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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

ANDRÉ VENTURA VS PAPA FRANCISCO

Abril 02, 2023

J.J. Faria Santos

Ventura_Pope.jpg

André Ventura (A.V): “Não consigo dissociar, nem vou conseguir até morrer, o meu discurso público da parte religiosa.”

 

Papa Francisco (P.F): “A fé não serve para decorar a vida como se fosse um bolo com nata.”

 

A.V: “Quando acreditamos que o que fazemos tem um propósito, pode ser por convicção e muitos podem achar que é loucura. Quando o fazemos porque acreditamos que há uma missão divina que nos é atribuída não temos como fingir que não é assim.”

 

P.F.: "A pessoa religiosa sabe que uma das maiores blasfémias é usar o nome de Deus como garantia de seus próprios pecados e crimes, para justificar assassínios, escravidão, exploração em todas as suas formas, opressão e perseguição de pessoas e populações inteiras."

 

A.V.: “Não podemos criar a cultura de que não trabalhar é melhor do que trabalhar. É isto que está enraizado hoje. Enquanto ando pelo país todo, dizem-me que não há ninguém para trabalhar. E sabe porquê? Porque uma grande parte está a receber subsídios.”

 

P.F.: “Discursos políticos que tendem a atribuir todo o mal aos imigrantes e a privar os pobres de esperança são inaceitáveis”

 

A.V.: “A política de portas abertas sem qualquer controlo deu nisto. O sangue destas vítimas é responsabilidade do criminoso afegão, mas está nas mãos do governo de António Costa.” (acerca do ataque ao Centro Ismaili, em Lisboa)

 

P.F: “Os imigrantes não são um perigo, estão em perigo. Aquilo que ainda há pouco tempo uma pessoa não podia dizer sem correr o risco de perder o respeito de todos, hoje pode ser pronunciado com toda a grosseria, até por algumas autoridades políticas, e ficar impune.”

 

A.V.: “Costumo dizer isto: o Chega é a religião dos portugueses comuns, daqueles que trabalham, que pagam impostos, que se sentem excluídos. Portanto, eu não preciso do apoio de nenhuma igreja, nem quero. Eu acho que este Papa tem prestado um mau serviço ao cristianismo. Acho. Acho que tem mostrado a esquerda revolucionária quase como heróica e a esquerda europeia marxista como a normalidade. Acho que este Papa tem contribuído para destruir as bases do que é a Igreja Católica na Europa e acho que em breve vamos todos pagar um bocadinho por isso.”

 

P.F.: "Cuidar dos pobres não é comunismo, é a mensagem evangélica da Igreja Católica muito antes do comunismo ser inventado. Não nos deixemos seduzir pelos cantos de sereia do populismo, que explora as necessidades do povo propondo soluções muito fáceis e precipitadas. Não sigamos os falsos 'messias' que, em nome do lucro, apregoam receitas úteis apenas para aumentar a riqueza de poucos, condenando os pobres à marginalização."

 

Fontes: dn.pt, reuters.com, visão.sapo.pt, poligrafo.sapo.pt, expresso

Imagens: Vaticano News, Bruno Gonçalves 

CHEFE, MAS POUCO

Novembro 21, 2021

J.J. Faria Santos

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André Ventura, já se sabia, é líder de uma sociedade política unipessoal, com uns estatutos manhosos e uma doutrina pouco consistente que alimenta uma acção política flutuante. O que é surpreendente é a contínua sabotagem da sua autoridade, trunfo inalienável para um líder da extrema-direita. É chefe, mas pouco. Goza de votações norte-coreanas, mas às vezes tem de ir às lágrimas até conseguir eleger a sua direcção.

 

O partido é temperamental, sanguíneo, delira com as propostas de castração química dos pedófilos (e 38 militantes apoiaram a moção que propunha a remoção dos ovários das praticantes da IVG) ou com o corte até 75% das pensões dos políticos, mas alheia-se das grandes proclamações ideológicas e das tiradas do vice-presidente Gabriel Mithá Ribeiro, que vê Marcelo encavalitado “no topo da pirâmide leninista da espiral do silêncio” (?) que afectará a direita portuguesa. O partido acolhe as propostas que celebram a primazia do instinto, a suprema sabedoria do senso comum, e quem, como Ventura, pregou o desdém pelas elites não pode esperar que a sua palavra seja encarada como ordem divina. (Mesmo que os congressos do Chega pareçam, na descrição de um podcast do Observador, um culto religioso, com “choro, ranger de dentes, homens de joelhos, militantes de braços no ar” e lágrimas). Desacreditadas as elites, como haveria o militante do Chega de reconhecer em Ventura um espírito iluminado incontestado? 

