2020 - ANNUS HORRIBILIS
Dezembro 13, 2020
J.J. Faria Santos
O que tornou 2020 um ano tão horripilante foi a simples (e ao mesmo tempo insuportável) circunstância de, para evitar a progressão de uma doença, nos termos visto forçados a renunciar aos sinais e aos gestos da nossa humanidade. E termos tido de os substituir por sucedâneos insatisfatórios e até caricaturais (um encontro mediado por um ecrã é escasso, e um presencial toque de cotovelo um frouxo e insólito sinal de afecto por comparação com o enlaçar das mãos ou o toque dos lábios na face).
A propósito de um ano medonho, Stephanie Zacharek escreveu um ensaio na Time do qual podemos retirar encorajamento e esperança. Sobretudo quando ela recorda que o Renascimento se desenvolveu sobre os escombros de uma Europa dizimada pela peste negra. “As nossas vidas podem ser duras – neste dia, neste mês, neste ano – mas contemplem o que outros alcançaram em eras de sofrimento”, nota Zacharek, que considera que “a ameaça mais debilitante neste ano foi a sensação de desamparo”.
Desamparo e, porventura, impotência. Citando declarações de Barack Obama em entrevista à The Atlantic, editada em Portugal pelo Expresso, noutro contexto, mas que podem ser aplicadas a este, “a questão não é se as coisas podem ficar melhores; é quanta dor temos de sofrer para chegar lá”. Confrontados com um acontecimento que se tornou viral (na mais pura acepção da palavra), resta-nos confiar no progresso científico e adoptar rigorosas regras de convivência que evitem ou minimizem o risco de contágio, no fundo estender ao nosso quotidiano o código de conduta que Obama diz aplicar na sua acção política, a saber: “ancorar o nosso comportamento na ética e na moralidade e na decência humana básica.”