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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

SEXO, DROGAS E OPERAÇÃO MARQUÊS

Setembro 12, 2017

J.J. Faria Santos

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A) CENAS DE UMA INVESTIGAÇÃO ÉPICA

 

Personagens: Rosário Teixeira, procurador; Paulo Silva, inspector tributário; e duas testemunhas do sexo feminino.

     

       I.  Maldita Cocaína

 

Rosário Teixeira: “…há aqui várias conversas em que essa garrafa, essa expressão ‘garrafa de vinho’ é utilizada e nós também ficamos com a ideia (…) de que seria outro tipo de produtos, que seria comprado em conjunto…”

 

Testemunha 1: “Não, de forma alguma, não sei de que é que está a falar.”

 

Rosário Teixeira: “Estou a falar em consumo de cocaína.”

 

Paulo Silva: “Ou outras substâncias, ninguém está a dizer que seja só cocaína.”

 

Testemunha 1: “Não tenho conhecimento.”

 

      II. Ménage à Trois (Clube do Livro)

 

Paulo Silva: (Pretendendo saber se a Testemunha 1 tinha estado com José Sócrates em casa da Testemunha 2, local aonde chegou cerca das 22h30 e saiu às 6h23 do dia seguinte.) “O que é que aconteceu nessa noite? Tirando as questões que, como é óbvio, não interessam aqui ao inquérito.”

 

Testemunha 1: “Certamente, estive a consultar algum livro (…) ou alguns livros.”

 

Paulo Silva: “Hum, não se recorda? Beberam vinho, então, garrafas de vinho?”

 

      III. Hiperidrose ou Jogging de Interiores

 

Paulo Silva: (Aludindo a um outro encontro, ocorrido cinco dias depois) “Não se recorda? Nem de, às 2 da manhã, ligar ao sr. engº, no dia 22 de Outubro, a dizer que até estava preocupada com ele, porque ele tinha transpirado muito. Isso também não lhe diz nada?”

 

Testemunha 1: “Não, não. Transpirar muito?”

 

Paulo Silva: Pois (…), começo a entrar por aqui por coisas…”

 

Testemunha 1: “Não.”

 

Paulo Silva: “…que depois, são indelicadas, eventualmente ou não, não sei, não faço ideia, até podem ter feito um jogging lá dentro do apartamento e alguém transpirou, não sei. Posso estar a ser indelicado ou não, mas, se quer que eu vá aos pormenores, eu continuo.”

 

      IV. In Vino Veritas (Não me sindique!)

 

Rosário Teixeira: “Esta [Testemunha 1] nunca esteve em sua casa?”

 

Testemunha 2: “Não, não, não. Não estou a perceber, são coisas pessoais.”

 

Rosário Teixeira: (irritado) “(…) não tem que sindicar as razões de ser das minhas perguntas. Tem é de responder às perguntas ou não.”

 

Paulo Silva: “Era tradicional vocês [a Testemunha 2 e José Sócrates] beberem numa noite três, quatro garrafas de vinho?”

 

Testemunha 2: “Sim”

 

Paulo Silva: “Era normal? Certo. Nessas noites que beberam vinho, também houve uma vez em que esteve presente a [Testemunha 1] ?

 

Testemunha 2: “No jantar em minha casa, sim.”

 

 

B) A FONTE

 

Os pormenores dos interrogatórios às duas testemunhas (que ocorreram a 5 de Fevereiro de 2015), onde se incluem os excertos acima transcritos, foram divulgados pela revista Sábado, em trabalho assinado por António José Vilela. Apesar da tonitruante apresentação da peça (“suspeitas explosivas do Ministério Público”), o jornalista esclarece que o consumo de drogas deixou de ser crime em Portugal desde Novembro de 2011; que nos resumos dos depoimentos das testemunhas não consta qualquer menção directa a drogas, cocaína ou estupefacientes; e ainda que nunca o ex-primeiro-ministro foi confrontado acerca deste assunto. O director da revista, Eduardo Dâmaso, afasta qualquer “voyeurismo” em relação à postura dos inquiridores, relevando o facto destes encontros acarretarem gastos que seriam pagos com o dinheiro que Santos Silva faria chegar ao amigo. Dâmaso, porém, acaba por reconhecer que esta linha de investigação “abre a porta a todo o tipo de críticas”.

 

 

C) INTERROGAÇÕES ACERCA DOS INTERROGATÓRIOS

 

Numa investigação com inúmeras ramificações, que passaram, entre outras, pela PT, pelo Grupo Lena, pela Octapharma, pela Parque Escolar, pelo resort de Vale do Lobo, pelo BES ou pela CGD, justifica-se esta opção pelo esmiuçar de despesas pessoais associadas a episódios da vida privada e íntima? Que se pretendia ao pressionar as testemunhas, insinuando ou mesmo ameaçando divulgar pormenores íntimos quase a contragosto que depois apareceriam “escarrapachados num processo”? Serviria um determinado perfil do suspeito, designadamente um retrato de alguém escravo de vícios e apetites, como um indício adicional de culpabilidade?

 

Na verdade, algumas perguntas formuladas sobretudo pelo inspector tributário fizeram-me lembrar a série Dear John, protagonizada por Judd Hirsch, e exibida nos EUA entre 1988 e 1992 (foi emitida na RTP sob o título Querido John). A sitcom desenrolava-se no contexto de um grupo de apoio a indivíduos solteiros e recém-divorciados liderado por Louise, uma inglesa muito empática, acolhedora e compreensiva, mas cujo tópico de conversa, mais tarde ou mais cedo, tendia para matérias de cariz sexual. Na verdade, em todos os episódios, a pergunta sagrada acabaria por surgir: “Were there any…sexual problems?”.

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