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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

SILLY SEASON - PROLONGAMENTO

Setembro 15, 2024

J.J. Faria Santos

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Pode ser um efeito conjugado das alterações climáticas, do triunfo fulgurante do populismo e da omnipotência das redes sociais. O que é certo é que o que se convencionou chamar de silly season ameaça extravasar estações e períodos delimitados, avançando resoluta e imparavelmente pela rentrée adentro. Vejamos 3 exemplos ricos na sua abrangência e alcance.

 

A PGR, por exemplo, apresentou-se na Assembleia da República com o seu majestoso perfil operático (figura de prima-dona com reportório limitado), “a reboque do ribombar dos tambores” da amnésia e da irresponsabilidade, visto ter considerado “súbito” (?!) o interesse pela actividade do Ministério Público e, ao não apontar os responsáveis pela “campanha orquestrada” contra tal órgão, acabou por se limitar a ser a incubadora de uma “ contagiante e incauta maledicência”, porventura “enraizada em pérfidos desígnios”.

 

Já Nuno Melo, ministro da Defesa (e do ataque, quando for preciso), assumiu-se como o “falcão” do Governo, mas a título pessoal, porque a afirmação de que “Olivença é portuguesa” e “deverá ser entregue ao Estado português” foi feita pelo “presidente do CDS”. Confuso? Nuno Melo fez questão de explicar. “A opinião que tenho sobre Olivença é antiga e corresponde a uma posição de princípio, historicamente conhecida, que várias vezes defendi. Hoje repeti-a como presidente do CDS, embora num contexto equívoco, porque presente numa cerimónia como ministro", disse ele. A culpa é do contexto. Mas o mais relevante, para futura destrinça da qualidade em que presta declarações, foi a afirmação de que se tratou “de uma resposta a uma pergunta e, por isso, insusceptível de ser concertada com os restantes membros do Governo”. Ou seja, Nuno Melo jamais responderá a perguntas na condição de ministro, visto que não poderá concertar as respostas com os restantes governantes. Em todo este episódio, resta ao ousado ministro a manifestação de “prudente gáudio” do Grupo dos Amigos de Olivença.

 

Por seu lado, a Presidência da República informou quinta-feira a nação de que o Presidente se vira forçado a cancelar uma “ida a Viseu”, por no final do jantar de véspera ter sido acometido de uma “indisposição gastrointestinal”. Já conhecíamos a expressão guerras intestinas; agora temos um intestino em guerra. As entranhas em tumulto terão sido motivadas por uma overdose de fortimel? Ou Marcelo, que informou os jornais do seu “desconforto” por Montenegro não aventar nomes para a sucessão da PGR, já não tem estômago para o estilo rural recôndito do primeiro-ministro?

UMA MULHER SOB INFLUENCER

Março 09, 2024

J.J. Faria Santos

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A Procuradoria-Geral da República vai sofrer uma reforma. Admitamos que não é estrutural. Lucília Gago jubilosa (com grande contentamento) vai-se jubilar (aposentar). Com o seu estilo mais parente do mutismo que da sageza esfíngica, a PGR cessante sai com o rótulo que ela mesmo mandou imprimir de “responsável por coisa nenhuma.”

 

Lucília sente-se “fustigada pelo questionamento sobre a adequação dos meios empregues e sobre os timings das diligências”. Lucília lamenta o ambiente crítico para o qual “destacadas figuras”, também do Ministério Público, contribuem “com estrondo”. Lucília tem uma queda para a ironia involuntária. Como se sabe, o MP é conhecido pela forma discreta como conduz as suas diligências, da qual não são comuns a “notificação” atempada das televisões e da restante imprensa, o aparato da operação ou o recurso a meios de recolha de prova intrusivos e desproporcionados. À PGR deve ter desagradado que um dos seus antecessores tenha feito questão de notar que “os aviões militares não são uma empresa de transportes”. Aliás, os próprios elementos do MP ficaram tão encandeados pelo brilho da operação que até se esqueceram de algumas provas apreendidas na Madeira.

 

A PGR deplora a crítica aos “timings das diligências”. Significa isto que a sua acção não se subordina senão aos imperativos da lei e não se sujeita a cálculos de outra ordem? Não exactamente. Como notou Jorge Lacão em artigo no Público em Dezembro de 2023, a PGR abriu um processo “que tem como alvo o primeiro-ministro, antes mesmo de poder concluir que em relação a ele haja suspeita fundada da prática de crime”, justificou o acto “em nome de um dever de transparência”, denotando uma “visão legalista à margem de uma compreensão mínima do cuidado institucional devido no tratamento de situações susceptíveis de comprometer o normal desempenho do poder político democrático”. Passados quatro meses, como escreve Vital Moreira no blogue Causa Nossa, “Escandalosamente, uma pessoa, prestes a deixar funções de primeiro-ministro (por nomeação de novo Governo), é mantida indefinidamente em suspenso quanto à sua vida pessoal, profissional e política, como refém político do Ministério Público.”

 

Esta semana à revista Visão uma “fonte da PGR” esclareceu as motivações de Lucília Gago. A decisão de abrir um inquérito ao primeiro-ministro terá sido da sua “exclusiva responsabilidade”, com o intuito de “evitar que a acusassem de impedir o apuramento das responsabilidades” de António Costa. Pôr as considerações de ordem pessoal a prevalecer sobre a ponderação entre a missão da Justiça, o exercício do poder político democrático e a preservação do bom nome do primeiro-ministro e da reputação de Portugal não é, seguramente, um atributo para um servidor público. O “conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos”, não a existência de indícios fortes ou de suspeita fundada, foi suficiente para a redacção do parágrafo que, objectivamente, derrubou um governo. Para a PGR só o nome de Deus pode ser invocado em vão.

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