RESERVA OU OPACIDADE?
Setembro 28, 2025
J.J. Faria Santos

Poderia tratar-se do comportamento de uma pessoa reservada, subitamente atordoada pelo escrutínio inerente a um alto cargo público. Só que se trata de um político de carreira que no exercício do cargo de presidente do seu partido, e depois enquanto primeiro-ministro, se tem destacado pela ambiguidade das proclamações, quer seja no âmbito de anúncios de medidas a executar no âmbito da sua acção, quer seja na construção de parcerias parlamentares que as viabilizem, quer ainda na abordagem que faz às circunstâncias políticas e judiciais do caso Spinumviva.
Para quem proclamou com soberba “só respondo a quem for tão transparente como eu”, as explicações arrancadas a ferros sucessivamente alvo de esclarecimentos adicionais e reinterpretações criam um problema de confiabilidade. É o caso do episódio da empresa criada para gerir uns terrenos familiares quando afinal o grosso da actividade era a consultoria, bem como o esquecimento e depois a demora em declarar a empresa e a lista de clientes. Por outro lado, protagonizou o gesto mediático de exibir um dossier com “todas as facturas” e restantes documentos relacionados com a obra da sua casa em Espinho, declarando enfaticamente que seria “disponibilizado às autoridades”, se elas o solicitassem, para depois, quando a Polícia Judiciária do Porto quis aproveitar essa disponibilidade, sugerir à PJ que pedisse os elementos à AT e à Câmara Municipal de Espinho. Já no seu relacionamento com a Entidade para a Transparência, no mesmo dia Montenegro começou por desmentir que tivesse pedido que as matrizes dos seus imóveis não fossem divulgadas para mais tarde confirmar o pedido apenas em relação a “seis imóveis urbanos”.
Esta ambiguidade e avareza nas explicações manifestou-se na actividade política, por exemplo, no episódio no desagravamento do IRS para 2024 de 1500 milhões de euros que afinal já incluíam os 1327 milhões do Orçamento do Estado elaborado pelo governo anterior. E também numa questão fundamental para a sobrevivência do regime – o relacionamento com a direita radical. O célebre “não é não” para um “acordo político de governação” é um claro que sim para acordos pontuais para fazer avançar legislação no Parlamento e para a mimetização da agenda do Chega.
A aversão epidérmica ao escrutínio e a opção deliberada pela divulgação de informação truncada, seleccionada ou envolta numa película espessa de propaganda espelha o desprezo que Montenegro (como Cavaco) nutre pela comunicação social. O que o levou a perorar acerca do jornalismo “puro”, de auriculares e telemóveis, e de como deve ser feita a “cobertura de um evento ou acontecimento”. Daí a sua preferência por declarações sem direito a perguntas. Porque, citando Montenegro, um jornalista ao fazer uma pergunta pode “já estar a criar a atmosfera para depois aproveitar a desforra”. Ainda não acusou, como André Ventura fez, os jornalistas de serem “inimigos do povo”, mas deve pensar que são inimigos do Governo. Com a excepção, porventura, de jornalistas do Observador a quem se pode confiar um acervo significativo de documentos da Spinumviva.








