UMA VACINA CONTRA A IRRACIONALIDADE
Março 21, 2021
J.J. Faria Santos
Pandemia. Epidemia de medo. Risco de ruptura na confiança. Irracionalidade. O princípio da precaução é louvável, mas implica uma acção subsequente empenhada e credível, doutra forma a sombra da suspeita inquinará o ambiente. Reafirmada a segurança da aplicação da vacina da AstraZeneca, urge sossegar as inquietações da população de forma inequívoca e com clareza, sendo certo que nenhuma terapêutica é imune a efeitos secundários e a própria vida não é uma actividade de risco zero.
De resto, esta espécie de estigmatização da vacina da AstraZeneca não tem suporte em dados ou evidência científica. Segundo informação recente da reguladora britânica dos medicamentos, de um total de 9,7 milhões de doses desta vacina foram registados 30 casos de formação de coágulos, ao passo que de 11,4 milhões de doses da vacina da Pfizer foram detectados 38 casos.
Em entrevista ao Expresso, o virologista Pedro Simas explicou que “Há uma estimativa no Reino Unido de que uma pessoa em cada mil sofre um acidente tromboembólico por ano. O que, à escala, indica que são esperados anualmente em Portugal 10 mil episódios deste género e nos grupos de risco a frequência é ainda maior. Portanto, é sempre provável e intuitivo que surjam casos destes coincidentes com a vacinação.”
É evidente que a decisão de suspender a inoculação tomada por inúmeros países teve sobretudo um cariz político, impulsionado pelo efeito dominó. Mesma na ausência de provas científicas a estabelecer um nexo de causalidade entre a toma da vacina e os efeitos de formação de coágulos ou hemorragias, tornou-se imperioso um compasso de espera para reavaliar os efeitos adversos e, sobretudo, responder ao clamor social. É provável que a precaução possa redundar agora num cepticismo alimentado pelo receio ou pelas teorias da conspiração. Compete aos políticos e às entidades responsáveis pela Saúde restaurar a confiança, inclusive pelo exemplo, optando e/ou publicitando a toma da vacina da AstraZeneca (Merkel anunciou que a vai tomar, Macron idem e Costa diz aguardar ansiosamente a segunda dose).
A partir do momento em que os organismos e as instituições competentes nos garantem a segurança e as vantagens da vacinação, se comprometeram a estudar e a monitorizar os efeitos adversos graves e, como prevenção e alerta, elencaram um conjunto de sintomas que implicam ajuda médica imediata, seria irracional e infinitamente mais perigoso recusar a inoculação. Uma espécie de vacina contra a irracionalidade poderão ser as palavras do epidemiologista alemão Dirk Brockmann, no sentido de que “é 100 mil vezes mais provável morrer de Covid-19 do que por causa da vacina da AstraZeneca”. Há uma diferença essencial entre o medo, a prudência e a tolice. Neste caso, a tolice pode matar.