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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

E SE O CÃO DE GUARDA SE TRANSFORMA NUM CÃO DE ATAQUE?

Janeiro 21, 2023

J.J. Faria Santos

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“Espero bem que, quer os protagonistas políticos, quer os órgãos de comunicação social continuem a pugnar pela preservação [da presunção da inocência], porque, caso contrário, temos em crise todo o nosso regime”, respondeu o assertivo político entrevistado pelo Público. E, mais adiante, confrontado com acusações que não redundam em condenações, teorizou: “Há uma chuva de denúncias anónimas sobre políticos. É uma forma de recreio de algumas pessoas. É obrigação do Ministério Público promover a investigação. Só que às vezes criam um dano de imagem que é quase irrecuperável.”

 

Poder-se-ia supor que, atendendo à conjuntura política actual, estes considerandos partiriam de um dirigente do PS. Não é o caso. Hugo Soares, secretário-geral do PSD, emitiu estas opiniões na mesma entrevista em que defendeu que “anda toda a gente atrás do PSD e de um deputado que nem foi constituído arguido”, e garantiu que nada nos “ajustes directos no exercício da profissão de advogado de Luís Montenegro o diminui, nem ética, nem jurídica, nem politicamente”.

 

Se o Governo se viu assolado por uma série inédita de demissões, e pelo questionamento da legalidade ou do acerto político de nomeações e decisões, também é líquido que no maior partido de oposição diversas peças se parecem mover no cerco a Montenegro. O que explica a reacção acossada de Hugo Soares e declarações de outros dirigentes do partido, que parecem não perceber que, para o bem e para o mal, as circunstâncias que envolveram a contratação de Joaquim Morão pela Câmara de Lisboa não são diferentes das que rodearam os ajustes directos obtidos pela sociedade Sousa Pinheiro & Montenegro, nomeadamente com a Câmara de Espinho. É provável ou possível, que, quer num caso quer noutro, a legalidade não tenha sido ferida, mas há implicações éticas e de mérito que podem ser equacionadas, mesmo que se defenda que um correligionário político, na posse de qualificações e experiência, não possa por isso ser discriminado.

 

Thomas Jefferson disse que “se tivesse de escolher entre governo sem jornais e jornais sem governo, não hesitaria em escolher esta última”. O jornalista enquanto public watchdog da verdade e da transparência é essencial para a integridade da democracia, mas o que sucede quando o watchdog se transmuta num attack dog? Nos últimos tempos tem sido penoso, entre nós, assistir à deriva tablóide dos espaços de informação, com pivôs consagrados a alinhar na exploração sensacionalista de “casos”, sacrificando o rigor dos factos e o enquadramento sóbrio à sôfrega disputa do share, e líderes de opinião e comentadores a cavalgarem despudoradamente o “ar do tempo”, reagindo em tempo real sem ponderação nem distanciamento, apostando no julgamento instantâneo.

 

É aliás sintomático que as duas assinaturas televisivas de comentário alargado, em sinal aberto, tenham sido atribuídas a políticos profissionais em pousio, Paulo Portas e Marques Mendes, de filiação partidária inequívoca na margem direita. O primeiro tem um historial de colocar um jornal (O Independente) ao serviço da sua estratégia política pessoal e o segundo foi repetidamente associado a manipulação de alinhamentos de telejornais quando exercia um cargo governamental. Não sei se o que os recomenda para o exercício desta tarefa é este seu historial, se a sua cor política, se a sua queda para o infotainment com gestos histriónicos (Mendes) ou o perpétuo ar de gravitas (Portas). Putativos candidatos à Presidência da República a servirem ao povo um digest informativo com um filtro ideológico e motivações dúbias.

 

Na coligação informal e heterodoxa entre a comunicação social e o Ministério Público, o veredicto é sempre a condenação: se a implicação não é legal é ética, e se não é ética é política. Se o cão de guarda, aliciado por guloseimas, vira cão de ataque, podemos confiar nele para ajudar a preservar a democracia?

 

Foto: Josh Plueger (wikimedia commons)

AS TIAS E OS BETOS CONTRA O ESTALINISMO

Janeiro 15, 2023

J.J. Faria Santos

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De todos os passos em falso do Governo nos últimos tempos, dados com uma determinação alucinada ou com uma displicência atroz, o caso de Carla Alves, secretária de Estado da Agricultura durante 24 horas, parece-me o mais insólito. A ideia de que alguém detentora de uma conta conjunta onde os montantes depositados foram largamente superiores aos rendimentos declarados, sem que para tal tenha adiantado uma explicação razoável, possua capacidade e autoridade para exercer um cargo político é simplesmente incompreensível.

 

A sucessão de erros e escolhas pouco avisadas feitas pelo Governo contribuíram para um desgaste acelerado, cavalgado pela oposição (o que é natural), subtilmente explorado pelo Presidente da República (o que não tem nada de surpreendente) e glosado até ao infinito pelos média. Neste último caso, quer seja por orientação editorial, por convicção, ou por submissão às condicionantes das audiências, houve pouca ênfase na exposição dos factos  e muito ruído sob a forma de proclamações definitivas do alto do trono da superioridade ética por parte dos comentadores. No seu artigo de ontem no Público, Pacheco Pereira acusou o Governo de ser “o primeiro dos reforçadores do populismo” por causa de “erros clamorosos e culpas sem responsáveis”, para depois se alongar numa crítica ao universo mediático, onde se destacam “os próceres da direita radical” com uma prática em que “há apenas uma constante que nada tem a ver com escrutínio, mas com o uso político da má-fé. Não é jornalismo, é propaganda política”. Esta semana foi noticiada, com destaque, a demissão de um assessor. Qualquer dia, despede-se do gabinete do primeiro-ministro um funcionário do apoio técnico-administrativo ou do pessoal auxiliar (sem desprimor para estas funções) e temos direito a uma “última hora” com a iminência da queda do Governo.

