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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

FREDERICO PINHEIRO - UM HERÓI PORTUGUÊS

Maio 20, 2023

J.J. Faria Santos

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“O depoimento de Frederico Pinheiro não poderia ser mais esclarecedor, nem a sua audição mais credível”, escreveu João Miguel Tavares no Público. “Uma aldrabice pegada do princípio ao fim”, “não apresentou provas de nada”, “não tem testemunhas de coisa alguma”, afirmou Miguel Sousa Tavares no podcast do Expresso. Posições extremadas acerca de uma matéria e de uma figura que tem sido incensada e glorificada. A esmagadora maioria dos jornalistas e comentadores elevou o assessor quase à categoria de whistleblower sem que se perceba que informação relevante preservou ou que mecanismo perverso denunciou. As célebres notas deste herói português estão na posse da comissão parlamentar de inquérito, enviadas pelo ministério. Algum membro da CPI já as analisou? E se são tão explosivas, porque é que não se questionou o ministro sobre o assunto? Ou o relevante é a alegada intenção de ocultar/omitir essas notas por parte do Ministério das Infra-Estruturas? E o que alegadamente se pretenderia ocultar seria aquilo que o assessor apelida de “registos informais, retirados no bloco de notas do computador, com gralhas” ou a versão revista (e esperemos que não alterada ou aumentada) que ele providenciaria depois para envio para a CPI?

 

A jornalista Mafalda Anjos viu-se impelida no ecrã da CNN Portugal (e também no Twitter) a afirmar que “declarações não são revelações” e que “os comentadores não são juízes”, alertando que estamos perante versões diametralmente opostas de determinados factos e lamentando o “facciosismo enorme na análise destas versões”. Um alerta relevante numa altura em que, citando Pacheco Pereira no Público, “as regras do jornalismo desapareceram do espaço público, substituídas por um tratamento comicieiro e politicamente motivado e orientado, que, por falta de alternativa, deixa todos entregues à intoxicação”. Como seria talvez de esperar, a própria CPI conteve exemplos de ausência de civilidade e equilíbrio, que o próprio Pacheco Pereira exemplifica com a “má educação” e as “declarações insultuosas” de “alguns deputados, em particular do PSD”, cujo “tom agressivo e despropositado” fez André Ventura parecer “um santo”.

 

A glorificação de Frederico Pinheiro pela generalidade dos média contém o risco de apelidar de corajoso um homem que terá agredido várias mulheres. A menos que consideremos que estas são apenas umas tontas assustadiças que face a um plácido assessor afectuosamente apegado ao computador de serviço correram a refugiar-se na casa de banho. E convenhamos que é insólita a pressa com que ele entendeu ir buscar o computador e levá-lo para casa. E inusitada a forma como não hesitou em recorrer à força física para concretizar o seu desejo.

 

O depoimento inicial do assessor na CPI, ladeado por um advogado de renome, é um texto estruturado que apesar de anunciar a defesa da “verdade dos factos” e não um “ajuste de contas” tem um forte conteúdo político. Foi lido com a entoação, a gestualidade e a intenção de um pivô de noticiário televisivo. Alude a “uma campanha montada pela poderosa máquina de comunicação do Governo que procurou criar uma narrativa falsa sobre os factos ocorridos” e diz-se “injuriado e difamado”. Em declarações posteriores não descartou processar o primeiro-ministro. A presença do advogado e a maneira como pré-preparou respostas a hipotéticas perguntas mostra a vontade de minimizar os riscos da espontaneidade e do improviso, riscos estes manifestamente exagerados dada a docilidade com que foi tratado na CPI, justamente encarado como um trunfo na estratégia de derrubar o ministro e até o Governo.

 

Frederico Pinheiro não é um cidadão “corajoso” anónimo e desprotegido perseguido pela máquina de um Estado totalitário sem recursos para se defender. Tem feito parte da máquina do Estado, tem no seu currículo vários anos de trabalho como jornalista e foi assessor de um grupo parlamentar. É autor de uma dissertação de mestrado com o título “Compreender a realidade: os fatores explicativos das notícias”, onde partindo da Teoria do Agendamento de McCombs e Shaw refere que o “agendamento criado pela difusão de notícias impõe aos indivíduos não apenas sobre o que pensar, mas também o que pensar”. Num capítulo sobre o “mimetismo mediático” escreveu que “os órgãos de comunicação social tendem a imitar comportamentos e a mimetizar a mesma agenda mediática”, acrescentando que a comunicação social de referência predomina na definição dos “temas em debate público”, amplificando “a voz de determinados actores sociais” e guiando “o caminho a ser seguido pelo mercado”.

