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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

A PERCEPÇÃO DE QUE MONTENEGRO É O MAIS BEM PREPARADO PARA GOVERNAR

Abril 06, 2025

J.J. Faria Santos

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Sabemos que o incumbente está sempre em vantagem. Vestido o fato de primeiro-ministro, adquire solenidade, alguma pompa e a autoridade do conhecimento a que só os ungidos acedem. Na recente sondagem da Universidade Católica, os portugueses consideram que Luís Montenegro é o mais bem preparado para governar, por comparação com Pedro Nuno Santos. O que alimentará esta percepção?

 

Os inquiridos pelo estudo consideraram o actual primeiro-ministro mais bem preparado para o cargo (46% / 31%), mais competente (44% / 31%) e mais capaz de promover o crescimento económico (50% / 30%). Em que consistirá esta vantagem comparativa?  Na licenciatura em Direito e na pós-graduação em Direito de Protecção de Dados Pessoais, por comparação com a licenciatura em Economia do líder do PS? Na experiência empresarial no ecossistema de Espinho e arredores? E se a economia cresceu em 2024 menos do que em 2023, o que é que o torna mais capaz de promover o crescimento económico? Algum programa miraculoso ainda na incubadora ou a profissão de fé no efeito indutor de crescimento do PIB da redução do IRC? Seguramente que não pesará no julgamento que os portugueses fazem da sua preparação para o cargo a capacidade de gerar consensos ou a experiência no serviço público, casos em que, respectivamente, as pastas de secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e de ministro das Infra-estruturas e da Habitação conferiram a Pedro Nuno Santos tarimba e perspectiva.

 

O primeiro-ministro e o líder do PS surgem empatados no item da capacidade para combater a pobreza (36%), o que pode ser resultado do capital adquirido pelos socialistas, fruto da sua acção governativa. O esforço da AD para reforçar os rendimentos dos reformados (numa dimensão inferior à dos governos socialistas anteriores) e alargar os beneficiários do CSI pode ter sido insuficiente. E se a vantagem que Montenegro tem na capacidade para resolver os problemas da habitação (42% / 31%), não obstante não se terem verificado melhorias significativas, pode ser interpretado como uma censura ao desempenho ministerial de Pedro Nuno Santos, a crença no talento de Montenegro para resolver os problemas da saúde (39% / 33%) é quase do domínio do sobrenatural, dado o desempenho desastroso da ministra.

 

Uma nota final para destacar que os inquiridos na sondagem consideraram o primeiro-ministro mais honesto (35% / 32%) e mais digno de confiança (40% / 34%) do que o seu adversário socialista. É importante referir que, por comparação com o estudo anterior de Fevereiro de 2024, houve uma quebra acentuada na dimensão da honestidade (vantagem reduzida de 13 pontos percentuais para apenas 3) e uma erosão bastante significativa da confiança (vantagem de 11 pontos percentuais reduzida para 6).Tendo em conta que 60%  dos entrevistados consideraram que Montenegro deveria ter encerrado a sua empresa familiar, que  69%  foram da opinião de que os seus esclarecimentos foram insuficientes e que 46% defenderam que teria sido preferível que ele se tivesse demitido (ocorrendo a nomeação de outro primeiro-ministro da área do PSD), é natural que tenham sido afectadas a confiança e a percepção da honestidade do primeiro-ministro. É compreensível que a confiança seja corroída pela percepção de que um primeiro-ministro esquivo e sinuoso nas suas explicações prefira faltar a uma cimeira europeia para jogar golfe com um amigo, cuja empresa, por coincidência, contribui significativamente para os lucros da Spinumviva,  empresa familiar para todo o serviço.

