ALÍVIO CÓMICO (LUÍS GOMEZ FT ANA RITA CAVACO)
Abril 16, 2023
J.J. Faria Santos
Uma guerra na Europa, uma inflação persistente, um Governo acossado, uma oposição em tumulto, um Presidente hiperactivo e omnipresente, e uma comunicação social habitada por comentadores à beira da histeria e sem esconderem a sua agenda. Fazia falta o alívio cómico para quebrar a tensão. É certo que já tínhamos assistido ao João Miguel Tavares a defender que o PS é mais perigoso que o Chega e à indignação da Sandra Felgueiras perante o sensacionalismo e o populismo, mas, nestes casos, o efeito-surpresa foi tal que diluiu o potencial humorístico das afirmações.
A entrada em cena de Luís Gomes (Luís Gomez para o star system luso), deputado do PSD e professor universitário, e Ana Rita Cavaco, militante do mesmo partido e bastonária da Ordem dos Enfermeiros, fez-se com a divulgação no YouTube do novo single do também cantor, “Leva-me contigo”, onde Cavaco é o seu par romântico. O tema é uma balada apimbalhada, cantada num tom vagamente sussurrado que pretende ser emotivo e com uma expressão facial entre o doloroso e o suplicante. Ana Rita representa sobretudo com o cabelo, ora escondendo nele o rosto ora trespassando-o com os dedos nos momentos de maior transe emocional. Tem direito a planos com vestuário esvoaçante à beira-mar e até arrisca uma pirueta nos braços do Luís, manobra para a qual a prática política e sindical a terá deixado minimamente habilitada.
Não faltam sequências a preto-e-branco, um piscar de olhos a uma estética retro, e versos epigramáticos de uma simplicidade desarmante (“Somos como somos / E a vida é como é”). E se a dado momento, a preto-e-branco e em câmara lenta (recursos a duplicar para sublinhar o significado), Luís atira o casaco ao chão, é certo que jamais atirará a toalha, porque, como ele canta, “Chegaremos juntos ao final do caminho / É nosso destino.” E com esta invocação do destino, plangente e fatalista, com o seu quê de esperançoso, reconciliamo-nos com o cantor, com a guest star e com a portugalidade, sendo que, como disse Eduardo Lourenço, “mais importante que o destino é a viagem”.