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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

ACORDÃO, PORTUGAL!

Abril 21, 2024

J.J. Faria Santos

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Em Setembro de 2018, um artigo no Observador citava António Costa a asseverar que Lucília Gago, enquanto procuradora-geral da República, prosseguiria uma “linha de salvaguarda do Estado de direito democrático, do combate à corrupção e da defesa da Justiça igual para todos, sem condescendências ou favoritismos para com ninguém”. 5 anos depois, temendo vir a ser acusada de ter protegido o primeiro-ministro quando se viesse a saber que ele estaria a ser investigado pelo Supremo, a PGR incluiu um funesto parágrafo num comunicado que, objectivamente, acabou por constituir uma “interferência” na separação de poderes, caucionando uma interpretação estapafúrdia das circunstâncias da acção política e administrativa do Estado, colocando sob suspeita permanente o exercício do poder legitimado nas urnas (instituindo uma espécie de presunção de culpabilidade), ao mesmo tempo que unge o poder judicial de um halo de superioridade ética que parece esconder mal uma vontade de usurpação. Objectivamente, para se proteger, a PGR infligiu um grave dano à democracia, para além de ter lesado de forma leviana a reputação de governantes e do próprio país. A “magistrada discreta” que “não gosta de exposição mediática” colocou-se no olho do furacão, falhando ostensivamente num requisito essencial para um magistrado: a prudência.

 

Acerca do envolvimento do ex-primeiro-ministro na chamada Operação Influencer, o recente acordo do Tribunal de Relação de Lisboa é particularmente elucidativo. “Não há uma única conversa ou telefonema mantidos directamente com o Primeiro-Ministro.” E mais: “Era essencial que o Mº. Pº. também tivesse descrito algum comportamento objectivo do Primeiro-Ministro passível de mostrar alguma receptividade ou predisposição para ouvir e acatar o que o seu melhor amigo teria para lhe dizer, fosse em matéria de decisões sobre políticas públicas e medidas legislativas no ambiente, nas energias renováveis, nos objectivos da transição energética e da transição digital, no campus de Data Center promovido pela Start Campus, S.A, no âmbito do Projecto Sines 4.0. ou sobre qualquer outro assunto da governação e tal não aconteceu.” E ainda: “Há, é certo, várias alusões ao Primeiro-Ministro, mas nunca concretizadas, pelo menos, de que haja notícia: não há uma única conversa de entre as várias escutadas e transcritas ou mencionadas no texto do requerimento do Mº. Pº. Mesmo que houvesse, da simples circunstância de políticos e seus eleitores conversarem entre si sobre assuntos do interesse destes e que compete aos primeiros decidir não encerra em si mesma nenhuma ilicitude. E esta é a única ilação que pode legitimamente retirar-se de todos os excertos das conversas mantidas ao telefone acima elencadas...”

 

A fazer fé no que diz o acórdão, o inquérito conduzido pelo MP parece um manual de procedimentos anómalos, ainda que, provavelmente, mais comuns do que o desejável. Como sejam, um destaque desajustado atribuído a “peças jornalísticas”, “o desacerto de técnica jurídica que consiste em misturar factos penalmente relevantes com trabalho jornalístico”, confundindo-os, baralhar “transcrições de conversas com factos, mesmo que só meramente indiciários” ou ainda insistir em tirar ilações “vagas e genéricas” assentes em especulações.

 

A efectiva tentativa de criminalização de actos da governação, que o inquérito intenta, só pode ser resultado de uma ideia apriorística da débil idoneidade de quem nos governa ou de uma trágica incompreensão dos mecanismos de decisão nos assuntos de Estado. Ou, pior ainda, da contaminação do aparelho judicial por um fervor justicialista que dispensa a racionalidade e o bom senso.

