Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

HOMENS DE POUCA FÉ

Maio 11, 2025

J.J. Faria Santos

20250510_174650.jpg

O cenário parece o ideal. Um incumbente que exerceu o cargo de primeiro-ministro como se estivesse numa campanha eleitoral permanente, distribuindo o excedente orçamental e criando uma ilusão de dinamismo e reformismo. Uma campanha eleitoral de facto dirigida com profissionalismo, desde o detalhe das arruadas em ruas estreitas para proporcionar imagens compactas de apoiantes até à convocatória dos ex-líderes como símbolo de unidade. Mensagens focadas procurando consolidar e alargar o espaço à direita, piscando o olho de forma pouco subtil à extrema-direita. Um candidato com uma notável falta de escrúpulos, disponível para usar como arma política a notificação de 18 000 imigrantes para abandonarem o país ou o exercício do direito à greve, e ainda para explorar a fé para reforçar o vínculo ao sentir português. Já para não falar da promiscuidade entre a “comunicação eleitoral e a comunicação governamental”, como notou Rita Figueiras no Público, a propósito da geminação da comemoração do 25 de Abril e do 1º de Maio ao som de Tony Carreira ft Luís Montenegro. Somando a isto o primeiro lugar da AD em todas as sondagens e a vitória de Montenegro em todos os concursos de Mister Simpatia face a Pedro Nuno Santos, é caso para perguntar por que razão não está a AD eufórica e confiante na “maioria maior”.

 

Mesmo que alguém da AD faça questão de proclamar que “cheira a vitória”, parece que há um défice de fé ou, pelo menos, uma dose cavalar de cautela. Há o pormenor nada despiciendo do constante “empate técnico”, e o número relativamente elevado de indecisos ou a incógnita da abstenção. E dados como os da última sondagem do ISCTE/ICS para o Expresso e a SIC: 67% dos inquiridos acham que “Portugal tem estado a ir pelo caminho errado”, 51% são da opinião de que o Governo fez um “mau trabalho” e 53% defendem que está “na altura de mudar”. Comentadores da área ideológica do Governo recusam-se a “dar por garantida uma vitória da AD” (Pedro Norton - Público), ou defendem que “com cerca de um quarto do eleitorado predisposto a votar nos outros partidos (…) da direita, parece do domínio dos milagres que a AD disponha da matemática necessária para ficar em primeiro lugar” (Francisco Mendes da Silva – Público). E há também o caso Spinumviva, que veio acentuar o perfil dissimulado, relutante e pouco claro de Montenegro na partilha de informação e nos esclarecimentos que presta.

 

Esta foi a semana em que dois episódios ambivalentes marcaram a agenda: a intervenção de Pedro Passos Coelho, desfazendo as credenciais reformistas de Montenegro, e o atestado de superioridade ética emitido por Cavaco Silva, involuntariamente hilariante, quer pelas circunstâncias que conduziram a eleições antecipadas, quer também pelo próprio perfil e tom professoral do atestante, como se se apresentasse ungido de isenção, autoridade e infalibilidade. Nas eleições legislativas de 2024, 21% dos eleitores só decidiram em quem iriam votar na última semana de campanha. Ainda há espaço para a persuasão.

A ENTREVISTA DO ENTERTAINER AO PRIMEIRO-MINISTRO FOI FUNTÁSTICA

Março 29, 2025

J.J. Faria Santos

20250329_171651.jpg

O primeiro-ministro foi entrevistado por uma pessoa que “confia” nele e que nas últimas eleições, “por ter memória”, votou “pela mudança”. Luís Montenegro aprecia as entrevistas cozy, conduzidas por correligionários, sejam eles a inefável Maria João Avillez, com a indisfarçável cumplicidade com que questiona os que aprecia, ou o flamboyant Manuel Luís Goucha, que, denotando preparação nas entrevistas que conduz, privilegia, naturalmente, um registo lúdico.

 

Acontece que, no entanto, Goucha não resistiu a duas ou três ferroadas nos primeiros minutos da entrevista, antes de ela se ter deslocado quase definitivamente para um território intimista, propício a captar ou consolidar o voto do segmento das donas de casa e dos reformados. Logo a abrir, evocando uma polémica com a comunicação social, Manuel Luís Goucha, com o ar divertido de quem vai largar uma provocação menor, advertiu o seu entrevistado nestes termos: “Deixe-me dizer-lhe que no meu auricular eu só ouço os tempos. 40 minutos para esta entrevista.”  Um pouco mais à frente, quando o primeiro-ministro resumia a embrulhada em que se deixou enredar com a frase “Eu sou acusado de ter trabalhado”, o entertainer largou um “Mas não é por aí que vêm os problemas…”, para logo de seguida, suavizando o contraditório, dizer-lhe: “O senhor não é suspeito de coisa alguma.”

 

Montenegro sabe de onde é que “vêm os problemas”. De tal maneira que, a propósito da passagem da quota da Spinumviva, começa a elaborar. “Podia-me eu ter lembrado que pelo facto de estar casado no regime de comunhão de adquiridos, de alguma maneira…”, o que motivou uma interpelação de Goucha, entre o folgazão e o incrédulo: “Um advogado não se lembrou disso?” A resposta, ao lado, foi esta: “Não, porque é assim: eu estava-me a desvincular, como me desvinculei, completamente da actividade daquela empresa. E a empresa tinha uma actividade regular que não precisava de mim.”

 

A entrevista decorreu num tom amigável de tertúlia, sempre pontuado pelo omnipresente sorriso que aflora aos lábios do primeiro-ministro, cujo propósito poderá ser transmitir descontracção, mas que com frequência adquire um travo trocista. Foi, por isso, algo a despropósito e fora do contexto, que surgiu a cena da “exaltação”, o momento em que Montenegro bradou: “Eu não posso ser associado a nenhum comportamento de corrupção porque eu nunca tive nenhum acto de corrupção. Nunca! (…) Eu nunca fui suspeito nem posso ser. Peço muita desculpa. Isto não pode acontecer. E quem disser o contrário, tem de provar. Eu não posso aceitar a ninguém que diga uma coisa dessas!” Caso Montenegro estivesse a usar um auricular, eu diria que um assessor lhe teria soprado ao ouvido que não se esquecesse da cena da indignação. A inserção algo despropositada desta rábula na entrevista e a flutuação no tom, calibrado para transmitir agastamento sem se tornar demasiado estridente, contribuíram para uma sensação de artificialidade.

 

Manuel Carvalho escreveu no Público que “não há político contemporâneo que saiba usar melhor o malabarismo ou a sonsice em proveito próprio que Luís Montenegro”. “Corrupção e falta de ética, já não dá para continuar”, clamava um cartaz da AD na eleição em que Goucha votou pela mudança. A entrevista do entertainer ao primeiro-ministro foi funtástica. Montenegro clamou que nunca teve “nenhum acto de corrupção”. A ética, agora, deve ser como o passado: um país estrangeiro, e o PSD, já sabemos, é o “partido mais português de Portugal”.

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2012
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2011
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub