O DISSOLVENTE
Setembro 22, 2024
J.J. Faria Santos
Esta semana uma mudança tectónica ocorreu no complexo mediático-comunicacional de Belém: a troca de um jornal de referência por um tablóide na função de órgão de comunicação oficioso. O procedimento foi o usual: uma “fonte de Belém” jorrou ao Correio da Manhã que o Presidente convocará eleições se o Orçamento do Estado para 2025 for chumbado. É certo que a revelação, aparentemente, não proveio do próprio, mas se, digamos, um secretário de Estado é responsável pelas acções da sua secretária, o mesmo se aplica a esta situação, presumindo-se que um funcionário da Presidência não ande a divulgar informação sensível à revelia do supremo magistrado da nação. Acresce que, tendo em conta o “cadastro” de Marcelo na matéria, não é de afastar que tenha sido o próprio a promover a cacha, tornando-se irresistível rememorar as palavras que o mesmo pronunciou em Novembro de 2026: “a única fonte de Belém sou eu, é o Presidente”.
Marcelo estará preocupado com o efeito que a inexistência de orçamento aprovado terá no rating da República e nos pagamentos do PRR. Se a ameaça de convocar eleições é mais um recurso de alta pressão do que uma profissão de fé nas virtudes da “devolução da palavra ao povo” é o que resta para ver. O político que afirmou, na altura da demissão de Pedro Nuno Santos enquanto ministro da Infra-Estruturas, que “não podemos ter eleições todos os anos” e que o “experimentalismo não é a coisa melhor para a saúde das democracias” (citando uma conjuntura marcada por uma guerra, uma crise económica e financeira e um governo eleito há menos de um ano), é o mesmo que não muito tempo depois proclamava alegremente que “sem dramatizações, nem temores [era] preciso dar a palavra ao povo” para que do sufrágio resultasse um Governo que garantisse “estabilidade”. A única “estabilidade” discernível, tirando o facto de o orçamento ser o mesmo, é que passámos de um executivo com maioria absoluta no Parlamento para um outro que governa como se a tivesse.
Como impenitente homem de fé, Marcelo acreditava, há cerca de duas semanas, que iria “haver uma boa vontade grande para poupar o país a experiências de crise política”. Não sabemos se agora estará a passar por uma crise de fé, se deplora a arrogância delirante do primeiro-ministro pouco propícia à negociação ou se sente o apelo irresistível da dissolução. (Veremos que consistência terão as palavras do ministro dos Assuntos Parlamentares, invocando disponibilidade e interesse em “conversar, em negociar e em ceder onde for preciso ceder” para que o OE seja aprovado.)
Numa manobra enquadrável no estilo glutão de cobrir todos os ângulos (não confundir com a síndrome de cata-vento diagnosticada pelo Dr. Passos Coelho), a fonte de Belém teve mais uma aparição inesperada, desta vez no Observador (o enclave da direita radical versão elitista) para garantir que o Presidente acreditava na viabilização do Orçamento do Estado, mas não afastava a hipótese de eleições antecipadas.
Em Abril deste ano, Marcelo explicou que a dissolução "era um sonho antigo da direita portuguesa, desde 2016, mas só se concretizou porque houve essas duas ocasiões que se somaram: um processo que ninguém esperava nem imaginava e a demissão de primeiro-ministro e secretário-geral do PS". As “ocasiões” fizeram a demissão, mas falta uma nesta análise e essa “ocasião” oculta é evidente: um Presidente demasiado empolgado em evocar o seu poder de usar a “bomba atómica” e com tiques de trigger-happy. Dá-se o caso feliz de a arma no arsenal do Dissolvente ser política e não militar.