ABRIL EM PORTUGAL
Abril 24, 2022
J.J. Faria Santos
Era o Estado Novo. “Sim, isto é um Estado Novo / Pois é um estado de coisas / Que nunca se viu”, sentenciou Fernando Pessoa em 1935. E prosseguia: “Em tudo paira a alegria / E, de tão íntima que é, / Como Deus na teologia / Ela existe em toda a parte / E em parte alguma se vê.” Era, pois, um regime sombrio, mesquinho e castrador, dirigido por um “cadáver emotivo, artificialmente galvanizado por uma propaganda”, Salazar, de quem o poeta diz que “bebe a verdade / E a liberdade, / E com tal agrado / Que já começam / A escassear no mercado.”
Já não foi Salazar a ser deposto (apesar da simbólica fotografia em que um soldado retira da parede o quadro do ditador). Foi Marcello Caetano que foi evacuado num blindado para o Quartel da Pontinha, debaixo dos apupos da população. Era o corte definitivo com um modo de vida onde, citando o historiador António Reis, “rara era a família que não tinha alguém a combater em Africa, o serviço militar durava quatro anos, a expressão pública de opiniões contra o regime e contra a guerra era severamente reprimida pelos aparelhos censório e policial, os partidos e os movimentos políticos se encontravam proibidos, as prisões políticas cheias, os líderes oposicionistas exilados, os sindicatos fortemente controlados, a greve interdita, o despedimento facilitado, a vida cultural apertadamente vigiada”.
Com o 25de Abril de 1974 desapareceu um regime que depois do adeus não deixou saudades, apesar de ter deixado saudosistas. E abriram-se novos horizontes, sem fronteiras físicas nem constrangimentos mentais ou culturais, para um povo que se apropriou da liberdade e jamais prescindiu dela. E o povo é quem mais ordena, mesmo (ou sobretudo) quando escolhe a desordem.
Imagem: www.cd25a.uc.pt