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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

PONTO. PARÁGRAFO. FIM. OU TALVEZ NÃO.

Novembro 19, 2023

J.J. Faria Santos

antonio_expresso.jpg

Enquanto uns evocam o funcionamento normal de um processo judicial e outros não hesitam em falar em “golpe de Estado do MP” (Miguel Sousa Tavares e Vital Moreira), está em desenvolvimento uma batalha pelo controlo da narrativa centrada num aspecto fulcral: o que determinou o pedido de demissão do primeiro-ministro. E se para uns o factor decisivo foi a inclusão na nota da PGR da referência de que o próprio PM estava a ser investigado, para outros a circunstância dos factos em causa, associada ao envolvimento de um seu amigo e do seu chefe de gabinete, constituíam razões suficientes para não ter condições para continuar.

 

A batalha de spinning joga-se em diversos campos de batalha, Veja-se o caso do Expresso. Escarrapacha na primeira página “Lucília Gago escreveu parágrafo que demitiu Costa”, ao mesmo tempo que no interior pagina uma notícia com o título “Costa admite demissão antes do ‘parágrafo assassino’”. O PM teria dito logo ao PR que se a sua manutenção em funções pudesse prejudicar a investigação ou pessoas que lhe são próximas, poderia não ter condições para se manter no cargo. O jornal coloca um dos conselheiros de Estado, em discurso directo, a afirmar que no Conselho de Estado Costa “admitiu que, mesmo sem aquele parágrafo, podia ter que sair”, algo que não podemos confirmar visto não termos acesso à “verdade das actas”. A fazer fé na ênfase colocada nas diversas declarações feitas por António Costa após ter pedido a demissão, com sucessivos remoques à PGR, parece-me cristalino que o factor decisivo para a renúncia ao cargo foi o facto de ter tido conhecimento de estar a ser investigado.

 

Que a senhora procuradora-geral da República tenha ficado surpreendida pela demissão do primeiro-ministro revela, após 4 anos de investigação, o carácter preliminar ou fortuito das suspeitas e, ao mesmo tempo, uma falta de senso e avaliação da impossibilidade prática de governar um país estando sob suspeita e sem prazo para ela ser dissipada ou confirmada. Que o senhor Presidente da República (ou uma “fonte de Belém”, o que vai dar ao mesmo) tenha sentido necessidade de informar o Expresso de que “Marcelo não teve qualquer interferência no teor do comunicado da PGR” parece-me uma evidência da necessidade de negar o carácter ambíguo e sinuoso de tudo o que envolve a Presidência, com excepção das operações de charme que constituem as selfies e as visitas institucionais. Trata-se de esconjurar o medo. A PGR receava que, caso não informasse o país de que o PM estava a ser investigado, pudesse ser acusada de o estar a proteger; Marcelo receia que a sua decisão de convocar eleições possa ser interpretado como um favorecimento da sua família política.

 

Do lado de António Costa, parecem ter acabado os “paninhos quentes” em relação ao Presidente. Não só negou ter dito publicamente que teria solicitado a Marcelo que se reunisse com a PGR, como censurou a revelação pública de conversas entre os dois de uma forma incisiva e abrangente: “Não será por mim nem por heterónimos que escrevem nos jornais que vão ouvir dizer o que acontece nas conversas entre mim e o Presidente da República”.

 

Marcelo parece estar a incorrer no mesmo erro dos analistas e comentadores, o de supor que, demissionário e chefiando um governo de gestão durante meses, Costa se manteria impassível e seráfico a receber os golpes sem esboçar defesa ou contra-atacar. Como se ele se tivesse demitido de defender a sua honra pessoal, a sua probidade, o seu legado político e, sobretudo, o seu futuro.

 

Imagem: cartoon de António para o jornal Expresso

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