 

Adicione-se a este contexto o espírito independentista insular e temos o caldo de cultura para que o deputado do Chega no Parlamento dos Açores, José Pacheco, desautorize o seu líder, afirmando: “Aqui não há nem fantoches nem totós, nem nada que se pareça. Aqui não há criadagem. A última palavra será sempre minha”. Face a esta declaração com perfume de luta de classes, o intrépido Ventura viu-se forçado a transformar a decisão “fortemente definitiva” de retirar o apoio do Chega ao Governo Regional dos Açores num “cenário não fechado” fortemente indefinido.

 

Ventura pode ter um discurso fluido, combativo e apelativo, com forte projecção na comunicação social, mas o seu apelo populista e anti-sistema sofre um abalo cada vez que se vê forçado a recorrer aos contorcionismos tácticos que condena nos seus adversários políticos. Aos olhos dos seus correligionários ( e dos seus potenciais eleitores), é uma vergonha que ele recorra à linguagem e às manobras dúbias utilizadas pelos políticos. Enredado no seu percurso ziguezagueante, Ventura pode muito bem vir a descobrir que o joker do seu populismo galopante é insuficiente para ganhar o jogo do voto útil.

 

Imagem: Paulo Novais/Lusa (dn.pt)

EPÍSTOLA DE ANDRÉ VENTURA AOS PORTUGUESES DE BEM

Janeiro 17, 2021

J.J. Faria Santos

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Portugueses de bem,

Deus confiou-me a difícil mas honrosa missão de transformar Portugal. São muitos os chamados e poucos os escolhidos. A 13 de Maio de 1917 Portugal mudou para sempre. Fomos escolhidos! Também eu senti esta mudança profunda num 13 de Maio da minha vida. Hoje sinto, sei, que de alguma forma a minha missão política está profundamente ligada a Fátima. É este, talvez, o meu grande Segredo. (Reparem que escrevi “Segredo” com letra maiúscula, seguindo as melhores práticas do grande Donald Trump.) E se porventura os Tomés desta vida, os incréus, acham que estou a invocar o nome de Deus em vão, eis que a iluminar o caminho surgiu a confirmação das instâncias internacionais. A grande Marine Le Pen, essa mulher corajosa e íntegra, não hesitou em comparar-me a um “sinal do céu”.

 

Ser primeiro-ministro. Eu sei que vai acontecer, só não sei é quando. E enquanto espero, candidato-me a Presidente da República. Na verdade, não importa o cargo, o que importa é levar a cabo a minha missão de livrar Portugal dos malandros, dos ladrões, dos pedófilos e dos ciganos que se passeiam de Mercedes e sacam subsídios ao Estado. O que eu defendo é a ditadura das pessoas de bem, o que transforma numa impossibilidade que eu seja o Presidente de todos os portugueses. Não vou ser o Presidente de José Sócrates, dos pedófilos e dos traficantes de droga. Nem da Ana Gomes. Com frontalidade, digo-lhe: “Ana Gomes, não és bem-vinda em Portugal e nunca serás eleita presidente da República Portuguesa.” Aos que não gostam do que eu digo, paciência, tenho direito à liberdade de expressão garantida pela Constituição. É certo que estou-me nas tintas para a  Constituição, mas nem  sempre nem  nunca. E  quando for eleito, jurarei cumprir e fazer cumprir a dita cuja. Quando estiver para aí virado, sempre depois de auscultar os portugueses de bem. Aos que me querem impedir de reformar Portugal, desafio-os com galhardia, coragem e o apoio inexcedível dos meus guarda-costas. Porque é que não me prendem? É mais fácil. Resolve-se o problema todo. O homem vai preso. Despacha-se o assunto.

