NO CUME, CONFRONTADOS COM O ABISMO
Dezembro 04, 2022
J.J. Faria Santos
Num ensaio para a revista Time, Michelle Obama escreve a propósito da sua frase que defende que quando confrontados com um padrão rasteiro de discurso devemos manter um certo nível de argumentação (“When they go low, we go high”). Trata-se de um convite à ponderação e à reflexão, que não deve ser entendido como um convite para ser “complacente”, visto que não podemos estar ausentes da luta pela derrota da “opressão” e da “crueldade”. Porque “as emoções não são planos”, e “não resolvem os problemas nem corrigem o que está errado”, a ideia central na elevação da discussão é “resistir à tentação de participar com uma fúria superficial e um desprezo corrosivo”.
A questão fulcral é até que ponto conseguimos seguir esta linha de comportamento, sobretudo quando somos confrontados com a acção de detentores do poder que se empenham em discursos que fomentam o ódio e a divisão, ou patrocinam atrocidades inomináveis. Como manter a elevação perante aqueles que empurram a humanidade para o abismo? Os grandes dilemas surgem quando temos de negociar: quando, como e quanto ceder sem comprometer os nossos valores, sem alienar os adquiridos civilizacionais e os pressupostos fundamentais da arquitectura do convívio entre comunidades ou nações.
Sabemos que a grande vulnerabilidade das democracias é, graças a direitos como a liberdade de expressão, circulação e associação, poder conter em si o germe da sua própria fragilização e/ou destruição. E já se percebeu que a globalização, sobretudo “o livre fluxo do dinheiro potenciou a cleptocracia e a influência corrupta; o crescimento do comércio não tornou as ditaduras mais parecidas com as democracias”, como escreveu Peter Pomerantsev, também na Time. Ne verdade, acrescenta ele, “as ditaduras ganharam poder de influência sobre as democracias”.
No seu artigo, Pomerantsev reforça a necessidade de uma “regulação mais democrática da Internet”, o que entronca com um outro ponto de vista veiculado na revista, no caso por Roger McNamee, que aponta ao Twitter “prioridades e práticas empresariais que frequentemente minaram a democracia, a saúde pública e a segurança pública”. A questão é que, como o próprio McNamee refere, com menos “discurso de ódio, desinformação e teorias da conspiração”, o Twitter seria muito menos atractivo e geraria menos atenção e lucros. Um dia destes, Elon Musk é capaz de tuítar: When we go low, the atention and the profits go high.
Imagem: Wikimedia Commons