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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

PARA S.BENTO, RAPIDAMENTE E EM FORÇA!

Junho 20, 2021

J.J. Faria Santos

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Lemos o desabafo de Francisco Mota, ex-líder da Juventude Popular, no Facebook (“Juntemos os patriotas, os de ontem e os de hoje, e sob a liderança das Forças Armadas tomemos o Palácio de Belém e o Palácio de São Bento”) e este arremedo de assalto aos palácios na Primavera parece a sinopse de uma comédia de Woody Allen num país sul-americano. Mas depois vimos o Cotrim no seu arraial, em pose de Robin Hood da alta burguesia, de jeans e ténis, a manejar o arco e a flecha, corajosamente apontando para um adversário político, e percebemos que a sátira é lusitana. Longe vão os tempos em que a direita se indignava com o radical de esquerda que ameaçava fazer tremer as pernas dos banqueiros alemães impondo uma moratória de termo incerto ao pagamento da dívida pública. Agora, a estabilidade é perniciosa, o reformismo insuficiente e a revolução adquire encantos inusitados.

 

Para ser rigoroso, devo referir que o impetuoso Mota se apressou a declarar-se “um democrata convicto” que apenas pretendia alertar para a emergência de uma “revolução cultural” (é revolução, mas é cultural, assim uma espécie de golpe de Estado das mentalidades, sem subversão da ordem pública, sem derramamento de sangue e sem necessidade de se alistar para desfilar em veículos horrorosos vestido de camuflado…)  Já o líder da Iniciativa Liberal considerou que nem merece comentário o pressuposto de que jogos de setas com alvos com o rosto de adversário políticos possam ser encarados como apologia da violência. Como se gestos como este não contribuíssem para reforçar a polarização, inibir a construção de pontes e, sobretudo, dinamitar a livre e franca discussão de ideias. Para a Iniciativa Liberal, parece ser preferível sacrificar a pedagogia democrática a perder a oportunidade de criar um meme com potencial para se tornar viral ou um cartaz espirituoso para animar os canais de notícias por cabo.

 

A culpa talvez seja, do ponto de vista desta “direita revolucionária”, do “Estado Novo Socialista” (na definição de Francisco Mota). Tempos houve em que um animado debate cá no burgo acerca da natureza do regime salazarista apelava ao rigor das definições e das classificações. Autoritário? Ditatorial? Fascista? Pois agora, no linguajar da direita oprimida, António Costa chefia um governo num regime comparável a um outro que se caracterizou pela compressão das liberdades, pela censura, pela criação de uma polícia política, pela perseguição, encarceramento e tortura dos opositores políticos, pela tacanhez de espírito e pelo apelo ao conformismo e à obediência.

 

Estagnada nas sondagens e sem iniciativa política (porque incapaz de formular uma alternativa consistente, para além do rancor e da exploração do “escândalo do dia”), a direita desespera enquanto vai tentando vislumbrar sinais de esperança no “activismo presidencial” ou no hipotético interesse de Costa num cargo europeu. O que é de lamentar, porque a acção governativa pede escrutínio válido e a qualidade da democracia exige alternativa credível. Em vez de a formular, a direita revolucionária prefere remoer a nostalgia do Estado Novo salazarista, sem perceber que, como notou no Ípsilon António Araújo (em recensão à obra Salazar: O Ditador que se Recusa a Morrer de Tom Gallagher), “no legado de um ditador, não é possível separar uma parte ‘boa’ de uma parte ‘má’, ficando apenas com uma, a mais sadia, chame-se ela estabilidade política, crescimento económico ou paz e ordem nas ruas”.

 

Imagem: Facebook de Francisco Mota (autor do meme não identificado)

PORTUGAL JÁ NÃO É UMA DEMOCRACIA...LIBERAL?

Maio 30, 2021

J.J. Faria Santos

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O instituto sueco V-Dem publicou recentemente o relatório onde analisa o estado da democracia no mundo, no qual consta um ranking elaborado de acordo com cinco índices que avaliam as componentes eleitoral, liberal, participatória, deliberativa e igualitária de cada país. O facto de Portugal ter caído do 7º lugar (em 2020) para o 18º lugar (em 2021) foi o pretexto para João Miguel Tavares ter escrito no Público que “o socialismo deficientemente democrático do PS (…) nos afasta todos os dias dos países mais avançados do mundo.”  O argumento parece pouco sustentado, se tivermos em conta que os relatórios publicados em 2018 (10º), 2019 (8º) e 2020 (7º), apresentaram uma evolução em sentido contrário e o Governo era o mesmo.

 

O título do relatório é algo alarmante (A Autocratização Torna-se Viral), explicável pelo aumento da população mundial, de 48% para 68%, que vive sob regimes autocráticos. Para Portugal, o 18º lugar entre 179 países no ranking global não parece o descalabro que Tavares anuncia, à frente do Luxemburgo (22º), do Canadá (28º) e dos Estados Unidos (31º). O nosso país, por exemplo, demonstrando um desempenho mais fraco ao nível do índice de participação política dos cidadãos (44º lugar), fica à frente do Estados Unidos no índice que avalia a componente liberal (onde se analisam os direitos individuais e a protecção das minorias face ao Estado, e o escrutínio parlamentar e judicial da acção governativa). 