 

A escalada na contestação ao executivo socialista subiu mais um patamar com a excêntrica (ao nível dos argumentos e não só…) manifestação em frente à sede do PS. As tias e os betos (não sabemos se também os queques…) marcaram presença porque, citando uma entrevistada no Jornal da Noite da SIC, “hoje em dia estamos a ser policiados por um Estado corrupto. Um Estado que nos tolda a liberdade, nos tira todos os direitos e garantias. Nós estamos a entrar num estado socialista-‘stalinista.” A manifestação, convocada através de grupos de Whatsapp, teve como lema “socialismo out” e foi apresentada como apartidária. Só não se percebe é como é que ela se concretizou num Estado onde não existem direitos nem garantias. Devemos, certamente, dar graças pela existência da FLICA (Frente de Libertação de Cascais e Arredores).

NOTAS SOBRE A CRISE

Janeiro 08, 2023

J.J. Faria Santos

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Menos de um ano depois de dois milhões e trezentos mil eleitores terem ditado a vitória com maioria absoluta do PS nas eleições legislativas,  a crer nos protagonistas políticos e nas fontes luminosas que jorram para os jornais, o cenário actual é o seguinte: “um clima de dissolução ética”, um Presidente a fazer um ultimato sob a forma de um prazo de um ano para “salvar a legislatura”, um primeiro-ministro ora cansado ora indiferente, ora arrogante ora com medo do pedro-nunismo, o partido que suporta o Governo à beira da balcanização e o principal partido da oposição a convocar de urgência o Conselho Estratégico para tentar reverter o atestado de inutilidade que sucessivamente lhe têm passado.

 

É difícil perceber se a sucessão de casos, diferentes entre si, com implicações e gravidade distintas, como sempre tratados de forma amalgamada para potenciar o efeito de avalancha, se deveram à displicência, à inconsciência ou à soberba. Percebe-se mal que quem, como António Costa, tem fama de controlar tudo o que se passa no Governo se tenha deixado arrastar para esta sucessão de microrremodelações, a ponto de se ter colocado a extravagante hipótese da dissolução da AR.

 

A amplitude do descalabro é de monta, mas não necessariamente irreversível, e não pode ser julgado pela sôfrega cobertura jornalística e pelo discurso indignado e profusamente adjectivado dos comentadores. O insuspeito Pacheco Pereira, assinalando “os erros e asneiras consideráveis”  do Governo, escreveu no Público (edição de 31/12/2022): “Sejamos justos, há algum exagero, e uma ecologia venenosa de crítica à governação, sem paralelo nas últimas décadas, que vem mais da nova comunicação social da direita do que dos partidos da oposição que vão a reboque (…) Os media encontraram com facilidade razões para (…) conduzirem uma campanha de alcateia, nuns casos com razão, noutros sem razão nenhuma, mas o efeito de desgaste é o mesmo.”

 

Não tenho António Barreto como um acérrimo cultor da ironia. E também não o tenho na conta de ingénuo. Por isso, como interpretar o seu desconcertante artigo no Público de ontem, onde lamenta que estejam “toldadas as boas relações entre Marcelo e Costa”? Reparem neste extracto: “…desde sempre Marcelo Rebelo de Sousa decidiu utilizar o seu cargo para apoiar o Governo e o Parlamento. (…) Fê-lo sem reservas mentais, nem armadilhas. A ponto de ser corrente dizer que o Presidente apoia demais o Governo, em vez de o vigiar ou compensar!” Barreto, que defende que um presidente não é eleito para “vigiar, sabotar, contrapesar ou fiscalizar”, escreveu também, lá mais para o fim do seu artigo, que Marcelo “poderia ter incomodado o Governo e o PS, para ajudar o seu antigo partido, para simpatizar com a direita (sua origem política) e para favorecer novos agentes políticos. Não o fez. Por bondade ou circunstância, por necessidade ou dever. A verdade é que não o fez.”

 

Portanto, um Presidente omnipresente nos media, que se dedica com afinco a comentar todos os assuntos correntes da governação, que forçou a demissão de ministros e de secretários de Estado (umas vezes com sucesso, outras não tanto), actuando sempre no limite da ingerência, “decidiu utilizar o seu cargo para apoiar o Governo”. Concluamos então, partindo das palavras de Barreto que acima destaquei, que o Presidente não terá “favorecido” o PSD porque é uma autêntica Madre Teresa de Calcutá; porque demitir um Governo com maioria absoluta menos de um ano depois de ter tomado posse, sem motivo de força maior, é um absurdo; porque, como próprio admitiu, “não é certo que surgisse uma alternativa evidente e forte”; e ainda porque ele é, de novo citando as suas cristalinas palavras, “de uma estabilidade institucional total”.

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