 

Ninguém sabe como evoluirão estas percepções até ao dia das eleições. Se prevalecerá a ideia de colar o rótulo de radical e de impulsivo a Pedro Nuno Santos. E se Montenegro será premiado pelo seu estilo comunicacional altamente controlado e avarento, como se a escassez da palavra alimentasse a imagem do fazedor (ou doer como diria Passos Coelho), que só não parece radicalmente ascético porque ele permite que o esgar de um sorriso assente nos seus lábios. Pode ser que o homem que Miguel Poiares Maduro disse que “transforma o escrutínio numa ofensa” vença cavalgando a vitimização, e a eventual vontade do eleitorado de que a alternância tenha mais tempo para mostrar o que vale. Ou não vale.

A ENTREVISTA DO ENTERTAINER AO PRIMEIRO-MINISTRO FOI FUNTÁSTICA

Março 29, 2025

J.J. Faria Santos

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O primeiro-ministro foi entrevistado por uma pessoa que “confia” nele e que nas últimas eleições, “por ter memória”, votou “pela mudança”. Luís Montenegro aprecia as entrevistas cozy, conduzidas por correligionários, sejam eles a inefável Maria João Avillez, com a indisfarçável cumplicidade com que questiona os que aprecia, ou o flamboyant Manuel Luís Goucha, que, denotando preparação nas entrevistas que conduz, privilegia, naturalmente, um registo lúdico.

 

Acontece que, no entanto, Goucha não resistiu a duas ou três ferroadas nos primeiros minutos da entrevista, antes de ela se ter deslocado quase definitivamente para um território intimista, propício a captar ou consolidar o voto do segmento das donas de casa e dos reformados. Logo a abrir, evocando uma polémica com a comunicação social, Manuel Luís Goucha, com o ar divertido de quem vai largar uma provocação menor, advertiu o seu entrevistado nestes termos: “Deixe-me dizer-lhe que no meu auricular eu só ouço os tempos. 40 minutos para esta entrevista.”  Um pouco mais à frente, quando o primeiro-ministro resumia a embrulhada em que se deixou enredar com a frase “Eu sou acusado de ter trabalhado”, o entertainer largou um “Mas não é por aí que vêm os problemas…”, para logo de seguida, suavizando o contraditório, dizer-lhe: “O senhor não é suspeito de coisa alguma.”

 

Montenegro sabe de onde é que “vêm os problemas”. De tal maneira que, a propósito da passagem da quota da Spinumviva, começa a elaborar. “Podia-me eu ter lembrado que pelo facto de estar casado no regime de comunhão de adquiridos, de alguma maneira…”, o que motivou uma interpelação de Goucha, entre o folgazão e o incrédulo: “Um advogado não se lembrou disso?” A resposta, ao lado, foi esta: “Não, porque é assim: eu estava-me a desvincular, como me desvinculei, completamente da actividade daquela empresa. E a empresa tinha uma actividade regular que não precisava de mim.”

 

A entrevista decorreu num tom amigável de tertúlia, sempre pontuado pelo omnipresente sorriso que aflora aos lábios do primeiro-ministro, cujo propósito poderá ser transmitir descontracção, mas que com frequência adquire um travo trocista. Foi, por isso, algo a despropósito e fora do contexto, que surgiu a cena da “exaltação”, o momento em que Montenegro bradou: “Eu não posso ser associado a nenhum comportamento de corrupção porque eu nunca tive nenhum acto de corrupção. Nunca! (…) Eu nunca fui suspeito nem posso ser. Peço muita desculpa. Isto não pode acontecer. E quem disser o contrário, tem de provar. Eu não posso aceitar a ninguém que diga uma coisa dessas!” Caso Montenegro estivesse a usar um auricular, eu diria que um assessor lhe teria soprado ao ouvido que não se esquecesse da cena da indignação. A inserção algo despropositada desta rábula na entrevista e a flutuação no tom, calibrado para transmitir agastamento sem se tornar demasiado estridente, contribuíram para uma sensação de artificialidade.

