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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

A PERSPECTIVA FECHADA DE UMA CARTA ABERTA

Fevereiro 28, 2021

J.J. Faria Santos

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Um grupo de signatários (entre eles, Diana Andringa, Jorge Silva Melo, Maria Teresa Horta, Mário de Carvalho, Tiago Rodrigues e Vasco Lourenço) dirigiu através do jornal Público uma carta aberta às televisões generalistas nacionais, exigindo “uma informação que respeite princípios éticos, sobriedade e contenção” e condenando uma “agenda política, legítima – mas nunca assumida – nos canais privados, mas, em absoluto, inaceitável na televisão pública.”

 

O teor desta missiva, nos seus equívocos, faz-me lembrar a falácia recorrentemente propalada de que a esquerda domina a comunicação social, nas redacções e nos espaços de opinião. O que aqui se propala é a tese de sentido contrário, exemplificada pelo “tom agressivo” dos entrevistadores, pelo “estilo acusatório” dos jornalistas e pelos “libelos acusatórios contra responsáveis do Governo e da DGS”. É pena que um texto que propõe reflexões pertinentes tenha aberto o flanco a acusações de intuitos censórios ao condenar de forma enfática o tom e o estilo do escrutínio jornalístico ao poder político.

 

Nota-se uma “excessiva duração dos telejornais?”. Claramente. Os entrevistadores usam, por vezes, um tom “quase inquisitorial”, a roçar a má-criação? Seguramente. Verifica-se uma “omnipresença de representantes das mesmas corporações profissionais, mais interessadas em promoção pessoal do que em pedagogia da pandemia”? Provavelmente. Já é mais duvidoso que se consigam reunir dados suficientemente objectivos que indiciem uma “agenda política” dos canais privados ou da televisão pública. Mesmo que jornalistas daqueles e desta possam permitir que o rigor e a isenção sejam condicionados pelas emoções, pelas percepções imediatas ou pela sua sensibilidade política. Afinal, somos todos humanos. Ou que critérios editoriais legítimos (mas discutíveis) ditem que espaços de opinião alargados e em horário nobre sejam protagonizados por “ex-políticos” ungidos de um pretenso agnosticismo ideológico. O essencial aqui é confiar no discernimento dos espectadores que, através da multiplicidade de fontes de informação, terão ferramentas para perceber se estão perante um trabalho incisivo, minucioso e competente ou perante uma manipulação sob a forma de um qualquer “encarniçamento” interrogativo ou informativo.

 

Mais importante ainda: é preferível que o escrutínio dos poderes públicos seja feito de forma maximalista (mesmo correndo o risco da injustiça e da insolência gratuita) do que alimentar a suspeita da insuficiência e da conivência em nome de propósitos inconfessáveis e da lesão do código deontológico. É por isso que tendo a concordar com o que Francisco Mendes da Silva escreveu ontem no Público: “A democracia é sempre mais ou menos caótica, cacofónica e inorgânica, e só subsiste enquanto estivermos mais preparados para suportar os riscos do exagero do que os riscos da contenção.” Nada disto inibe a crítica aberta aos meios de comunicação social, desde que se evitem as proclamações definitivas assentes em percepções subjectivas.

 

Imagem: media.rtp.pt

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