Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

ALÍVIO CÓMICO (LUÍS GOMEZ FT ANA RITA CAVACO)

Abril 16, 2023

J.J. Faria Santos

20230415_181359.jpg

Uma guerra na Europa, uma inflação persistente, um Governo acossado, uma oposição em tumulto, um Presidente hiperactivo e omnipresente, e uma comunicação social habitada por comentadores à beira da histeria e sem esconderem a sua agenda. Fazia falta o alívio cómico para quebrar a tensão. É certo que já tínhamos assistido ao João Miguel Tavares a defender que o PS é mais perigoso que o Chega e à indignação da Sandra Felgueiras perante o sensacionalismo e o populismo, mas, nestes casos, o efeito-surpresa foi tal que diluiu o potencial humorístico das afirmações.

 

A entrada em cena de Luís Gomes (Luís Gomez para o star system luso), deputado do PSD e professor universitário, e Ana Rita Cavaco, militante do mesmo partido e bastonária da Ordem dos Enfermeiros, fez-se com a divulgação no YouTube do novo single do também cantor, “Leva-me contigo”, onde Cavaco é o seu par romântico. O tema é uma balada apimbalhada, cantada num tom vagamente sussurrado que pretende ser emotivo e com uma expressão facial entre o doloroso e o suplicante. Ana Rita representa sobretudo com o cabelo, ora escondendo nele o rosto ora trespassando-o com os dedos nos momentos de maior transe emocional. Tem direito a planos com vestuário esvoaçante à beira-mar e até arrisca uma pirueta nos braços do Luís, manobra para a qual a prática política e sindical a terá deixado minimamente habilitada.

 

Não faltam sequências a preto-e-branco, um piscar de olhos a uma estética retro, e versos epigramáticos de uma simplicidade desarmante (“Somos como somos / E a vida é como é”). E se a dado momento, a preto-e-branco e em câmara lenta (recursos a duplicar para sublinhar o significado), Luís atira o casaco ao chão, é certo que jamais atirará a toalha, porque, como ele canta, “Chegaremos juntos ao final do caminho / É nosso destino.” E com esta invocação do destino, plangente e fatalista, com o seu quê de esperançoso, reconciliamo-nos com o cantor, com a guest star e com a portugalidade, sendo que, como disse Eduardo Lourenço, “mais importante que o destino é a viagem”.

 

EDUARDO LOURENÇO (1923-2020) EM DISCURSO DIRECTO

Dezembro 01, 2020

J.J. Faria Santos

edu-lou.jpg

“Devemos falar de nós como se estivéssemos mortos. Para ter a sorte de algum dia parecermos vivos. Ao menos por comparação com essa morte que nunca contemplaremos. Se a contemplássemos saberíamos então o que é mesmo estar morto. Mas mesmo então não saberíamos o que é ser morto.” (2000)

 

“A mais alta forma de caridade é aceitar a nossa morte porque os outros que nós amamos também morreram.” (2003)

 

“Mesmo entregas de prémios, homenagens, cenas assim, criam-me um enorme stress. Depois de uma delas, das primeiras, estive seis meses sem escrever uma linha. Foi como se tivesse assistido ao meu próprio enterro.” (2003)

 

“Tudo quanto toquei me formou e deformou. Como um búzio desejei guardar o mar dentro de mim.” (1953)

 

“Reveladoras são as nossas atitudes face ao imprevisto permanente que é o mundo e os outros para nós. São os outros quem nos conhece. Ou, pelo menos, são a ponte de passagem para o nosso conhecimento: a ocasião de uma revelação.” (1952)

 

“É fácil escrever sobre o Diabo. É sempre um texto autobiográfico.” (2001)

 

“Entramos na idade da Internet. Próxima etapa: falar directamente com Deus. O que nós fazemos desde que falamos.” (2003)

 

“Nós temos alguns momentos shakespearianos na nossa história, mas alguém tapou esses buracos todos. Não há conflito. Há passividade.” (2010)

 

“De regresso de um passeio breve abro a cancela do jardim e deparo comigo absorto diante do cipreste que projecta a magra sombra no branco da casa. Assim, distraído de mim, no intervalo de nada, descobri num segundo que são as coisas que nos amam e não o contrário. Em silêncio amparam-nos por existir sem ter existência e esta calada vida é um olhar pousado sobre nós. Um aceno sem olhos, um abraço sem mãos. De quem?” (1991)

 

Fontes: Público, edições de 21/04/1996, 11/11/2000, 26/05/2001 e 26/05/2003; Visão de 22/05/2003; Expresso de 30/12/2010.

Imagem: Pormenor de fotografia de Rui Gaudêncio

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2012
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2011
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub