões flagrantemente racistas e atentatórias da dignidade pessoal de Cláudia Simões. Para sossegar certas consciências, recorre-se ao estereótipo e joga-se a cartada da angry black woman. Ao ter empurrado Carlos Canha e ter resistido à detenção, Cláudia Simões sofreu o respectivo correctivo. O relatório médico do Hospital Amadora-Sintra, tal como foi citado pelo Expresso, descreve um “traumatismo cranioencefálico frontal e trauma facial com edema exacerbado generalizado, edema dos lábios, com feridas dispersas, trauma da pirâmide nasal (...). Apresenta face deformada por hematomas extensos em toda a face, principalmente na região frontal à esquerda, ferida traumática no lábio inferior e superior com pequena hemorragia ativa”. A fúria da mulher negra foi de tal magnitude que um agente experiente com formação em artes marciais só a conseguiu verdadeiramente subjugar quando a deixou traumatizada, ferida, deformada e inanimada.

 

Imagem: Rui Gaudêncio (publico.pt)

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