 

Este é um herói português que conhece, domina e explora o agenda-setting, e cavalga por instinto de sobrevivência o ar do tempo. Que poderia ser o poster boy da Agenda do Trabalho Digno (porque concilia as responsabilidades familiares com os compromissos laborais e por isso é que ia trabalhar a desoras para o ministério) e que participa no desfile do 25 de Abril. Ele conhece os dois lados e sabe que “a democracia morre na escuridão”. Não há espaço para a fúria do herói nesta narrativa, muito menos para agressões ou bicicletas arremessadas contra a fachada de edifícios. Onde está a verdade? Sabemos há muito que cada um tem direito a lutar ”por aquilo que acredita ser a sua verdade”. E que os heróis, salvo raríssimas excepções, são personagens de ficção.

 

Imagem: José Sena Goulão/Lusa (24.sapo.pt)

FREDDY PINHEIRO - PESADELO NA AVENIDA BARBOSA DU BOCAGE

Abril 30, 2023

J.J. Faria Santos

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Exonerado pelo ministro das Infra-Estruturas, João Galamba, e proibido por este de voltar ao ministério, o assessor Frederico Pinheiro, desrespeitando esta ordem, protagonizou um episódio que se aproximou de um filme de terror, ou pelo menos de um thriller político com traços de comédia negra com salpicos de burlesco.

 

Com o intuito de recuperar o computador portátil que usava em funções, o assessor terá estado envolvido em cenas rocambolescas que incluíram gritos e agressões físicas (a assessora de comunicação do ministério ter-se-á apresentado nas urgências do hospital com escoriações), na sequência de o terem tentado impedido de levar o computador com a advertência de que ao fazê-lo estaria a praticar um furto. Funcionárias do ministério ter-se-ão refugiado numa casa de banho donde ligaram para o 112. Por seu lado, Frederico Pinheiro, confrontado com a circunstância de lhe terem fechado as portas, impedindo-o de sair do edifício, antes de ligar para a PSP terá arremessado a sua bicicleta contra as portas de vidro do ministério.

 

O motivo da exoneração do assessor prende-se com umas notas que este terá tirado durante uma reunião, ocorrida a 17 de Janeiro entre a CEO da TAP e o deputado do PS Carlos Pereira, cujo tratamento e divulgação estão envoltos em versões contraditórias. Ora em relação às ditas notas foi deliberado não as tornar públicas, ora, segundo testemunhas, o assessor terá dito não as ter nem memória da reunião, ora ainda que as teria de reescrever para serem perceptíveis, para, finalmente, as entregar, após diversas insistências. As referidas notas foram enviadas para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

 

Não vale a pena encarar o assessor como um corajoso whistleblower, que só se sentiu moralmente impelido a advogar uma radical transparência quando perspectivou a impossibilidade de cometer perjúrio na CPI. Ao assunto em questão, politicamente relevante (e ainda para mais em época de sobreexcitação mediática), falta a grandiosidade dos grandes escândalos que requerem o sufixo gate. E a grande preocupação de Frederico Pinheiro foi fazer back-up para o caso de ter de se defender em sede de comissão de inquérito. Trata-se de alguém media-savvy, com um currículo onde, para além da assessoria ao Bloco de Esquerda, constam passagens de órgãos de comunicação como a Renascença, o jornal Sol ou a RTP. Noutras circunstâncias, estar-se-ia seguramente a debater o surto psicótico, o desequilíbrio emocional ou o burnout de um assessor que terá agredido mulheres, tentado danificar património público e que se apossou de um “equipamento do Estado com documentos classificados”.

 

O filme que estamos a ver relacionado com a CPI é um remake. Já vimos isto no passado recente. Para os deputados, mais relevante que estabelecer factos, escrutinar decisões e retirar conclusões parece ser tentar a todo o custo colar o ferrete da mentira ao depoimento de um ministro para forçar a sua demissão. Mário Centeno foi um dos alvos anteriores, quer a propósito do Banif quer a propósito da CGD, onde referiu a existência de “erros de percepção mútuos”. Galamba é o alvo em movimento, apetecível por ser combativo e desabrido e ter um “passado socrático”, mas Medina está na calha.

 

Já todos percebemos que a CPI sobre a TAP é a principal arma de arremesso e o local de escavação arqueológica preferido da oposição em busca de provas de um qualquer crime político. Até poderíamos ter uma remodelação substancial que em poucos dias o impacto mediático desta seria engolido pelo facto do dia da CPI. Ainda para mais com os mass media inclinados para a direita. É sintomático e irónico que a TVI/CNN Portugal pareça cada vez mais a Fox americana, pouco preocupada com o contraditório e tomando como virtuosa a versão de uma das partes, desde que ela contrarie o relato oficial. Neste caso, entre o assessor eco-friendly e o Governo “socialista” (palavra pronunciada com um esgar de asco ou um sorriso de desprezo) a Fox Portugal põe todas as suas fichas no Frederico.

 

Imagem: ISCTE/Expresso

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