OS DIAMANTES ETERNOS E A AMANTE CAPRICHOSA
Novembro 14, 2021
J.J. Faria Santos
Militares portugueses integrados numa missão das Nações Unidas na República Centro-Africana estão a ser investigados por alegado tráfico de diamantes, ouro e estupefacientes e o Comandante Supremo das Forças Armadas já sentenciou que o prestígio da instituição não foi “minimamente” atingido. Digamos que os militares parecem gozar da propriedade do teflon, ao passo que uma suspeita que atinja um político é como uma mancha de crude em mar cristalino, acarretando descrédito, o fantasma do populismo e a generalização abusiva. Mesmo quando, citando António Costa, “ninguém está livre de ter um criminoso ao seu lado”.
Esta tentativa do Presidente da República de desvalorizar uma ocorrência desta gravidade parece-me leviana ou, no mínimo, padecer de “leveza institucional”. Aliás, a mesma “leveza institucional” que o leva a imiscuir-se nos assuntos governamentais (a pretexto de prevenir ou esvaziar crises), esticando o semipresidencialismo até ao limite do admissível. “Leveza institucional” é ainda a forma como “uma fonte de Belém” (como jorram os fontanários para aqueles lados, um atentado à fruição sustentável de um recurso escasso – o uso parcimonioso da palavra presidencial) classifica a actuação do ministro da Defesa. Não deixa de ser irónico que a crise política associada a este caso tenha na sua origem a “sonegação” de informação. Que à agência noticiosa Marcelo, prestimosa a comunicar, enquadrar, comentar, prever e analisar toda a miríade de acontecimentos, tenha escapado esta cacha é, em si, um facto assinalável. Como habitualmente, o PR trabalha para o ciclo noticioso de 24 horas, e se na tarde de quinta-feira fazia constar que aguardava pela “explicação de Costa pela omissão do Governo sobre investigações” (céu carregado prenunciando tempestade), no dia a seguir já desdramatizava (céu pouco nublado), afirmando que “o que está em investigação judicial e em segredo de justiça” não requere “apreciação por parte dos órgãos políticos”.
Quanto ao Marcelo jurista emérito, no início da semana tinha feito constar que João Gomes Cravinho justificara a não comunicação com um parecer jurídico, que invocará o segredo de justiça. E logo tratou de delinear off the record uma proposta de análise jornalística: o parecer seria não-vinculativo; e importava saber se seria um parecer externo ou elaborado pelo gabinete do ministro. O ideal, porventura, (por uma questão de prestígio e credibilidade) seria que o parecer tivesse sido confiado ao próprio Marcelo, que, evidentemente, laboraria sobre um cenário abstracto…
Não é, evidentemente, inatacável a decisão do ministro da Defesa de não comunicar os factos em causa a outras instâncias políticas, mas, do meu ponto de vista, não se justifica a desabrida reacção do primeiro-ministro, a roçar a defenestração de Cravinho (mais valia tê-lo demitido de imediato). Pior: atribuiu a Marcelo (“O Presidente da República terá que dizer qual é a avaliação que tem a fazer sobre a matéria”) o poder de julgar a acção do seu ministro. O próprio Marcelo já tornou claro que o Presidente “não intervém em matéria de composição do Governo a não ser sob proposta do primeiro-ministro”. Mas o que é certo é que, com este precedente, António Costa (que tem memória e já se queixou da pressão presidencial, feita publicamente, para demitir uma ministra em relação à qual o Presidente sabia previamente que iria sair do Governo) parece ter feito uma “proposta de intervenção”. Oxalá não se venha a arrepender. Os diamantes podem ser eternos, mas a confiança política é uma amante caprichosa. Costa deu a Marcelo licença para matar carreiras ministeriais.
IMAGEM: Natalie Bochenski a partir de cena do filme Gentlemen Prefer Blondes