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NO VAGAR DA PENUMBRA

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PENSÕES: DO CORTE VIRTUAL AO EXTRA REAL

Abril 23, 2023

J.J. Faria Santos

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O problema dos cenários, da construção de um argumentário com base na previsibilidade, e da sua utilização como combustível para a indignação jornalística e político-partidária (com alusões a “truques” e “cortes”) é que não deixam de ser realidade virtual, ou seja, em si mesmo um verdadeiro truque. Menos jornalismo performativo, menos histeria comunicacional, maior apego aos factos e menor ênfase na opinião dependente da precognição, eis o que se aconselha.

 

Quando, em Outubro de 2022, o Governo atribuiu uma entrega extraordinária correspondente a meia pensão e depois, em Janeiro de 2023, aumentou os pensionistas entre 3,89% e 4,83%, ficou assente que fora aplicada para os dois anos em causa a fórmula de actualização prevista na Lei 53-B/2006. Agora, no já não tão cruel mês de Abril, com o anúncio de um aumento intercalar de 3,57%, pago a partir de Julho, o primeiro-ministro garante não só que a fórmula será aplicada em 2024, como também assegura que, num contexto altamente inflacionário, os pensionistas chegarão a 2024 com ganhos reais de 2% (dados do Expresso).

 

Em poucos meses passámos de um “corte” nas pensões para uma situação em que os seus beneficiários acabam por ganhar um valor extra correspondente a meia pensão. A célebre declaração de António Costa em Junho de 2022, prevendo um “aumento histórico das pensões” em 2023 e o cumprimento da fórmula acaba por corresponder à verdade dos factos. Pode-se agora arguir que o Governo “emendou a mão”, mas há que admitir que este nunca pôs de parte o cumprimento estrito da lei, antes adiando a decisão para uma altura em que dispusesse de melhores indicadores.

 

Num artigo do Público de Setembro de 2022, a jornalista Raquel Martins notava que “em quinze anos de vida, a fórmula de actualização das pensões, que começou a ser aplicada em 2008 (…) só funcionou efectivamente em 2008, 2009 e 2016. No resto do tempo, esteve suspensa ou então foi complementada com aumentos extraordinários, para compensar os pensionistas com rendimentos mais baixos.”  12 anos de “truques”, portanto, uns mais agradáveis (porque representaram um acréscimo face ao disposto na lei), outros mais dolorosos (entre 2011 e 2015, a lei esteve suspensa, o que representou um “corte” no valor recebido e não apenas uma diminuição num aumento esperado).

 

É legítimo que se questionem as motivações que levaram a que se mantenha inalterado um mecanismo de actualização das pensões que o próprio autor (Vieira da Silva) admite poder ser necessário alterar e o actual secretário de Estado da Segurança Social admitia modular no sentido de torná-lo “menos sensível aos picos de inflação”. Do mesmo modo, julgo admissível encarar com algum cepticismo melhorias conjunturais na sustentabilidade da Segurança Social que podem não corresponder a tendências de longo prazo. O que não se deve é desvalorizar o facto de o Governo ter considerado que, nas circunstâncias actuais, possui condições para reforçar o rendimento de reformados, à semelhança do que fez com indivíduos e agregados mais vulneráveis. Ouvido pelo jornal Expresso, o economista Ricardo Cabral, que não põe de parte “a possibilidade de um excedente” orçamental em 2023, questionou-se: “se há condições financeiras para melhorar a vida das famílias, para quê adoptar uma política orçamental restritiva?” 

 

Cabral considera que o “Governo também pensou na possibilidade de eleições antecipadas”. Admitindo que houve aqui uma motivação adicional de ordem política, tal facto não deixa de ser irónico. É que se há alguém que introduziu na agenda mediática o tema da dissolução do Parlamento e das eleições antecipadas, com pronunciamentos em catadupa, esse alguém não foi António Costa. António Barreto, insuspeito de simpatias pela maioria governamental, escreveu no Público de ontem um parágrafo demolidor para o inquilino de Belém: “São sinistras as ideias que sugerem que o Presidente deve seguir as sondagens da semana e deve saber se os seus favoritos estão bem colocados para ir a eleições.”

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