 

Portugueses, concidadãos ditadores de bem,

Uma última nota para abordar a questão absolutamente essencial das mulheres que não estão bem em termos de imagem, notabilizadas pelos lábios muito vermelhos. Caiu o Carmo e a Trindade neste opressivo regime esquerdista em que estamos atolados. Já não se pode apelar à compostura, ao bom gosto, à discrição, à modéstia e à singeleza. Atiraram-me com os chavões do costume, do machismo à misoginia, porque eu, demonstrando o largo espectro dos meus interesses, me limitei a exibir o meu talento enquanto fashionista e consultor de imagem, aconselhando pro bono a candidata da esquerda caviar. Não perceberam a bondade do meu alerta? Paciência. Não recebo lições de moral dos amigos do charro. Só faltava confundirem o escritor com o narrador e implicarem comigo só porque, no meu romance de estreia, Montenegro, existe uma passagem na página 31 que alude à “natureza primitiva das mulheres” e à sua “mecânica cerebral simples”. Pode-se esperar tudo de gente que em vez de estudar e fundamentar bem as suas opiniões prefere o populismo das tiradas fáceis e dos soundbites… Valha-nos Deus, meu ídolo e mentor. Com a inspiração dele e a nossa determinação ergueremos um novo Portugal!

 

Este é um exercício de ficção, porém, as palavras assinaladas a cheio correspondem a afirmações proferidas por André Ventura.

Imagem: Cherry Red Lips, quadro de Giovannie Licea (saatchiart.com)

 

O REGRESSO DA MÚMIA (E A HABILITAÇÃO DE HERDEIROS)

Setembro 27, 2020

J.J. Faria Santos

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“Os afectos do professor Marcelo foram úteis para desanuviar do estilo múmia paralítica”, disse Ana Gomes, entrevistada no programa Isto É Gozar com Quem Trabalha. A alusão depreciativa ao anterior chefe de Estado suscitou críticas de quem, como um dos directores-adjuntos do Expresso, considera que “o insulto não é de todo em todo tolerável”.

 

Em 2001, durante o seu discurso numa conferência do Partido Conservador, Margaret Thatcher, aludindo à sua passagem por um cinema no trajecto para Plymouth, aproveitou para fazer uma piada, explicando que ao contrário do que lhe fora dito a sua presença era aguardada porque o cartaz anunciava o regresso da múmia. Na verdade, parece que o seu escasso conhecimento da cultura popular a impediu de perceber que se tratava de um filme de terror, pelo que a mummy que ela achava ser uma referência maternal, era na verdade um cadáver dissecado enfaixado. Salvou-se o sentido de humor, mesmo equivocado.

 

Consta que o professor Cavaco, em privado, terá uma predisposição jocosa que nunca revelou em público, certamente por receio que manchasse a sua hirta solenidade. Presumivelmente, não terá apreciado a tirada de Ana Gomes, cáustica, mas não necessariamente insultuosa. O dicionário online da Porto Editora oferece como sinónimos de múmia em sentido “figurado, pejorativo – pessoa muito magra e de pele ressequida” e também “pessoa sem ânimo ou vitalidade”. Ora, pejorativo, segundo a mesma fonte, é algo com “conotação desfavorável”, “que expressa menosprezo”, o que é diferente de uma ofensa ou de um ultraje.

 

O professor regressou ao ciclo noticioso com a pré-publicação no Expresso do seu novo livro, intitulado Uma Experiência de Social-democracia Moderna, uma manifestação de fé nas virtudes da social-democracia, onde assume Sá Carneiro como grande referência (e também Olof Palme). Talvez porque a “social-democracia não é susceptível de uma formulação única e simples”, Cavaco Silva tanto nota que “quer a social-democracia alemã quer a sueca rapidamente concluíram que a pureza ideológica sucumbia perante as realidades da governação” como frisa que “o exercício do poder, para Sá Carneiro não podia abdicar dos princípios da social-democracia em nome da eficácia”.

 

A publicação de Cavaco Silva surge poucos dias depois de André Ventura se ter apresentado como “o herdeiro humilde” de Sá Carneiro, cujos discursos passa “muitas horas a ler”. Ventura, que de “múmia paralítica” não tem nada, é herdeiro mas pouco. É que, como explicou na convenção do seu partido, “O pensamento de Sá Carneiro era para os anos 1970 e 80, o meu pensamento é para o século XXI”. O frenesim mediático e a propensão para os soundbites acabaram prejudicados por uma convenção caótica, assaltada por lunáticos e propostas aviltantes, onde a cadeira do poder foi conquistada à força da repetição de votações e de lágrimas no canto do olho.

 

Imagem: desciclopedia.org

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