O MOMENTO HORRIBILIS DE MARCELO E O MOMENTO TONY BLAIR DE COSTA
Outubro 16, 2022
J.J. Faria Santos
Pontos comuns à monarquia inglesa e à República Portuguesa? Bom, a rainha inglesa declarou 1992 o seu annus horribilis e a imprensa portuguesa diz que em Outubro de 2022 ocorreu o momento horribilis de Marcelo. E se Carlos III recebeu Liz Truss entre o desdenhoso e o enfadado (“Back again? Dear oh dear. Anyway,,,”), a maioria dos portugueses, quando assiste à enésima intervenção diária do seu Presidente, deve desabafar: “Outra vez? Que inadiável comunicação informal ao país o Presidente nos impinge agora?”.
Passando por cima da questão de saber até que ponto a condição de católico condiciona o desempenho do seu mandato, a verdade é que as suas declarações a desvalorizar a dimensão dos casos de abusos sexuais denunciados em Portugal dentro da Igreja Católica foram lamentáveis. O que se seguiu foi uma manobra pouco hábil de controlo de danos, culminando num relutante pedido de desculpas (centrado mais na susceptibilidade das vítimas do que na insensibilidade ou na irrazoabilidade das suas afirmações), o que levanta a suspeita de que, citando Helena Pereira em artigo no Público, “a total impunidade ou arrogância de quem está há muito tempo no poder, e que o Presidente já criticou a propósito do Governo, se instalou também em Belém”.
Adoptando o modo bravata (o que é capaz de ficar bem ao Comandante Supremo das Forças Armadas), Marcelo asseverou ao Expresso: “Não pensem que me vou fechar no Palácio”. Ninguém o pediu, nem ninguém espera que adira a um voto de silêncio em contexto monástico. E prometeu continuar o seu caminho, “exactamente como sempre foi, sem mudar uma vírgula nos valores, nos princípios, na determinação…”. Já os fins serão mais flexíveis ou mutáveis. A confirmar a sua natureza, diz-nos o Expresso que na quarta-feira à noite foi testar a sua popularidade num trajecto que incluiu Lisboa e Cascais. Parece que os resultados da sondagem PR/Portugália/Santini foram satisfatórios, dado que “o povo ter-se-á mantido afectuoso”.
Regressando ao paralelismo entre a monarquia inglesa e a República Portuguesa, Ana Sá Lopes escreveu no Público que há quem tenha visto na vigorosa solidariedade do primeiro-ministro para com o Presidente uma variante por parte de António Costa do “momento Tony Blair no dia da morte da princesa Diana”, ou seja, perante um chefe de Estado debilitado e acossado por uma gaffe monumental, o líder do Governo aparece como referencial de estabilidade e bom senso. Curiosamente, o secretário-geral do PS, em reunião com os deputados do seu partido, explicou aos seus atentos interlocutores que o PS dever ser um “referencial de tranquilidade” e que tal não é compaginável com “andar a correr de um lado para o outro, fazer 30 declarações por dia, e dizer uma coisa num dia e outra noutro”. Ring a bell?