O CORNO
Agosto 13, 2023
J.J. Faria Santos
Apelidar alguém de corno é um dos insultos predilectos das redes sociais. Pior do que ser corno, na sua beatífica e patética ignorância, é ser corno manso, conivente por omissão, paralisado pelo estupor de um amor traído que se recusa a abandonar o coração solitário caçador cujo território foi subitamente invadido por um predador furtivo. O risco de o corno se passar dos cornos é significativamente mais elevado no corno bravo, que pode muito bem (muito mal!) enfiar um murro nos cornos que a traidora (ou o traidor) não tem e metaforicamente lhe pôs. Nestas circunstâncias, a vingança serve-se quente e a ideia da represália entra-lhe de imediato na cornadura, pelo que o risco da materialização de uma tragédia é gritante. Por contraste absoluto, existe também o chamado corno ateu, criatura enganada, mas que, obnubilada pela fé na fidelidade da parceira (ou do parceiro), simplesmente não acredita em tal perfídia. Neste caso, é a ausência de fé que salva.
Por que razão corno é um insulto avassalador? Independentemente do chavão “ninguém é de ninguém” e da proliferação de relações de geometria variável, continua válida a ideia de que um relacionamento é regulado por uma espécie de “contrato” implícito, que rege o investimento emocional, com cláusulas com penalizações que visam assegurar um mínimo de segurança e estabilidade. Os contratos quebram-se, claro, mas o que é insuportável para o corno, talvez mais que o opróbrio público (cada vez mais público e em mais plataformas), é a cobardia do subterfúgio que o(a) traidor(a) usa para não ser apanhado(a), muitas vezes até com o piedoso intuito de não causar sofrimento ao encornado. O pior, o mais devastador, é o golpe contra o amor-próprio. É ser tratado como um produto, em risco de devolução depois da embalagem violada, por falta de qualidade ou aproximação do fim do prazo de validade.
O estatuto de corno pode ser, ao mesmo tempo, um violento ataque ao patriarcado, uma manifestação de empoderamento feminista e uma consequência do darwinismo amoroso. Em abono do corno, é importante que se diga que a sua condição não depende exclusivamente das suas competências enquanto sujeito afectivo ou da sua inteligência emocional. Como nos ensinou Amy Winehouse, o amor é um jogo de perdedores. E mesmo para os sortudos a winning streak pode ser interrompida. É que na mesa de jogo sentam-se, mais do que adversários concorrentes, criaturas complexificadas pela sua irredutível humanidade. Criaturas complexas e voláteis, portanto. O que num dia é um gosto rapidamente se transforma num desgosto. E numa dor de corno.
Foto: wikimedia commons/Jebulon