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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

IN DUBIO PRO MAGISTER

Outubro 08, 2023

J.J. Faria Santos

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Tinha “muitas dúvidas”. Tinha a preocupação orçamental com as “condições financeiras” (chegou a alegar um “impacto financeiro muito grande”). Tinha ainda o escrúpulo de destacar que o “princípio basilar da política remuneratória da Administração Pública é que haja equidade e igualdade”. Em entrevista ao programa Negócios da Semana, em Fevereiro, Luís Montenegro fez mesmo questão de afirmar o seguinte: “Com toda a franqueza. Tem que se falar a verdade. Aqueles que aspiram a ser governantes, como é o meu caso, têm que dizer a verdade das coisas. Não há condições financeiras, apesar de não ter as contas todas." Tinha dúvidas e já não tem. Não tinha as contas todas e continua a não ter. 

 

Dados do Ministério das Finanças estimam que o descongelamento de 2 anos, 9 meses e 18 dias têm um impacto anual na despesa permanente do Estado de 244 milhões de euros. Descongelar 6 anos, 6 meses e 23 dias teria um impacto adicional de 331 milhões anuais. Em resposta ao Polígrafo, o Ministério das Finanças (MF) referiu que “o impacto na despesa estrutural permanente anual com salários da carreira docente atingiria os 635 milhões de euros em 2023 e os 750 milhões de euros em 2025, se consideradas todas as medidas propostas pelos sindicatos”. O MF recordou ainda que a recuperação integral do tempo das restantes carreiras acarretaria, obviamente, um custo adicional, estimado em 2019 em cerca de 200 milhões de euros.

 

O dirigente do PSD Pedro Duarte assegurou ao Público que o partido tem “dados” que compatibilizam esta mudança de opinião com a gestão “prudente das contas públicas”, mas, não obstante, “vai querer apurar, com todo o rigor, o impacto financeiro” do que propõe, ou seja, segundo o próprio Montenegro, “a recuperação do tempo de serviço perdido em cinco anos consecutivos, à razão de 20% do tempo total em cada um desses anos”. Montenegro queixa-se, em artigo no Público, da “falta de transparência do Governo”, mas com base no que ouviu de representantes dos professores e “atendendo a alguns indícios alegadamente avançados pelo Governo” (formulação arrevesada) sugere um impacto de “250 a 300 milhões”. Dias antes tinha anunciado ir solicitar à UTAO o cálculo do valor exacto.

 

O líder do partido do criador (em todos os sentidos) do “monstro” da despesa pública permanente já não vislumbra um impacto “muito grande”. A equidade já não encaixa na presente estratégia e a verdade em política é um processo em curso. Carlos Moedas acelera para a pole position dos putativos sucessores de Montenegro, Passos Coelho diz estar “na reserva”, o PSD não descola nas sondagens e as eleições europeias estão à porta. Mas pode ser, sejamos ingénuos, que a mudança de posição do líder do PSD possa ser explicada pelo que ele escreveu na primeira frase do artigo no Público: “Cresci numa família de professores e, desde cedo, testemunhei a dedicação e o empenho com que tantos entregam uma parte significativa da sua vida à educação e ao ensino.”  In dubio pro magister. Tratar-se-ia, pois, de uma questão de gratidão, uma qualidade (e um sentimento) notoriamente alheia à prática política.

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