CASA DOS SEGREDOS: EDIÇÃO PALÁCIO DE BELÉM
Outubro 26, 2025
J.J. Faria Santos

André V. é o candidato multiusos. Líder de um partido unipessoal, é um patriota fervoroso e um católico conservador. Embora com um perfil interventivo e conflituoso, fisicamente não corresponde ao estereótipo do tipo musculoso e tatuado. Espera-se que seja bom nas “dinâmicas” e “dê muito canal”. Aguarda-se com expectativa a possibilidade de instituir na casa a prática de rezar o terço. A produção já acedeu ao pedido dele de que negociassem com a Shein a produção de vestuário e acessórios que correspondam ao conceito de cilício. Trata-se de um candidato com reais possibilidades de ser finalista, dada a sua poderosa retórica e o desassombro com que interpela os outros concorrentes. O facto de para ele a verdade ser um país estrangeiro pode constituir um obstáculo.
O seu segredo é: a Dina queixa-se que eu gosto mais do António e do Santiago do que dela.
Luís M. tem a seu favor os anos de exposição mediática a explicar aos portugueses a intrincada substância da política. Se pode beneficiar da familiaridade, também pode ser prejudicado pelo ricochete de uma actividade que, para ser bem-sucedida, não pode prescindir de alfinetadas que deixam marcas nas peles mais sensíveis. Ser um concorrente na linha da magistratura dos afectos, pode acabar por ser nocivo. É que os espectadores estão algo agastados por um perfil de afectuosidade especializado em facadas nas costas, e podem julgar Luís M. por este padrão. Comunicativo, com envergadura que lhe permite jogo de cintura e com ligações a um poder tendencialmente hegemónico, trata-se de um concorrente que brilhará na cozinha, misturando ingredientes e recriando receitas, ao mesmo tempo que confeccionará pratos e controlará a dieta de André V., de forma a impedir que o refluxo gástrico o impulsione para a vitória.
O seu segredo é: gosto que a minha mulher me dê de comer na boca.
Henrique M., o favorito do público, é, nesta edição, o mais recente representante da linhagem dos militares, ilustres porta-estandartes de um código de ética e de conduta. Alto como o céu e de olhos azuis como o mar, é visto como alguém que organizou exemplarmente os serviços de vacinação e, quiçá, terá até repelido a pandemia. Disciplinado e disciplinador, não tolerará camas desfeitas, roupas pelo chão ou concorrentes a desfilar pelo palácio sem aprumo ou de boxers. Espera-se um confronto com André V. (embora amenizado por cavaqueiras no confessionário) e com um Luís M. demasiado disponível para o improviso, o que choca com o seu rigor de planificador. Inicialmente emparedado entre o “socialismo e a social-democracia”, conseguiu, qual Houdini, evadir-se. Irritou André V. quando afirmou que “passados 10 anos um imigrante é tão português como nós”, o que, outrossim, foi interpretado em certos círculos como uma “porta escancarada” para os estrangeiros que querem ser “portugueses de raça”.
O seu segredo é: adoro malhar nos negacionistas e estar no Cockpit com o Nuno Melo.
Tozé S. entrou na casa com pezinhos de lã, carregado de chá e simpatia. Diz-se livre e independente. Diz que sabe ouvir, unir, decidir e agir. Se André V. disse que o país precisa de “três Salazares” para ser posto na “ordem”, Tozé S. replicou que Portugal “não precisa de ditadores”. Cordato e sensível, na opinião de um destacado fã do programa (Miguel Sousa Tavares) “desperta em nós um entusiasmo equivalente a uma Quarta-Feira de Cinzas”, e “fala como se estivesse programado pela inteligência artificial”. Pode ser visto como uma “planta”, gíria de reality show para concorrentes amorfos, mas não se deve desvalorizar o seu potencial de underdog junto dos espectadores, que costumam ser generosos com os concorrentes humildes e transbordantes de bondade. Com arrojo, o Kennedy de Penamacor declarou: “Não pergunto às pessoas de onde é que vêm, pergunto para onde querem ir”, arriscando que os telespectadores decidam o televoto com base na premissa de José Régio: “Não sei para onde vou / -Sei que não vou por aí!”.
O seu segredo é: no dia 25 de Abril de 1980 esquivei-me a ajudar uma velhinha a atravessar a rua.
Imagem: pormenor de ilustração de Helder Oliveira para a Revista do Expresso








