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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

O ERRO INCALCULÁVEL DE MANUEL PINHO

Dezembro 19, 2021

J.J. Faria Santos

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Ao aceitar ser ministro, Manuel Pinho perdeu, admite, “uma fortuna incalculável”. A grandeza da fortuna consiste em ser muito rica em significados. Sendo sobretudo um tributo à inutilidade da vontade humana face à força do destino, pode ser um sucesso ou um revés, um risco ou um acaso. Ou uma porção assinalável de rendimentos ou de bens materiais de valor potencialmente difícil de avaliar. “Não só perdi uma fortuna incalculável, como agora estou nesta situação”, confessa ao Expresso o ex-ministro da Economia. A situação é, claro, a prisão domiciliária, agora que o Ministério Público invocou o risco de fuga.

 

Manuel Pinho poderia ter afirmado o seu orgulho no desempenho de funções públicas, na prestação de serviço à sociedade sob a forma de um cargo político. Poderia ter frisado que cumpriu com lealdade as funções que lhe foram confiadas e que encarou como um desafio pessoal e intelectual, por exemplo, a aposta nas energias renováveis. Poderia defender o seu legado. Ao resumir a sua passagem pelo Governo de Portugal a um erro, Pinho desvaloriza o seu desempenho ministerial e menoriza o exercício de um cargo político, para mais no contexto de crescimento do populismo.

 

É certo que o ex-ministro pode estar saturado e indignado com o modus operandi do Ministério Público - a habitual litania de peças processuais vertidas para a imprensa com o julgamento de facto a ocorrer na comunicação social -, mas é insustentável a sua persistência em não explicar cabalmente os 15 000 euros que recebeu mensalmente do GES através de uma sociedade offshore, quantia que globalmente, no período em que foi ministro, viria a perfazer cerca de 508 000 euros. Enfim, uma pequena compensação pela “fortuna incalculável” que perdeu. Limitar as suas explicações a afirmações do género “uma vez que o Ministério Público está a investigar há 10 anos, acuse-me” ou “nego ter recebido um euro que seja do BES ou do GES que não fosse devido” é que é um erro incalculável. A suspeita de que um ministro recebia simultaneamente a remuneração pelo exercício do seu cargo e um obscuro e inexplicável “complemento salarial” com origem numa entidade privada é simplesmente letal para o carácter de um político e de um cidadão.

 

Imagem: Expresso.pt

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