UM OBSERVATÓRIO PARA O OBSERVADOR
Maio 02, 2021
J.J. Faria Santos
À semelhança do Super-homem (É um pássaro? É um avião?), o Observador suscita interrogações: será um projecto jornalístico, “um braço armado de um lóbi empresarial” (Pacheco Pereira) ou uma agremiação de almas privilegiadas que pensam da mesma maneira e embarcaram na missão de evangelizar o povo acerca das virtudes da sua visão do que a direita deve ser? No seu estatuto editorial, o Observador diz que “procura a verdade e subordina-se aos factos”. Como diria o outro, o Observador tem o direito de lutar por “aquilo que acredita ser a sua verdade”. Pena é que, pelo menos no que diz respeito à secção de Opinião, o proselitismo pareça ser muitíssimo mais importante que o pluralismo de ideias. Dificilmente a verdade resistirá a uma perspectiva militantemente unidimensional.
Do reaccionarismo bafiento do P. Gonçalo Portocarrero de Almada ao relato íntimo dos bastidores do poder de Maria João Avillez (ela esmera-se em mostrar que frequenta os salões onde se fazem e desfazem carreiras políticas e reputações), passando pela acidez boçal de Alberto Gonçalves, grande parte da opinião é premium, o que confere aquela aura de exclusividade e preciosidade que os grandes tesouros reclamam. No dia 25 de Abril, porém, tivemos direito a um artigo aberto de Suzana Garcia, a rising star do firmamento populista. Anunciando que chegou para “agitar as águas paradas e fétidas da rotina, do conformismo e da indiferença”, Garcia desfere ataques aos “cortesãos da gamela do poder” e desafia José Miguel Júdice, que, segundo ela, “nestes últimos 14 anos tem sido uma das vozes autorizadas do PS” (?) para visitar a Amadora. Diz que tem sido “flagelada” por ele, mas não lhe “guarda ressentimento”. Uma generosidade não extensível à “escumalha”. Em Portugal (e na Europa), defende ela, vivemos um “macarthismo de sinal contrário” e “o problema principal da nossa democracia é o da resistência da elite à mudança”. A elite do Observador abriu-se ao povo e Suzana Garcia foi uma médium ao serviço dos media, canalizando os anseios e as preocupações da gente modesta e verbalizando a sua indignação.
Creio que o jornal não tem provedor do leitor. Julgo que seria ainda mais útil a criação de um Observatório do Observador. Com uma orientação editorial tão vincada, nada como um organismo independente que reflectisse acerca dos novos modelos de negócio na comunicação social e dos perigos de enquistamento e alienação da realidade causados pelo encarniçamento ideológico, e que produzisse estudos e análises acerca dos conteúdos da publicação. O Observador diz que “não perfilha qualquer programa político mas tem um olhar sobre o país e sobre o mundo”. Recriando a epígrafe do Ensaio sobre a Cegueira, será que esse é um olhar que vê? E se vê, repara?