 

Este relatório já tinha sido objecto de comentário por parte de Miguel Poiares Maduro em artigo para o Expresso (cujo título descaradamente plagio, embora com a adição de sinais de pontuação), onde para além de assinalar a despromoção de Portugal (de democracia liberal a democracia eleitoral), lamentava a predisposição de 51% dos eleitores portugueses para aceitarem um líder autocrático, ao mesmo tempo que teriam deixado de acreditar no “sistema político como instrumento de alternância de poder”. De facto, o relatório do V-Dem apresenta uma tabela de “Regimes do Mundo 2010-2020”, integrando Portugal no grupo das democracias eleitorais, que inclui nações como Malta, Eslovénia, Eslováquia, Bulgária, Croácia, República Checa, Polónia e Roménia. Esta tabela de classificação dos regimes foi elaborada a partir do contributo teórico de três académicos, que reconheceram em 2018 que “nunca foi tão difícil classificar os regimes políticos, e que esta classificação “implica algum grau de erro e outras fontes de incerteza”, para as quais julgam ter introduzido melhorias metodológicas.Tendo em conta que estes académicos consideram que os requisitos fundamentais de uma democracia liberal incluem “o escrutínio legislativo e judicial do executivo mediante um sistema de freios e contrapesos, bem como a protecção das liberdades individuais”, é difícil perceber o que levou a nação lusa (com um Governo minoritário, um Parlamento decisivo e um Presidente da República interventivo, sem sombra de lesão da liberdade de imprensa ou dos direitos de cidadania) a ver extirpada da sua democracia o adjectivo liberal.

 

Uma comunicação social livre e uma sociedade civil atentas são indispensáveis para uma democracia saudável (com ou sem o selo de liberal atribuído por um instituto sueco). Mais importantes que as tiradas incendiárias disfarçadas de justa indignação, ou as proclamações políticas a inventar “asfixias democráticas”, são as intervenções de colunistas como Pacheco Pereira e António Barreto a alertar para o potencial censório da Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital (que pretende “proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas, de jure ou de facto, que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação”, lei aprovada com a abstenção do PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal, e o voto favorável de todos os restantes (e a promulgação de Marcelo). Discutam-se, pois, o rumo do país, as leis da nação e as circunstâncias da acção política, sem cair em estados de alma quase depressivos a propósito da palavra liberal.

 

Imagem: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Portugal_film_clapperboard.svg#/media/File:Portugal_film_clapperboard.svg

A LIBERDADE É LIBERAL

Abril 24, 2021

J.J. Faria Santos

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Houve uma altura em que a direita era de confiança e mesmo quando não hostilizava o 25 de Abril mantinha uma distância profiláctica. É certo que alguns bravos ainda resistem, como Alberto Gonçalves, colunista “premium” do Observador: “Quero que eles peguem no cortejo, que além de ideologicamente repulsivo é uma foleirada estética, e o levem para longe, onde eu não tenha de ver os cravos nas lapelas ou ouvir as Grândolas da praxe.”  Para o facto de celebrar o advento da democracia e da liberdade lhe parecer repulsivo, não tenho remédio, mas quanto à “foleirada estética”, proponho que pondere a elevação à categoria de kitsch e talvez não lhe pareça tão intragável. Este intróito em tom irónico serve para realçar que, lamentavelmente para o compungido articulista “premium”, há uma direita que diz que o 25 de Abril “é o dia em que foi derrubada uma longa ditadura” e que “nenhuma das liberdades pelas quais os liberais ainda hoje lutam existia antes” dessa data. Por isso, explica Cotrim de Figueiredo, a Iniciativa Liberal “sempre participou, com alegria e convicção, em todos os desfiles que tiveram lugar na Avenida da Liberdade” (in Expresso).

 

A “alegria” da IL ficou toldada com a recusa inicial da Comissão Promotora das comemorações em incluir este partido, o que levou a acusações de sectarismo, por um lado, e de provocação gratuita, por outro. Posteriormente, a polémica amainou e o bom senso prevaleceu, embora o partido liderado por Cotrim de Figueiredo não tenha prescindido do seu próprio desfile. Claramente, não sente que ele seja uma agressão estética, “uma foleirada”, e tendo em conta o seu acervo de cartazes bem-humorados, eu diria que a IL se move bem nos domínios do agitprop. Além do mais, deve sentir que está a quebrar o monopólio da esquerda no mercado das comemorações, o que constitui um estímulo extra. Quezílias à parte, celebremos, pois, a liberdade em toda a sua inteireza e diversidade. Porque a liberdade é liberal: é generosa e tem largueza de espírito, abomina exclusões e só convoca o radical como símbolo do que é essencial e profundo, nunca como fautor da intransigência.

 

Imagem: cd25a.uc.pt

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