 

Manuel Carvalho escreveu no Público que “não há político contemporâneo que saiba usar melhor o malabarismo ou a sonsice em proveito próprio que Luís Montenegro”. “Corrupção e falta de ética, já não dá para continuar”, clamava um cartaz da AD na eleição em que Goucha votou pela mudança. A entrevista do entertainer ao primeiro-ministro foi funtástica. Montenegro clamou que nunca teve “nenhum acto de corrupção”. A ética, agora, deve ser como o passado: um país estrangeiro, e o PSD, já sabemos, é o “partido mais português de Portugal”.

ESTADO DE CHOQUE

Março 16, 2025

J.J. Faria Santos

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O PSD está em estado de choque. Os sintomas de um choque traumático incluem sentimentos de ansiedade, desespero, raiva e irritabilidade, bem como alterações cognitivas que afectam a capacidade de concentração e o raciocínio lógico, não sendo de excluir as manifestações de paranóia, com a concomitante interpretação distorcida da realidade ou o delírio persecutório.

 

Manuela Ferreira Leite foi ao conselho nacional do partido asseverar, a propósito das polémicas que têm envolvido o primeiro-ministro, que nunca tinha visto “nada tão baixo na política portuguesa”. E acrescentou: “Isto é o caminho certo para a ditadura, é o contrário da democracia.” Claro que, tratando-se da ilustre militante que em tempos aventou se não seria “bom” haver “seis meses sem democracia”, ficámos sem perceber se teme pela democracia ou se se tratou de mais um assomo de ironia pouco fina.

 

Por outro lado, um seu ilustre par (que é PAR), terá vociferado que “Pedro Nuno Santos fez pior à democracia em seis dias do que André Ventura em seis anos”. Pode Aguiar-Branco afirmar esta barbaridade no uso pleno da sua “liberdade de expressão”? Na minha opinião, pode. Mas não devia. Como ele é um homem do Norte, ocorre-me logo à memória um sketch do Herman Enciclopédia, onde havia sempre alguém a implorar perante um ilustre de cabeça perdida: “Oh senhor engenheiro, não se desgrace!” A afirmação de Aguiar-Branco foi proferida à porta fechada, mas como se encontra transcrita numa “notícia” no site do PSD, isto só pode significar que o partido assumiu quê está numa relação com a desorientação e com a hipérbole destrambelhada.

 

O jovem prodígio Bugalho terá dito, com uma originalidade fulgurante, que o PS é um “Chega de esquerda”, que protagonizou um “assalto institucional”. E, na mesma linha, Luís Campos Ferreira acusou o PS de ser “a corista ordinária do Chega”. Para o secretário-geral socialista, Hugo Carneiro reservou o epíteto de “charlatão”, ao passo que Emídio Guerreiro, fazendo jus ao nome, terá sido, segundo o Expresso, “particularmente duro”, acusando Pedro Nuno Santos de ser um “menino do papá” (como é que ele recuperará deste golpe?) e viver “da mesada do papá” (com sorte ainda obtém a simpatia e os votos dos pais que vivem em economia comum com filhos sem condições económicas para se emanciparem…)

 

No final da reunião, Luís Montenegro declarou-se confiante, como “já estava”. Tempos houve em que o partido teve um líder que prescreveu um “banho de ética”. Agora(quase) todos defendem que não convém deitar fora o poder com a água do banho. Montenegro será um trunfo. O Governo satisfez as corporações com o excedente herdado e a barreira de propaganda procura sustentar o mantra do “governo em movimento”. É certo que há cada vez mais brechas no comentariado de direita, que o vê como um activo tóxico, mas prognósticos só no fim do jogo.

