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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

O MISTÉRIO DA FOLGA DESAPARECIDA

Novembro 27, 2022

J.J. Faria Santos

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Há poucas semanas o ciclo noticioso estava dominado pela existência de uma “folga orçamental”, sendo o Governo criticado por não aproveitar este facto para reforçar os apoios às famílias e os estímulos às empresas. A CIP – Confederação Empresarial de Portugal estimava em 6,8 mil milhões de euros o valor no final de 2022 referente à arrecadação de receita superior ao orçamentado. Em consequência, a associação empresarial defendia a descida do IRC e do IRS. Jornais de referência, canais de televisão e partidos da oposição glosaram o tema até à exaustão.

 

Esta semana a Comissão Europeia recomendou ao Governo português que assegurasse “uma política orçamental prudente”, dado que a necessidade de novas medidas de apoio para mitigar os preços elevados da energia, ou a continuação das já existentes, poderia redundar no incumprimento dos valores do défice e da dívida pública para 2023. Na verdade, os factores de instabilidade são tantos (Nouriel Roubini escreveu na Time que o “aumento da inflação pode não ser um fenómeno de curto prazo: a Grande Moderação das últimas três décadas pode ter terminado, e poderemos estar a entrar na nova era da Grande Instabilidade Estagflacionária.”) que não se pode considerar surpreendente esta exortação.

 

A circunstância de estarmos perante um cenário em que uma alegada folga orçamental se parece ter evaporado ou, em alternativa, ser insuficiente para alavancar novas medidas de combate à crise, mostra a futilidade e a falta de perspectiva de médio e longo prazo do debate público. Aquilo que para líderes de opinião, jornalistas económicos, associações empresariais, sindicatos e partidos da oposição era uma obsessão com o défice e a dívida não é suficientemente prudente para a Comissão Europeia. Conciliar o imperativo da redução da dívida com o bem-estar das famílias e a pujança das empresas equivale a fazer a quadratura do círculo, sobretudo num tempo regido pelo princípio da incerteza.

REALIDADE ALTERNATIVA E ALTERNÂNCIA

Outubro 09, 2022

J.J. Faria Santos

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O presidente da câmara de Lisboa fez um discurso de líder da oposição a pedir “audácia” e “vontade de mudança”, enquanto perorava que o que tornava a vida “insuportável” para os portugueses era (A inflação? As taxas de juro dos empréstimos? A escassez habitacional? Os rendimentos baixos?) “o jugo fiscal”. O Presidente da República, escassos meses depois das eleições legislativas e da tomada de posse do Governo, achou oportuno revelar ao país, para surpresa generalizada, que “nada é eterno em democracia” e que o “Presidente tem o poder de dissolver o Parlamento”, num discurso visto à direita, conforme declarações ao Expresso, como “errático” (Miguel Morgado) e “repetitivo e inconsequente” (Diogo Feio). O líder do PSD, reagindo a um discurso presidencial que alertava para os riscos da ascensão da extrema-direita e dos “apelos a regimes autocráticos”, vislumbrou nele um estímulo à “criação de alternativas”, mas sentiu a necessidade de se afastar de uma possível ligação ao Chega, “que não existe, é uma ficção”. Já o primeiro-ministro, com aquele seu ar que combina a estóica paciência de Buda com uma persistente poker face, não resistiu a afirmar que “O sr. Presidente da República deve expressar aquele que é em cada momento o sentimento do país, o sentimento da nação. Nós não falamos. Nós agimos, fazemos, resolvemos.”

 

No entretanto, o país envolveu-se numa discussão académica acerca da noção de conflito de interesses, a cavalo de uma sucessão de notícias onde o sensacionalismo e o sentido de oportunidade jornalística se sobrepuseram à relevância e à consistência. Regressou a clássica dicotomia legalidade/ética, com leituras maximalistas apaixonadas desta última, sem que se tenha tornado evidente a necessidade de uma leitura equilibrada de cada caso, onde acima de tudo se coloque a transparência e o escrutínio. Em última análise, uma visão absolutista do conflito de interesses poderia ferir liberdades e garantias consagradas no plano constitucional.

