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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

A PRIMA-DONA CONTRA A CABALA

Julho 14, 2024

J.J. Faria Santos

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Esta prima-dona renega a popularidade, desdenha do “espalhafato” e despreza o “estrelato”. Confrontado, porém, o seu perfil esfíngico com afirmações “indecifráveis” e uma “campanha orquestrada”, eis que a sua recatada figura se materializou no horário nobre de um canal televisivo, numa entrevista para a qual manifestamente se preparou. O problema é que o guião que seguiu faria um “optimista irritante” parecer pessimista.

 

Na defesa acérrima do Ministério Público invocou procuradores competentes e especializados (“elevado nível técnico”), citou o “dever de averiguar” e rejeitou a existência de erros ou a necessidade de desculpas, ora porque todos as diligências são validadas por juízes, ora porque “um conjunto de pessoas entendeu que havia indícios relevantes”, ora ainda porque se vão “conhecendo elementos”. 3 arguidos detidos durante 22 dias e depois libertados pelo juiz? “Lamento que isso tenha acontecido”, disse, mas foi “excepcional”. Um político escutado ininterruptamente durante 4 anos? “Não é desejável nem comum”, mas as escutas foram autorizadas por magistrados judiciais, que certamente entenderam que era “muito relevante” que elas prosseguissem.

 

A entrevista foi uma tentativa de ajuste de contas com a actual ministra da Justiça (quem fez declarações “indecifráveis” e “graves”), com o Presidente da República (cuja acusação de maquiavelismo lhe causou “perplexidade e surpresa”) e com o ex-primeiro-ministro, que em vez de se demitir, “poderia continuar a exercer as suas funções”, seguindo o exemplo de Ursula von der Leyen ou Pedro Sánchez. E também com as pessoas que têm ou já tiveram “responsabilidades de relevo na vida da nação”, agora mancomunados numa “campanha orquestrada”.

 

Longe vai o tempo (2021) em que o então candidato único à presidência do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Adão Carvalho, afirmava: “Entendo que a atual Procuradora-Geral da República é distante dos magistrados, não os ouve e não os defende. (…) insistiu numa diretiva sobre os poderes hierárquicos que não foi objeto de discussão no seio do Ministério Público, que nenhum dos anteriores Procuradores-Gerais da República quis e que pode comprometer e vulnerabilizar o Ministério Público perante as tentativas externas de o manterem dentro de uma esfera de controlo, quando existem dezenas de investigações que envolvem pessoas relevantes do ponto de vista político, financeiro e económico.”

 

Agora, a PGR que diz que “não há um erro. Há uma investigação que conduzirá a uma arquivação se for esse o caso”. E defende: “os magistrados que têm a seu cargo estas investigações são de elevado nível técnico e custa-me a admitir a falta de prova”. Em resumo: dado que o Ministério Público não erra, as suas investigações não geram falta de prova, os seus funcionários são de alta craveira e as escutas ad aeternum têm o visto dos juízes, “algo obstará” a que se prescinda da “esfera de controlo” que os poderosos “em campanha” contra o MP almejam?

 

Lucília na Corporação das Maravilhas, especialista na concepção maculada de parágrafos, receosa de ser acusada de branqueamento de políticos, tomou a decisão “absolutamente excepcional [de] identificar publicamente um ‘suspeito/testemunha’ num inquérito” (Francisco Teixeira da Mota in Público). Pelo caminho torpedeou a separação de poderes e os equilíbrios do Estado de direito. Altiva e com tiques de arrogância, a PGR demonstrou que põe os seus interesses pessoais acima do bom nome dos cidadãos, e que não hesita em cavalgar o populismo em vez de praticar o rigor, a pedagogia e a estrita legalidade. Na visão maximalista e corporativista de Lucília Gago, o Ministério Público plenipotenciário é o filtro indispensável para uma acção política refém da corrupção e do tráfico de influências. No Outono, cai a folha e cai a Lucília. Seguir-se-á o/a procurador(a) do nosso contentamento? Entretanto, prosseguem os inquéritos à “influência” de Costa e à casa de Espinho de Montenegro. Se ainda não foram encerrados “é porque haverá algo a que tal obstará”. A PGR, mesmo que se esquive à imputação da intencionalidade de acções danosas, seguramente não escapará às acusações de inconsciência e irresponsabilidade.

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA JUDICIAL

Dezembro 30, 2023

J.J. Faria Santos

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A temporada 2023/2024 está animada no campeonato do Ministério Público. Só nas últimas semanas, tivemos a notícia de que o procurador do Supremo pretende “acelerar” a investigação a António Costa, de que o Tribunal Criminal de Lisboa quer começar a julgar Sócrates em Março, e ainda de que no início de 2024 haverá novos arguidos, “entre eles políticos do denominado bloco central” (citando o Expresso) no chamado Caso Tutti- Frutti. Ontem, mesmo a tempo do réveillon, fomos informados de que o MP abriu um inquérito relacionado com os benefícios fiscais atribuídos à casa de Luís Montenegro. Recentemente, ficámos também a saber que a Operação Influencer foi dividida em três inquéritos distintos e que as respectivas equipas foram reforçadas. Equipas reforçadas normalmente garantem o título, ou pelo menos acréscimo de competitividade. Mas que título? O de campeão da acção penal sem pôr em causa a legalidade democrática, deseja-se.

 

Os sintomas de politização da justiça são mais do que as fugas seleccionadas de peças processuais, os timings insólitos de acção ou os procedimentos levianos e até potencialmente ofensivos de direitos e garantias. Como escreveu Pacheco Pereira na revista Sábado: “A politização dá-se por via da actuação de magistrados e juízes a partir de uma ideologia corporativa, aquilo a que se tem chamado de ‘justicialismo’, em que uma profissão se torna uma casta, dotada de uma visão do mundo em que os ‘outros’ são eticamente menores, actuam por interesses impuros, e precisam de ser postos na ordem pela acção de pessoas impolutas, dedicadas a todas as causas nobres, inflexíveis a qualquer tentação”.

 

Uma instituição habituada a ser “processualmente autónoma”, com pouco controlo efectivo, ficou em estado de choque com um artigo da procuradora-geral adjunta Maria José Fernandes, que apelava ao “exercício da autocrítica”, censurava as buscas sem utilidade e o conluio com “um certo jornalismo que segue as peripécias da corrupção”, e deplorava os departamentos onde “pontuam algumas prima donnas intocáveis e inamovíveis”. Maria José Fernandes foi “premiada” com um processo. O MP não aprecia “whistleblowers”. E Lucília Gago ter-se-á sentido atacada por colegas, também por figuras relevantes do MP como Euclides Dâmaso e António Cluny.

 

Teresa Almeida, juíza do Supremo e que durante mais de 30 anos foi magistrada do Ministério Público, entrevistada pelo diário Público, frisou a necessidade de se preservar as instituições do Estado de direito e, indo ao encontro da tese de Pacheco Pereira, censurou “a banalização da corrupção. Vamos atrás de tudo, são todos corruptos. Somos os puros, eles os impuros”. Contrariando a tese aparentemente dominante nas cúpulas do MP, a de que as críticas serão um ataque à autonomia da instituição, Teresa Almeida lembra que “nos últimos vinte anos, as alterações estatutárias têm sempre sido no sentido de algum reforço da autonomia e da independência”. A conclusão a retirar parece-me óbvia: é maior o risco de interferência ilegítima do poder judicial nas escolhas soberanas do cidadão eleitor do que de condicionamento da acção judicial por parte dos órgãos políticos. Ignorar este risco é persistir num ensaio sobre a cegueira judicial.

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