 

Imagem: www.psd.pt

A TROIKA DO PSD NA CÚPULA DO ESTADO

Março 08, 2025

J.J. Faria Santos

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Marcelo Rebelo de Sousa, o dissolvente, sob a capa da magistratura dos afectos, foi acumulando capital político, que depois foi usando numa interpretação criativa dos poderes presidenciais, umas vezes no limite da ingerência, outras vezes na imediação do abuso dos poderes que a Constituição lhe confere. O estilo “presidente do povo” não disfarça um perfil que aprecia salamaleques, cortesias e demonstrações de vassalagem, cuja recusa teve sempre como resultado palavras verrinosas, gestos ostensivos de despeito e expedições esotéricas a caixas multibanco e locais históricos da capital, e até conferências de imprensa informais com correspondentes estrangeiros. Deixou-se enredar numa trama de favores em cadeia, que teve como protagonista o agora mal-amado filho. Insigne criador de cenários e inigualável oráculo do futuro, desbaratou uma maioria absoluta e iniciou o período que ele próprio baptizou de “miniciclos”.

 

Eleito à quarta tentativa presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, o pedagogo, anunciou de imediato que teria para com a bancada do Chega uma atitude “diferente” da do seu antecessor. Dado que todos os deputados tinham sido “eleitos com o voto universal, todos merec[iam] o mesmo respeito”. O Parlamento, explicou, seria o retrato da “diversidade da nossa sociedade”, implicando a convivência com “diferentes formas de estar”. Aguiar-Branco conviveu mal com a “vandalização política” do património nacional quando o partido de Ventura colocou tarjas na fachada do Parlamento com políticos com notas à frente da cara (“uma falta de respeito”, disse), mas convive bem (em nome da “liberdade de expressão”) com discursos de teor racista ou apologistas da violência, com apartes insultuosos e com os comportamentos aviltantes de uma bancada insubordinada que se compraz em rolar na imundície. Aguiar-Branco aposta na “pedagogia” e no “juízo sancionatório” dos portugueses. Os portugueses em casa testemunham a inacção, que é conivência, de um presidente que não quer ser “censor”.

 

Luís Montenegro, o transparente, decidiu exercer o cargo seguindo o estilo de gestão de silêncio do “senador” Cavaco. Na mesma onda, deplorou o “estilo ofegante” da comunicação social e as perguntas sopradas pelo auricular. Ao mesmo tempo construiu uma estratégia comunicacional cuja agenda-setting é potenciada pela presença simultânea de ministros em vários canais de TV, reproduzindo e reforçando as mensagens que pretende fazer passar. Esta mescla de jejum comunicacional com barragem mediática deu curto-circuito com a investigação aos rendimentos e às empresas do primeiro-ministro. Orgulhoso da sua honorabilidade, provocador perante o escrutínio dos seus pares e dos jornalistas, avarento com os detalhes importantes e perdulário com as inutilidades, mostrou-se incapaz de compreender o conceito de conflito de interesses, acabando, em desespero, por ter de assegurar que está “desde a primeira hora em exclusividade total de dedicação à função de coordenação da ação do governo e de representação de Portugal”. Como escreveu Manuel Carvalho no Público, num dos artigos de opinião menos críticos para Montenegro: “(…) um primeiro-ministro de uma democracia não pode ter telhados de vidro. Perante uma suspeita tinha de abrir o jogo, todo o jogo. Falhou e enterrou-se num pântano sem salvação possível.”

 

Marcelo (o dissolvente), Aguiar-Branco (o pedagogo) e Luís Montenegro (o transparente) constituem a troika do PSD na cúpula do Estado, e foram ou são um factor de instabilidade e/ou de degradação da democracia portuguesa, tarefas a que se parecem ter entregado em “exclusividade total de dedicação”.

 

Imagem:https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jos%C3%A9_Pedro_Aguiar-Branco,_Marcelo_Rebelo_de_Sousa,_Lu%C3%ADs_Montenegro_assinam_o_termo_de_sepultura_de_E%C3%A7a_de_Queiroz_no_Pante%C3%A3o_Nacional_2025-01-08.png

O PAI DE FAMÍLIA - INCONSCIÊNCIA OU IMPUNIDADE?

