O MINISTÉRIO PÚBLICO E A PROCURA ACTIVA DO CONHECIMENTO FORTUITO
Junho 23, 2024
J.J. Faria Santos
A procuradora-geral da República, com aquela determinação, presteza, sentido de responsabilidade e apego ao rigoroso cumprimento da legalidade que se lhe conhece, abriu um inquérito à violação do segredo de justiça, consubstanciada no acesso concedido à CNN Portugal de “todas as conversas e detalhes que constam dos 21 volumes e 16 apensos da Operação Influencer”.
A origem deste rigoroso exclusivo Ministério Público/CNN Portugal/TVI, tendo em conta que, segundo o jornal Expresso, “os arguidos do processo, incluindo o ex-ministro João Galamba, estão há cinco meses sem fazer uma consulta actualizada aos autos e continuam sem ter acesso às gravações telefónicas de que foram alvo ao longo de quatro anos”, só pode ser assacada ao órgão titular da acção penal, o que lhe confere, objectivamente, o estatuto de fora-da-lei. Já não bastavam as escutas non-stop plurianuais, a guarda de escutas criminalmente irrelevantes à espera de melhor oportunidade, as ilações abstrusas e a presunção de culpabilidade da classe política.
Parece que o motivo pelo qual se mantêm escutas telefónicas sobre matérias estranhas a determinado processo se deve aos “conhecimentos fortuitos”, não relacionados, por conseguinte, com o que está a ser investigado, mas susceptíveis de originarem novos inquéritos. Eu diria que as escutas non-stop plurianuais configuram uma procura activa do conhecimento fortuito. Por outro lado, para o Supremo Tribunal, a jurisprudência prevalecente é a de que só se destroem escutas que digam respeito a segredos de Estado. O resto é para preservar, de forma a manter em sentido uma classe vista como propensa a controlar o poder judicial e a sucumbir às mordomias que a corrupção proporciona.
O mais recente desempenho do Ministério Público tem sido objecto de severas e merecidas críticas, com alusões a processos kafkianos, julgamentos políticos, “vigilância própria de um estado policial”, “autonomia que ronda a arbitrariedade” e “violação das regras básicas do Estado de Direito Democrático, com envolvimento e participação de responsáveis dos sectores da justiça e da comunicação social”.
Lucília Gago justificou a existência de um certo parágrafo por uma “necessidade de transparência” (e por interpostas “fontes judiciais” fez questão de esclarecer que temia que o MP viesse a ser mais tarde acusado de proteger o primeiro-ministro). Aplicando o mesmo raciocínio, espero que o inquérito agora aberto à violação do segredo de justiça obedeça à celeridade das conclusões, bem como nas sanções que sejam de aplicar, e à transparência na sua comunicação. A “costumada justiça” já não nos serve. Doutra forma, perceberemos que a PGR só está preocupada em proteger o MP e, de caminho, com o seu irresponsável silêncio, assiste impávida à implosão do Estado de direito.