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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

UM CADASTRADO À PROVA DE BALA

Julho 21, 2024

J.J. Faria Santos

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In God we trust, escarrapacham os americanos nas notas de dólar. E podem confiar nos seus profetas e prosélitos? Onde acaba o interesse pessoal e começa o fervor pelo bem-estar comunitário e o desejo de expansão da fé e da vivência religiosa? Onde termina a genuína expressão da crença e começa a manipulação? Trump sentiu-se seguro após o silvo da bala lhe ter murmurado ameaças ao ouvido porque “tinha Deus a meu lado”. Homens de pouca fé logo trataram de censurar a negligência divina por não ter salvado o bombeiro que também fora atingido, mas podemos sempre supor que o  acesso à salvação se reja por uma espécie de numerus clausus: entre um meritório e compassivo soldado da paz e um candidato a Presidente que promete acabar com a guerra da Ucrânia num dia e reabilitar o sonho americano, quem é que Deus haveria de escolher?

 

A provável vitória de Trump anuncia o triunfo de uma autocracia com laivos de teocracia. Agora sim, vem aí a “carnificina americana”, despedaçando o Estado de direito, a separação de poderes e até os direitos individuais. A terra dos bravos ameaça transtornar o lar dos livres. “Todos os homens e mulheres esquecidos, que foram negligenciados, abandonados e deixados para trás, não serão esquecidos nunca mais”, prometeu o candidato em registo épico. Agora que provou ser feito da matéria dos mitos e dos predestinados, Trump insta os descamisados a não chorarem por ele, porque nunca os abandonará. Nada o deterá. O homem que se portou como um ditador sul-americano, do género dos que desprezam os resultados eleitorais e promovem sublevações sangrentas, milionário de cartoon com pose de wrestler, é agora o futuro do sonho americano. Um futuro em que a democracia americana corre o risco de se assemelhar ao WWE, isto é, uma espécie de campeonato de luta profissional, um entretenimento com protagonistas estilo Marvel, envolvidos em confrontos de resultado combinado. Poderá ser empolgante, para quem apreciar o estilo, mas já não será uma democracia plena.

O RETRATO DE MELANIA TRUMP

Outubro 04, 2020

J.J. Faria Santos

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Consta que Melania não suporta Ivanka. E vice-versa. Referir-se-á à enteada com o epíteto desdenhoso de “a princesa”, a qual retribuirá na mesma moeda, apelidando a madrasta de “o retrato”. Retrato, porquê? Porque ela raramente fala. Bom, o silêncio pode ser eloquente. Mesmo que revele somente frivolidade, desinteresse ou um exacerbado sentido de autopreservação. Podemos sempre adicionar o factor decorativo (correndo o risco de engrossar as fileiras do patriarcado repressor e condescendente), mas a verdade é que a senhora Trump nunca mostrou na defesa das causas típicas de uma primeira-dama o empenho que devota à preservação da sua beleza ou à divulgação dos seus fashion statements. A sua figura pública (algures entre a coreografia do poder e o reality show televisivo) semeia, ocasionalmente, sinais de desobediência e rebeldia (um esgar irritado aqui, uma mão recusada ali…), mas tudo pode não passar de um pouco subtil esquema de negociação de privilégios matrimoniais num casamento atípico. Não seria surpreendente que, a destoar da sua beleza exótica, e tal como Dorian Gray, Melania mantivesse escondido num quarto desabitado um quadro que espelhasse a sua mesquinhez interior, onde, para citar Oscar Wilde, “a lepra do pecado devorava lentamente o rosto”.

 

E que comportamentos ou afirmações censuráveis podem ser atribuídos a Melania? Kali Holloway, num artigo para o Daily Beast em meados de Setembro, defendeu que a maneira como ela mente profusamente é a prova da sua semelhança de carácter com Donald, definindo ambos como “centrados nos seus interesses, fabulistas com a mania das grandezas, espalhando falsidades de cada vez que abrem a boca”. Segundo ela, Melania mentiu sobre uma miríade de assuntos, desde as suas habilitações literárias (não se licenciou, ficando-se pela frequência do 1º ano) à quantidade de línguas que fala (supostamente 6, mas ninguém a terá ouvido exprimir-se além do esloveno e do inglês), passando pela sua idade e pelas cirurgias plásticas. Holloway acusa-a de cumplicidade com o marido, ao desvalorizar ou ignorar em Donald o “mulherengo em série, mas também o predador sexual, a mentira patológica e o racismo virulento”.

 

Se Donald tem uma visão transaccional da actividade política, onde o que prevalece é a afirmação do poder e a capacidade de negociação, pode-se dizer o mesmo da primeira-dama, ou não tivesse ela aproveitado o início do mandato presidencial para renegociar o acordo pré-nupcial. E quando em 2015 lhe perguntaram se teria casado com ele se ele não fosse rico, a resposta surgiu sob a forma de outra pergunta: “Se eu não fosse bonita, acha que ele ficaria comigo?” É caso para dizer, parodiando de forma não particularmente original um standard do cancioneiro americano, The Lady is a Trump. Como também nota Kali Holloway, num momento de “transparência acidental”, Melania revelou encarar a sua condição de primeira-dama como uma oportunidade única de lançar “uma marca comercial de base ampla numa múltipla categoria de produtos”. Do mesmo modo que os concorrentes de um reality show amealham reconhecimento e popularidade que depois capitalizam em “presenças” em eventos e outros proventos comerciais, Melania Trump (à semelhança do resto da família, diga-se) viu no mandato do marido sobretudo um gigantesco golpe publicitário. Resta-nos admitir que para presenças em eventos, nada melhor do que um retrato.  

 

Imagem: Wikimedia Commons

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