Março 02, 2025

J.J. Faria Santos

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Antes de mais é preciso notar que, como ele próprio confessou com visível júbilo, Luís Montenegro está “mesmo a gostar muito de governar”. Depois convém recordar que ele é adepto do jornalismo “puro”, aquele que “pode contrariar a desinformação” e que, sobretudo, se mostra atento quando ele fala de “temas concretos”, que na sua perspectiva são “relevantes”, em vez de “de repente mudar de tema”, colocando questões porventura “sopradas” ao auricular. Se no Parlamento se queixou recentemente de ser “há muitos anos alvo de ataques estranhos”, a teoria continuou a ser alimentada por fontes em off, que trataram de associar a polémica em torno da sua empresa familiar a uma campanha orquestrada por interesses imobiliários em conluio com uma RTP certamente refém do jornalismo “impuro”. A perplexidade era tanta que o primeiro-ministro desabafou: “Eu não posso é obrigar as pessoas que me pedem esclarecimentos a compreendê-los da maneira como eu os compreendo”. Montenegro, felizmente, “compreende” os esclarecimentos que presta e quem não os entende ou está de má-fé ou sofre de problemas cognitivos.

 

Com a divulgação pública da avença da Solverde, há pelo menos uma coisa que Montenegro percebeu: é que a frase “a partir de hoje, só respondo a quem for tão transparente quanto eu” tem um contexto. E que isto de ser “provocatório q.b.” às vezes faz ricochete. E já agora, convém não tratar o Código de Conduta do Governo como um bibelô, o tal “instrumento de autorregulação” que na alínea b) do nº1 do artigo 3º institui o princípio da transparência, e no qual o nº4 do artigo 7º determina que “Qualquer membro do Governo que se encontre perante um conflito de interesses, atual ou potencial, deve tomar imediatamente as medidas necessárias para evitar, sanar ou fazer cessar o conflito em causa, em conformidade com as disposições do presente Código de Conduta e da lei.”

 

O imbróglio em que se deixou enredar, e as declarações ungidas de superioridade moral que consideram qualquer inquirição um ultraje à sua honorabilidade e à sua transparência, só podem resultar de dois estados de espírito: inconsciência ou sentimento de impunidade, de per se ou em regime de acumulação. A comunicação solene ao país foi um exercício híbrido de vitimização e propaganda, com dois anúncios substantivos: passar para os filhos uma empresa que supostamente não era dele (e com os clientes angariados por ele) e ameaçar com uma moção de confiança. Sem sombra de pecado, recorreu ao estafado expediente do político que, acossado, recorre ao ataque como manobra de diversão. Como rapidamente se percebeu, com a decisão do PCP de apresentar uma moção de censura, logo o Governo se sentiu desobrigado de avaliar a confiança. Na verdade, se o primeiro-ministro está tão seguro da rectidão do seu comportamento, por que razão precisaria da confiança do Parlamento?

 

Montenegro convive bem com o estigma de ter recebido avenças de entidades privadas e julga que a sua boa consciência é suficiente para elidir conflitos de interesse e proteger o regime democrático. No fundo ele é apenas um pai de família a tentar garantir o bem-estar dos seus. Da sua família biológica e da sua família partidária. É que “quem tem ética, passa fome”. De poder.

OS INIMIGOS DE ALEXA

Janeiro 19, 2025

J.J. Faria Santos

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Alexandra Leitão, diz o colunista Henrique Monteiro, não é o melhor nome para derrotar Moedas. “Não por falta de qualidades, mas por falta de moderação a expor as ideias”, explica. E sugere que ela reduza no “espírito de ´Pasionária’”. Monteiro foi moderado nas suas considerações. Nem lhe devem ter passado pela cabeça os adjectivos “histérica” ou “esganiçada”. Mas pode ter ponderado expressões como “saliente” ou “radical”. Como para Monteiro o problema reside na forma como Leitão expõe as ideias, fica a dúvida se o problema está no modo articulado como se expressa, na assertividade que emprega, no tom firme mas sereno com que se exprime ou na franqueza (ou impiedade) e no rigor com que analisa as ideias e as acções dos adversários políticos.

