O ESTEVES JÁ NÃO ESTÁ
Setembro 17, 2023
J.J. Faria Santos
É possível que a melhor chave para a compreensão do caso Lemos Esteves esteja nesta declaração que Pacheco Pereira fez ao Público: “Parto do princípio de que uma pessoa que é professor de Direito sabe o que é crime e que a Universidade de Lisboa não contrata pessoas para dar aulas que não estejam em pleno uso das suas faculdades”. A sugestão de que aquele que foi catalogado por Marcelo Rebelo de Sousa de “génio do comentário político” e que alegou estar a ser perseguido pelo SIS possa estar no limite da sanidade mental pode ser mais do que um artifício de retórica.
“Comentador político desde os 14 anos”, colaborou num blogue do Expresso e com o jornal Sol, onde em Janeiro de 2020 qualificava Donald Trump como “o melhor amigo da LIBERDADE e da democracia”, antes de se embrenhar numa espiral conspiracionista, que inclui sites de propaganda e de desinformação, e que culminou num descabelado ataque a Pacheco Pereira, em artigo pejado de mentiras, o que lhe valeu uma acusação de calúnia e o forçou a admitir o recurso a “fontes falsas” e a comprometer-se a pagar uma indemnização de 10 000 €.
Consta que Lemos Esteves idolatrava Marcelo, o qual, segundo testemunhos na rede X (ex-Twitter) tanto o “promovia como humilhava”, tendo chegado a referir-se a ele como “aquele assistente com ar cadavérico”. Assistente universitário e blogger de jornal de referência, é admissível que, jovem e impressionável, se tenha sentido a caminho do topo do mundo e que a frustração das expectativas o tenha levado a enveredar por uma frenética actividade conspiratória onde se sentiria validado pelos excêntricos e ressentidos pares. E não é de descartar que a militância numa realidade virtual alternativa se tivesse misturado com uma espécie de delírio de grandeza. Que tivesse arrolado como testemunhas de defesa no processo que Pacheco Pereira lhe moveu Marcelo e o director do Sol ainda se pode perceber, mas como interpretar a presença na lista de nomes como o ex-director da CIA Mike Pompeo ou Donald Trump?
Não é claro se o homem que à Visão revelou ter recebido “a visita de um ‘enviado da Presidência do Conselho de Ministros’ na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, para negociar uma ‘vida tranquila’ em troca do meu silêncio sobre a atividade da Rússia, da China e do Irão no Portugal de Costa… se não, sofreria consequências” continua a dar aulas. Ao Público, instigado a explicar como irá dar “máxima publicidade” ao desmentido das falsidades que escreveu, o jurista desabafou: “Já não escrevo, eu agora não escrevo.” Como se se lamentasse, à la Bocage: “Já Lemos Esteves não sou!...À cova escura / Meu estro vai parar desfeito em vento…” Foi-se a inspiração e só restou a conspiração.
Foto: Matilde Fieschi (publico.pt)