 

É por isso mais que justo realçar que neste acórdão o colectivo de juízes tece considerações com um elevado valor pedagógico. Como quando sustentam que “nunca se vislumbra, seja em que conversa telefónica for, (.) alguma forma de pressão ou de ingerência inapropriada na liberdade de actuação e decisão, de Nuno Banza, ou de Nuno Lacasta. Há debate de ideias e opiniões divergentes, há empenho e vontade política de João Galamba em impulsionar todo o processo administrativo necessário à implementação do Data Center e do parque fotovoltaico e há sim disponibilidade do arguido Vítor Escária para ouvir os argumentos da Start Campus, nas pessoas dos seus administradores e do seu representante, respectivamente, dos arguidos Afonso Salema e Rui Oliveira Neves e Diogo Lacerda Machado e de promover contactos com membros do governo”. E acrescentam ainda que das transcrições das escutas é possível vislumbrar a preocupação dos governantes em “evitar esquemas fraudulentos de obtenção de licenças sem que os projectos se concretizem”, bem como a preocupação com “o cumprimento da legalidade”. Não fazem mais do que a sua obrigação, mas que o reconhecimento disso mesmo por um órgão judicial, nos dias de hoje, seja motivo de júbilo, mostra aonde chegou o estado de uma Justiça em rota de colisão com a política.

 

Imagem: trl.mj.pt

ESCUTAS INTERMITENTES A TERMO INCERTO

Dezembro 03, 2023

J.J. Faria Santos

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João Galamba é o socialista que a direita adora odiar. Assertivo, reactivo, abrasivo, intempestivo, sabemos agora que esteve sob escuta desde 2019, no âmbito da Operação Influencer, facto que alguns juristas contactados pelo Expresso consideram um abuso da Justiça. Aparentemente, estará afastada a hipótese de ilegalidade. O nº6 do artigo 187º do Código do Processo Penal  determina que “a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade”. Não há limite às renovações nem restrição temporal.

 

De acordo com o despacho do Ministério Público, refeições pagas por Afonso Salema, administrador da Start Campus, serviram para “criar ou reforçar” em João Galamba “um sentimento de permeabilidade e vontade de favorecer os interesses” daquela empresa no âmbito da construção do data center. Ignoramos se anos seguidos de escutas só terão resultado nestes indícios, que parecem manifestamente curtos e até risíveis, considerados por si só. Curiosamente, no âmbito da polémica do hidrogénio, numa demonstração de transparência, em Novembro de 2020, Galamba divulgou publicamente todas as reuniões e encontros que teve sobre a matéria entre Julho de 2019 e Outubro de 2020.

 

Devo confessar que a virulência e a intensidade dos ataques a João Galamba, numa estratégia tipo matilha, me causam repulsa, sobretudo quando sobrevalorizam traços de carácter como a impulsividade e a combatividade e ignoram testemunhos insuspeitos que atestam a sua competência e o seu conhecimento dos dossiers, assim como sublinham, como fez o presidente da APREN, o “trato afável”.

 

Não é possível encarar de ânimo leve esta sequência de escutas intermitentes a termo incerto. Estando em causa, como está, a lesão de direitos fundamentais como a “reserva da intimidade da vida privada e familiar” ou a “inviolabilidade do domicílio e do sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação”, e não sendo permitido a utilização deste mecanismo como instrumento de prevenção de qualquer crime. Este procedimento fere todos os princípios de razoabilidade e proporcionalidade, para mais estando em causa a restrição de direitos, liberdades e garantias. E ameaça a própria democracia.

 

Se juntarmos a este caso das escutas a Galamba o episódio das buscas na casa de Rui Rio e a circunstância que conduziu à demissão de António Costa, somaremos indícios daquilo que Ferro Rodrigues chamou de “cultura justicialista e de ataque a figuras importantes nos partidos e no Estado”. Há uma leviandade nos juízos e uma leveza nos procedimentos que tresanda a impunidade. Como escreveu Pacheco Pereira no Público: o justicialismo “é uma intervenção no terreno da política democrática de uma concepção corporativa que encontra legitimação numa ideia de superioridade do seu poder assente numa bondade, honestidade e integridade atribuídas a uma casta, que precisa de ter inimigos para se justificar como superior”.