 

Ficámos sem perceber se à frontalidade Monteiro prefere as proclamações melífluas carregadas de subentendidos (da “escola Marcelo”, por exemplo). Ou se aprecia a moderação ora titubeante, ora sucedâneo de locutora de continuidade a ler o teleponto da ministra da Administração Interna. Ou se admira o estilo de frases pré-formatadas envoltas em vacuidades da ministra da Saúde. E, já agora, seria interessante saber se aprecia o “perfil conflituoso” e a “fúria exoneradora” (para citar duas expressões do colega de jornal Daniel Oliveira) da ministra da Cultura, também dada a tiradas bombásticas contra o compadrio e as cunhas.

 

E será moderado Carlos Moedas com a sua dificuldade em lidar com interpelações incisivas (amua, abandona a Assembleia Municipal), e com a pouco subtil colagem ao discurso securitário? E será moderado Hugo Soares com as suas vociferantes intervenções no Parlamento (não se pode dizer que expõe ideias – nem ele se preocupa com estas minudências -, expele propaganda)? E será moderado um primeiro-ministro que declara que “os extremos saíram à rua”, comparando, por exemplo, como notou Amílcar Correia no Público, o SOS Racismo e o Habeas Corpus? E que criticou a comunicação social “ofegante” que interpela os políticos seguindo o guião de uma voz sinistra nos auriculares?

 

Imagem: Instagram

O EXPRESSO DOS MALDITOS - DRAMA NA REDACÇÃO

Dezembro 28, 2024

J.J. Faria Santos

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Distraídos pela “operação especial de prevenção criminal” no Martim Moniz, pela “operação militar especial na Ucrânia”, pelo “constrangimento” nas urgências ou pelo choque da eleição de Trump, os portugueses podem passar ao lado de um drama pungente que tem potencial para abalar os fundamentos do jornalismo luso. O Expresso elegeu como figura nacional do ano Rúben Amorim e o seu director, João Vieira Pereira, aceitando o “exercício democrático”, considera o veredicto “um erro”. E titulou a sua coluna “Não, não foi Rúben. Foi Montenegro.”

 

Em relação ao sufrágio, Vieira Pereira refere que foi feito “através do sistema mais antigo do mundo, um braço no ar”, o que, diga-se, parece-me pouco consentâneo com a matriz liberal de centro-direita (sejamos generosos) do jornal, e mais próprio de um partido de esquerda caduco e colectivista. Por outro lado, David Dinis revelou que Montenegro ficou em segundo lugar por “apenas um voto”, o que vem sublinhar a velha máxima “por um voto se ganha e por um voto se perde”.

 

Por que razão foi Amorim o escolhido? Um artigo de Pedro Barata destaca que, entre os portugueses, o treinador foi o segundo mais pesquisado no Google, atrás apenas de José Castelo Branco. E um especialista aponta três características da “marca Amorim”: “o ar jovem e moderno”, ter “capacidades de comunicação” comparáveis a um “orador de alto gabarito de gestão” e apresentar-se como alguém “genuíno que se mostra de forma cordial e sedutora”. Convenhamos que nenhuma destas qualidades se acercou de Luís Montenegro, mas terá outras que lhe permitiram ficar apenas a um voto do “líder sedutor e genuíno”.

 

Confrontado com um resultado insólito, Vieira Pereira terá ficado atónito e perplexo, para logo de seguida concluir que “se não devemos alterar o resultado, podemos melhorar o processo”, razão pela qual dá conta do lançamento de “um processo de discussão para alteração das regras de eleição das figuras e acontecimentos do ano”.

