SEI O QUE DISSESTE NO PASSADO DIA 15 DE JULHO
Outubro 12, 2024
J.J. Faria Santos
Sabemos quando é que o thriller político derivou para o slasher em versão assassinato de carácter. Foi quando o líder do Chega ligou o modo de linchamento e, no seu estilo empolgado e ofegante, colou o ferrete da mentira ao primeiro-ministro, arrastando-o para a sua arena favorita: a luta na lama. Sucede que André Ventura tem um problema de credibilidade, mesmo na era da pós-verdade em que a falsidade foi normalizada, dado que se apresenta como um mentiroso compulsivo, que não hesita em distorcer ou inventar factos e correlações. Perante a circunstância de ter afirmado que “o primeiro-ministro mentiu”, que “quis chegar a um acordo de Orçamento” com o seu partido e que admitiu, inclusivamente, que “o Chega viesse a fazer parte de um governo num contexto político diferente”, recai sobre ele o ónus da prova.
O primeiro-ministro desmentiu-o de imediato na rede social X, escrevendo que “nunca o Governo propôs um acordo ao Chega”. Devolvendo o labéu de mentiroso, atribuiu tal comportamento ao “Desespero” de Ventura. O problema da luta na lama são os salpicos. E mesmo na calúnia a dúvida é um salpico. Sucede que antes da consolidação do “não é não”, nem sempre Montenegro foi suficientemente assertivo. Acresce que o historial do seu discurso político encerra alguma economia de verdade, apropriação de medidas alheias e, sobretudo, falta de clareza. Terá ocorrido, entre Ventura e Montenegro, “um erro de percepção mútuo”? Terão sido necessárias 5 reuniões, que Ventura diz terem ocorrido, para que o primeiro-ministro se convencesse de que o Chega não é um parceiro confiável? Em relação à derradeira, que terá ocorrido a 23 de Setembro (no mesmo dia em que terá recebido a IL), Montenegro, em declarações à comunicação social, fez questão de frisar o seu empenho em “dialogar com os partidos políticos”, de forma a “esgotar, de forma paciente, de forma empenhada, de forma aberta, de forma dialogante, todas as possibilidades para que, na Assembleia da República, a proposta de Orçamento do Estado não seja inviabilizada”. Terá o primeiro-ministro, algures neste lapso de tempo, alimentado a expectativa de negociar, via “reuniões discretas”, a aprovação do OE com o seu ex-correligionário André Ventura? E se, emulando a fábula de Pedro e do Lobo, o mentiroso compulsivo estivesse agora a falar verdade e, por natural repulsa, quase ninguém acreditasse nele?
Porque é que isto é relevante? Porque quer à esquerda (“uma derrota histórica para o PS e para todos os democratas” – Sérgio Sousa Pinto), quer à direita (“O PS está disponível para trair a democracia que fundou” - Francisco Mendes da Silva), Pedro Nuno Santos está a ser acusado de, ao não viabilizar o Orçamento, permitir que o Chega ganhe um papel central nos acordos de regime e, consequentemente, adquirir respeitabilidade. Independentemente das teorias divergentes acerca do que reforça mais o radicalismo populista de direita, parece estar em cima da mesa uma espécie de superioridade moral do PSD, consubstanciada na doutrina “não é não”. O mínimo indício de que o primeiro-ministro insinuou, ponderou ou admitiu um qualquer acordo com André Ventura pode não anular os argumentos de quem defende a viabilização do OE pelo PS, mas transforma seguramente o “não é não” num problemático talvez se. É por isso que, para o primeiro-ministro, mesmo que se queixe da inversão do ónus da prova, devolver acusações em maiúsculas no X e afirmar não ter mais nada a declarar não é suficiente.