 

FREDDY PINHEIRO - PESADELO NA AVENIDA BARBOSA DU BOCAGE

Abril 30, 2023

J.J. Faria Santos

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Exonerado pelo ministro das Infra-Estruturas, João Galamba, e proibido por este de voltar ao ministério, o assessor Frederico Pinheiro, desrespeitando esta ordem, protagonizou um episódio que se aproximou de um filme de terror, ou pelo menos de um thriller político com traços de comédia negra com salpicos de burlesco.

 

Com o intuito de recuperar o computador portátil que usava em funções, o assessor terá estado envolvido em cenas rocambolescas que incluíram gritos e agressões físicas (a assessora de comunicação do ministério ter-se-á apresentado nas urgências do hospital com escoriações), na sequência de o terem tentado impedido de levar o computador com a advertência de que ao fazê-lo estaria a praticar um furto. Funcionárias do ministério ter-se-ão refugiado numa casa de banho donde ligaram para o 112. Por seu lado, Frederico Pinheiro, confrontado com a circunstância de lhe terem fechado as portas, impedindo-o de sair do edifício, antes de ligar para a PSP terá arremessado a sua bicicleta contra as portas de vidro do ministério.

 

O motivo da exoneração do assessor prende-se com umas notas que este terá tirado durante uma reunião, ocorrida a 17 de Janeiro entre a CEO da TAP e o deputado do PS Carlos Pereira, cujo tratamento e divulgação estão envoltos em versões contraditórias. Ora em relação às ditas notas foi deliberado não as tornar públicas, ora, segundo testemunhas, o assessor terá dito não as ter nem memória da reunião, ora ainda que as teria de reescrever para serem perceptíveis, para, finalmente, as entregar, após diversas insistências. As referidas notas foram enviadas para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

 

Não vale a pena encarar o assessor como um corajoso whistleblower, que só se sentiu moralmente impelido a advogar uma radical transparência quando perspectivou a impossibilidade de cometer perjúrio na CPI. Ao assunto em questão, politicamente relevante (e ainda para mais em época de sobreexcitação mediática), falta a grandiosidade dos grandes escândalos que requerem o sufixo gate. E a grande preocupação de Frederico Pinheiro foi fazer back-up para o caso de ter de se defender em sede de comissão de inquérito. Trata-se de alguém media-savvy, com um currículo onde, para além da assessoria ao Bloco de Esquerda, constam passagens de órgãos de comunicação como a Renascença, o jornal Sol ou a RTP. Noutras circunstâncias, estar-se-ia seguramente a debater o surto psicótico, o desequilíbrio emocional ou o burnout de um assessor que terá agredido mulheres, tentado danificar património público e que se apossou de um “equipamento do Estado com documentos classificados”.

 

O filme que estamos a ver relacionado com a CPI é um remake. Já vimos isto no passado recente. Para os deputados, mais relevante que estabelecer factos, escrutinar decisões e retirar conclusões parece ser tentar a todo o custo colar o ferrete da mentira ao depoimento de um ministro para forçar a sua demissão. Mário Centeno foi um dos alvos anteriores, quer a propósito do Banif quer a propósito da CGD, onde referiu a existência de “erros de percepção mútuos”. Galamba é o alvo em movimento, apetecível por ser combativo e desabrido e ter um “passado socrático”, mas Medina está na calha.

 

Já todos percebemos que a CPI sobre a TAP é a principal arma de arremesso e o local de escavação arqueológica preferido da oposição em busca de provas de um qualquer crime político. Até poderíamos ter uma remodelação substancial que em poucos dias o impacto mediático desta seria engolido pelo facto do dia da CPI. Ainda para mais com os mass media inclinados para a direita. É sintomático e irónico que a TVI/CNN Portugal pareça cada vez mais a Fox americana, pouco preocupada com o contraditório e tomando como virtuosa a versão de uma das partes, desde que ela contrarie o relato oficial. Neste caso, entre o assessor eco-friendly e o Governo “socialista” (palavra pronunciada com um esgar de asco ou um sorriso de desprezo) a Fox Portugal põe todas as suas fichas no Frederico.

 

Imagem: ISCTE/Expresso

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