 

Até António Costa teria sido “uma escolha no mínimo acertada”, desabafa o director. Pela minha parte, não me custa vislumbrar um efeito perverso de um lobby leonino na eleição de Amorim, de braço dado com um elitismo inato que desdenha o ruralismo. Já a preferência por Gisèle Pelicot, preterindo Donald Trump  como figura internacional, é facilmente explicável pela quadrilha feminista que infesta as redacções por todo o mundo e a que Portugal não é imune, e cuja influência aterroriza incels e machistas tóxicos. Se a democracia morre na escuridão, também pode perecer iluminada por “discussões acesas”. Que o Expresso tenha estado na iminência de ficar refém de adeptos radicais, e em risco de ser contaminado pelo vírus do wokismo, só torna este cri de couer do director do jornal um gesto de resistência merecedor do prémio de jornalista do ano.

 

Imagem:www.expresso.pt

SEI O QUE DISSESTE NO PASSADO DIA 15 DE JULHO

Outubro 12, 2024

J.J. Faria Santos

 

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Sabemos quando é que o thriller político derivou para o slasher em versão assassinato de carácter. Foi quando o líder do Chega ligou o modo de linchamento e, no seu estilo empolgado e ofegante, colou o ferrete da mentira ao primeiro-ministro, arrastando-o para a sua arena favorita: a luta na lama. Sucede que André Ventura tem um problema de credibilidade, mesmo na era da pós-verdade em que a falsidade foi normalizada, dado que se apresenta como um mentiroso compulsivo, que não hesita em distorcer ou inventar factos e correlações. Perante a circunstância de ter afirmado que “o primeiro-ministro mentiu”, que “quis chegar a um acordo de Orçamento” com o seu partido e que admitiu, inclusivamente, que “o Chega viesse a fazer parte de um governo num contexto político diferente”, recai sobre ele o ónus da prova.

 

O primeiro-ministro desmentiu-o de imediato na rede social X, escrevendo que “nunca o Governo propôs um acordo ao Chega”.  Devolvendo o labéu de mentiroso, atribuiu tal comportamento ao “Desespero” de Ventura. O problema da luta na lama são os salpicos. E mesmo na calúnia a dúvida é um salpico. Sucede que antes da consolidação do “não é não”, nem sempre Montenegro foi suficientemente assertivo. Acresce que o historial do seu discurso político encerra alguma economia de verdade, apropriação de medidas alheias e, sobretudo, falta de clareza. Terá ocorrido, entre Ventura e Montenegro, “um erro de percepção mútuo”?  Terão sido necessárias 5 reuniões, que Ventura diz terem ocorrido, para que o primeiro-ministro se convencesse de que o Chega não é um parceiro confiável? Em relação à derradeira, que terá ocorrido a 23 de Setembro (no mesmo dia em que terá recebido a IL), Montenegro, em declarações à comunicação social, fez questão de frisar o seu empenho em “dialogar com os partidos políticos”, de forma a “esgotar, de forma paciente, de forma empenhada, de forma aberta, de forma dialogante, todas as possibilidades para que, na Assembleia da República, a proposta de Orçamento do Estado não seja inviabilizada”. Terá o primeiro-ministro, algures neste lapso de tempo, alimentado a expectativa de negociar, via “reuniões discretas”, a aprovação do OE com o seu ex-correligionário André Ventura? E se, emulando a fábula de Pedro e do Lobo, o mentiroso compulsivo estivesse agora a falar verdade e, por natural repulsa, quase ninguém acreditasse nele?

 

Porque é que isto é relevante? Porque quer à esquerda (“uma derrota histórica para o PS e para todos os democratas” – Sérgio Sousa Pinto), quer à direita (“O PS está disponível para trair a democracia que fundou” - Francisco Mendes da Silva), Pedro Nuno Santos está a ser acusado de, ao não viabilizar o Orçamento, permitir que o Chega ganhe um papel central nos acordos de regime e, consequentemente, adquirir respeitabilidade. Independentemente das teorias divergentes acerca do que reforça mais o radicalismo populista de direita, parece estar em cima da mesa uma espécie de superioridade moral do PSD, consubstanciada na doutrina “não é não”. O mínimo indício de que o primeiro-ministro insinuou, ponderou ou admitiu um qualquer acordo com André Ventura pode não anular os argumentos de quem defende a viabilização do OE pelo PS, mas transforma seguramente o “não é não” num problemático talvez se. É por isso que, para o primeiro-ministro, mesmo que se queixe da inversão do ónus da prova, devolver acusações em maiúsculas no X e afirmar não ter mais nada a declarar não é suficiente.