 

Por fim, ao nível económico-financeiro, prossegue a novela da “folga orçamental”. Parece-me evidente que numa conjuntura de inflação em níveis históricos, uma possível recessão no horizonte e uma guerra na Europa com impactos económicos tremendos, seria aconselhável prudência na gestão das finanças públicas, procurando um equilíbrio difícil entre a prossecução da consolidação orçamental, os estímulos à economia e a salvaguarda do Estado social. Num país cuja dívida pública ronda os 120%, e cujo juro médio de emissão da mesma subiu de 0,6 % em 2021 para 1,3% este ano (e que já pagou 2,754% na última colocação de dívida a 10 anos), falar em “folga orçamental” é um erro de paralaxe. Convinha que no afã de mostrar apego e entusiasmo às inegáveis virtudes da alternância, políticos, jornalistas e comentadores evitassem cair numa realidade alternativa onde a semelhança com a ficção não é pura coincidência.

 

Imagem: Miguel Figueiredo Lopes/Presidência (sol.sapo.pt)

O SUSTENTO E A SUSTENTABILIDADE

Setembro 11, 2022

J.J. Faria Santos

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A opção do Governo de atribuir o equivalente a meia pensão extra em Outubro de 2022 e incrementar as pensões em Janeiro de 2023 entre 3,53%  e 4,43%  equivale ao disposto na lei em vigor, mas terá como consequência  a redução do aumento a ocorrer em 2024. Considerar que em 2024 haverá um “corte” é enganador, no sentido em que induz a ideia de que um reformado irá receber em Janeiro de 2024 um valor inferior ao de Dezembro de 2023, o que, à luz dos factos que hoje conhecemos, não corresponde à realidade. Corte entre os 3,5% e os 10% foi o que sucedeu, por exemplo, em Janeiro de 2013 com as pensões de valor superior a 1 350 €. E em 2014, o corte de 3,5% passou a abranger as pensões de valor superior a 1 000 €.

 

A própria lei que enquadra a actualização das pensões não foi sempre aplicada, tendo sido suspensa em 2009 e durante a troika. E em períodos de inflação muito baixa foi complementada com aumentos extraordinários para garantir subidas mínimas de 10 €. Portanto, fazer simulações de perdas potenciais pela não aplicação da lei em 2014, não só é um exercício que implica alguma futurologia (desconhece-se se, até lá, o Governo fará algum aumento intercalar motivado pelo agravamento das condições sócio-económicas), como deve motivar o reconhecimento de que se no passado o Governo se tivesse limitado a aplicar estritamente a lei os aumentos actuais seriam feitos a partir de uma base menor.

 

Já para não falar no facto de as expectativas dos pensionistas terem de ser balanceadas com a questão da sustentabilidade da Segurança Social e com a conjuntura económica global. O próprio autor da lei, Vieira da Silva, afirmou ao Público que “temos de estar preparados para que, em situações de natureza excepcional, haja possibilidade de adaptar a fórmula”. A actual ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, defendeu no Fórum da TSF que a aplicação da actualização automática das pensões implicaria a perda de 13 anos na sustentabilidade da Segurança Social.

 

Uma última nota para evidenciar o meu espanto pela leviandade com que alguns políticos e sobretudos jornalistas especializados em economia e finanças aludem a “folgas orçamentais” e a “cofres cheios”. Um país com uma elevada dívida pública, uma pandemia ainda não debelada, uma guerra na Europa, a inflação a um nível que não se atingia desde 1992, exorbitantes preços da energia, o BCE a subir as taxas de juro, uma recessão na zona euro a adivinhar-se para 2023 e tudo o que figuras como o director do Expresso têm a dizer é: “Repito, há uma folga de €7 mil milhões, mas eles efectivamente devolvem às famílias €1,4 mil milhões. Quem é que acha que está então em primeiro lugar? As famílias ou os cofres do Estado?”. Sim, despejemos já sobre as famílias e as empresas os €7 mil milhões da “folga”, e se a situação se deteriorar até ao extremo das funções do Estado social se tornarem impraticáveis, recorreremos ao Ministério Privado da Racionalidade Económica e da Educação dos Pobres da Dra. Isabel Jonet.

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