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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

O AGENTE EXEMPLAR E A CIDADÃ FURIBUNDA

Julho 07, 2024

J.J. Faria Santos

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Com deve actuar um agente exemplar perante um conflito entre uma cidadã e um motorista de autocarro? Se ela se recusar a ser identificada, há que imobilizá-la com firmeza, recorrendo a um mata-leão, sufocando-a e puxando-lhe o cabelo. Se necessário, que a cavalgue. Se for “um agente branco a algemar uma cidadã negra e a maioria das pessoas” nas redondezas for negra, não há que hesitar em recorrer à firme dissuasão: “levas um balázio” é uma expressão particularmente eficaz e recomendável perante gente que “não sabe as leis”. Adicionalmente, o agente exemplar deve seleccionar dois ou três destas testemunhas involuntárias e ordenar que as levem para a esquadra, onde seguindo rigorosos protocolos de comportamento e de legalidade, deve aplicar-lhes socos ou pontapés (menos agressivos ou potencialmente letais que o mata-leão – repare-se na salvaguarda da proporcionalidade), contribuindo para uma forte pedagogia de respeito pela autoridade e pela ordem, ao mesmo tempo que permite a descompressão do seu estado do tensão.  Quanto à cidadã furibunda, caso decida, como é comum nestes casos, atirar-se para o chão ou até sucumbir à cataplexia, donde pode resultar um “traumatismo cranioencefálico frontal” e uma “face deformada por hematomas extensos”, o recomendável é deixá-la sozinha, inanimada, no exterior da esquadra e chamar, compassivamente, os bombeiros.

 

A cidadã furibunda, incapaz de assegurar que a filha se munisse de um passe para poder utilizar um meio de transporte público, que “atemorizou o motorista” e “agrediu” e mordeu o agente exemplar, que utilizou uma “alopecia preexistente” para acusar este de lhe arrancar cabelo, e que “simulou um desfalecimento e ficou deitada no chão”, reclamou ter sido barbaramente agredida. Quando uma cidadã furibunda alega ter sido agredida por um agente exemplar com “socos na boca e na cara”, e insultada com expressões do género - “Grita agora, sua filha da puta, preta! Macacos, vocês são lixo, uma merda!” -, torna-se evidente, conforme jurisprudência sapientíssima do Tribunal de Sintra, que “se faz passar por vítima” para “obter uma choruda indemnização”, ao mesmo tempo que delega no “movimento anti-racista” o pagamento das despesas com a sua advogada. Trata-se, no fundo, como agora se diz, de monetizar a sua condição de pessoa racializada. O destempero, o descontrolo emocional, a agressividade, a falta de humildade e a arrogância de uma cidadã furibunda podem dar origem a uma análise equivocada que cai, como escreveu um reputado colunista no jornal Público, no “vício do racismo estrutural”, calamidade que só pode ser combatida com a sua integração no Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências.

 

Imagem: pormenor do jornal Público

O BOM IMIGRANTE E A FÚRIA DA MULHER NEGRA

Fevereiro 19, 2023

J.J. Faria Santos

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Há alturas em que os astros se alinham e todo o lixo cósmico se parece reunir num aterro na atmosfera politico-mediática. Em poucos dias, um emigrante foi selvaticamente agredido; Montenegro descobriu a nossa vocação para “arriscar procurar pelo mundo as comunidades que se possam integrar melhor na nossa cultura”; Moedas defendeu a definição de contingentes para a imigração;  um juiz superstar foi anunciado como testemunha abonatória de um agente policial (Carlos Canha) acusado pelo Ministério Público e pela juíza de instrução criminal de crimes de injúria agravada, de ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado e abuso de poder; e a vítima, Cláudia Simões, contra a qual foram inicialmente arquivadas as acusações, acaba, graças ao Tribunal da Relação, por ter de responder pelo crime de ofensa à integridade física qualificada de Canha. E para terminar em tom de comédia, dado o “cadastro” político do indivíduo, nada como André Ventura declarar, enfático, que “aqueles que defendem a expulsão de imigrantes por serem imigrantes nunca terão lugar no Chega”.

 

Logo que Marcelo, que considerou as declarações de Moedas “um erro” e as de Montenegro “imprudentes”, veio a público assinalar que “a cópia perde sempre para o original”, o líder do PSD declarou peremptóriamente que as palavras não se dirigiam a si (alardeando os seus “valores morais, éticos e humanos”). Já o edil lisboeta, naquele seu estilo empertigado, em que a arrogância se mistura com a prosaica falta de noção, anunciou à cidade e ao mundo: “Eu fui imigrante, sou casado com uma emigrante, o meu sogro é marroquino, a minha sogra é tunisina, por isso, não aceito lições de ninguém nesta matéria, de ninguém.” Peguem nesta letra, arranjem um compositor e temos um hit de música pimba.

 

Se Montenegro dança com a xenofobia enquanto puxa da retórica para falar de humanidade e moral, o nosso sistema judicial parece necessitar de apoio para distinguir o agressor da vítima, a fúria gratuita da legítima defesa, a utilização desajustada e grosseira da violência e o uso justificado, adequado e proporcional da força por parte de um agente da autoridade. No caso em apreço, os indícios apontam para uma utilização brutal da violência por parte do agente, acompanhada pelo uso de expressões flagrantemente racistas e atentatórias da dignidade pessoal de Cláudia Simões. Para sossegar certas consciências, recorre-se ao estereótipo e joga-se a cartada da angry black woman. Ao ter empurrado Carlos Canha e ter resistido à detenção, Cláudia Simões sofreu o respectivo correctivo. O relatório médico do Hospital Amadora-Sintra, tal como foi citado pelo Expresso, descreve um “traumatismo cranioencefálico frontal e trauma facial com edema exacerbado generalizado, edema dos lábios, com feridas dispersas, trauma da pirâmide nasal (...). Apresenta face deformada por hematomas extensos em toda a face, principalmente na região frontal à esquerda, ferida traumática no lábio inferior e superior com pequena hemorragia ativa”. A fúria da mulher negra foi de tal magnitude que um agente experiente com formação em artes marciais só a conseguiu verdadeiramente subjugar quando a deixou traumatizada, ferida, deformada e inanimada.

 

Imagem: Rui Gaudêncio (publico.pt)

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