 

NOTAS SOBRE 30 DIAS DE GOVERNAÇÃO

Maio 05, 2024

J.J. Faria Santos

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Quando um primeiro-ministro, ufano entre correligionários, proclama que está “mesmo a gostar muito de governar”, que concluir senão que está embriagado pela sua própria performance? Que esta assente na gestão maximalista do silêncio, e coexista com a ambiguidade do discurso, com a vacuidade dos propósitos e com a escassez dos feitos, talvez possa ser explicado pelo curto período de exercício do cargo. Mas esta atenuante, tal como a circunstância da juventude do cabeça-de-lista às eleições europeias, é algo que tenderá a desaparecer com o tempo. E muito rapidamente.

 

Que Miranda Sarmento tenha sempre exibido uma confrangedora inépcia política, não é novidade. Já que se disponha a explorar a diferença entre contabilidade pública e contabilidade nacional para efeitos de disputa política, pondo em causa a sua própria credibilidade técnica e a reputação do país, é inaudito. O ministro fala agora de défice das contas públicas, de reservas comprometidas e de despesa não orçamentada. Não fosse a credibilidade do anterior ministro da pasta, a certificação do INE e o acompanhamento e escrutínio das contas do país por parte de organismos nacionais e internacionais, e esta bravata ridícula (de quem nem sequer meditou que é contraditória com o acréscimo que promoveu na baixa do IRS) teria consequências na forma como os mercados e as agências de notificação financeira nos avaliam. Como o Conselho de Finanças Públicas nota: “Enquanto o sistema de contabilidade pública tem estado mais vocacionado para os aspetos ligados à gestão e ao controlo de tesouraria, a contabilidade nacional é um sistema orientado para a análise e avaliação macroeconómica”. Que não se avalie, portanto, as contas do país numa óptica de tesouraria, de forma parcelar e sem ter em conta que não existe uma evolução linear ao longo do ano, é uma questão de rigor e bom senso.

 

Talvez seja sintomático que o ministro das Finanças tenha sido desautorizado pelo ministro da Educação (um dos poucos que tem conciliado a discrição com diligências para tomar medidas com efeito mais ou menos imediato), designadamente na questão da recuperação do tempo de serviço dos professores. De resto, desde a acção da ministra da Saúde, que parece não saber que organismos do seu ministério elaboram um dado plano, e foi mais pressurosa a afastar uma figura com créditos firmados, até a uma ministra do Trabalho que decidiu exonerar, com efeitos imediatos, Ana Jorge da SCML por “actuações gravemente negligentes” para depois fazer um despacho para a obrigar a ficar em gestão até à nomeação do substituto, passando por um ministro da Defesa enredado na fonética de um tratado e numa proposta que afinal era uma hipótese académica, o panorama não é brilhante.

 

O erro original parece estar na estratégia do primeiro-ministro de maximizar a sua condição de vencedor das eleições e governar como se os deputados da oposição estivessem obrigados a permitir que ele aplicasse o programa do Governo. Na íntegra e sem desvirtuamentos. A táctica do afrontamento e do desdém pela negociação estão bem patentes no estilo do líder parlamentar Hugo Soares. Que, aliás, apresenta um discurso que pode galvanizar as hostes e funcionar num contexto de guerrilha, mas é de uma indigência atroz. 30 dias é muito pouco. Fica a primeira impressão, que é pouco impressiva.

 

Imagem: portugal.gov.pt

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