POESIA CONTRA A PANDEMIA (EXCERTOS)
Abril 20, 2020
J.J. Faria Santos
“Porque não me telefonaste,
perguntou o rapaz à rapariga.
Ontem à noite, fiquei à espera. E agora,
já não sei se hei-de continuar a pensar
em ti ou a esquecer-te. O amor,
pássaro medroso, bate as asas
lentamente, sem muita convicção.”
João Camilo – Um filme desconexo
“Viver condor
(transferência de um estado doloroso
Para o nome de uma ave de rapina),
Pôr o amor à distância?
(…) Só a distância é que nos salva?”
António Barahona – Poema de desencanto e de combate
“A cidade desagrega-se docemente,
mal iluminada – tudo molhado, escuro,
escorregadio – e eu continuo de pé.
Tantas solidões insaciáveis certamente
acabarão por se cruzar nalgum ponto.”
Diogo Vaz Pinto – Deixa-me apenas isto, beber a penumbra
“Pouco importa que tenha chegado a aurora
aos bares que cumprem horário nocturno
e o cheiro dos desinfectantes mostre
como se apagam
os vestígios do amor”
José Tolentino Mendonça – Patti Smith explica o Cântico dos Cânticos
“não entrei na casa,
não tinha as mãos lavadas
para bater à porta.
ao fundo do jardim,
perto de quatro paredes de guardar o Céu,
um anjo jazia com pouco respirar.”
Emanuel Jorge Botelho – Esboços de iluminura
“Tenho tristezas como toda a gente.
E como toda a gente quero alegria.
Mas hoje sou de um céu que tem gaivotas,
leve o diabo essa morte dia a dia.”
Eugénio de Andrade – Com as gaivotas
“Eu já nem sei o que tenho
se febre se mal ruim
se este sentimento estranho
de não ser de aonde venho
comigo longe de mim.”
António Lobo Antunes – Vodka & Valium (rumba)
“Ficávamos no quarto, onde por vezes
o mar vinha irromper. É sem dúvida em dias de maior
paixão que pelo coração se chega à pele.
Não há então entre eles nenhum desnível.”
Luís Miguel Nava – Paixão
“Quando a noite chega o maravilhoso não escurece.”
Gonçalo M. Tavares – Quando a noite chega o maravilhoso não escurece
Imagem: Second Story Sunlight, quadro de Edward Hopper
(Courtesy of Bert Christensen)