SELFIE-MADE PRESIDENT
Setembro 06, 2016
J.J. Faria Santos
Fonte: Rádio Renascença (rr.sapo.pt) - Foto de António Cotrim (Lusa)
Primeiro, ainda em Junho, foi Vasco Pulido Valente a declarar em entrevista ao Expresso que ao Presidente da República “falta autoridade e visão”, explicando que “a autoridade exige uma certa gravitas e uma certa distância”. E acrescentou: “Ele fala de tudo, mas diz lugares-comuns sobre tudo, incluindo coisas que não sabe”.
No passado sábado, no Público, num artigo sintomaticamente intitulado A (dis)função presidencial, Pacheco Pereira corrobora que Marcelo fala “demais em todos os sentidos” e “banaliza a sua palavra”, censurando também um “estilo demasiado exposto e exibicionista” e notando que ele “vai precisar de alguma gravitas” para “tomar decisões difíceis”.
É saudável que uma análise da função presidencial não se deixe toldar pela popularidade estratosférica do Presidente e pelo enlevo acrítico da generalidade da comunicação social. A magistratura dos afectos desenhada por uma espécie de selfie-made man, mais tarde ou mais cedo, vai ser confrontada com as suas limitações. Quando os silêncios, mais do que a verborreia, forem percepcionados como resguardo ou censura implícita. E quando a intervenção em matérias da exclusiva responsabilidade governamental deixar de ser entendida como colaboração para assumir a forma de interferência ou imposição.
Lídia Jorge, a propósito da exploração petrolífera no Algarve, escreveu no Público que “Nós não somos um país dramático, somos um país de líricos, aqui não haverá sangue. Aqui tudo terminará em água salgada. Ou na do mar, onde tudo se esquece, ou na dos olhos, a que chamamos lágrimas. Para que essa fatalidade não aconteça, que nos agarremos à força da razão.” É um bom preceito. E de aplicação universal.
Do Presidente em funções (um claro upgrade em relação ao seu antecessor no cargo), que adora o mar e consolar os aflitos, espera-se mais tacto político que facto político, menos frenesim e mais ponderação. Marcelo até pode apreciar o slogan associado ao seu amigo António Guterres, razão e coração, mas seria insensato deixar que, no desempenho do seu cargo, este prevalecesse sobre aquela. Mesmo tratando-se de alguém que ocupa a imprensa cor-de-rosa com o mesmo brilho e eficácia com que põe fontes próximas de Belém a contribuir para a primeira página do Expresso.