OS FAMOSOS
Junho 12, 2018
J.J. Faria Santos
Já foram a beautiful people, agora basta-lhes ser apenas o people que frequenta lugares onde ocorrem eventos. Pairam acima de nós numa galáxia à parte. Uns pertencem à confraria dos artistas, outros pertencem a uma elite sui generis a quem o reconhecimento da sua notoriedade parece bastar. Abrem as portas de casa às revistas, apresentam os amores eternos de curto prazo e revelam segredos de beleza, ou a beleza dos segredos mal guardados. Partilham “pensamentos” no Facebook (ideias são conceitos demasiado abstractos e complexos para a assimilação dos fâs) e fotografias no Instagram. Mas, sobretudo, elevam o comércio ao estatuto de arte. A arte de vender uma imagem.
E o que seria de nós sem as redes sociais e o jornalismo cor-de-rosa? Órfãos da partilha de existências sublimes, privados dos role models de vidas com significado, impedidos de partilhar o pathos das celebridades por altura das grandes tragédias e das pequenas contrariedades. E ignorantes dos seus planos e das suas indignações.
De que outra forma saberíamos que o Malato atacou “violentamente” o PCP por causa da eutanásia (já se terá reunido o comité central para reagir?). Ou poderíamos ver as fotos do Carlos Costa (a “celebridade”, não o governador do Banco de Portugal…) antes “das operações plásticas que o ‘transformaram’ em mulher”? Ou avaliar a afirmação da mulher (não transformada) de um guarda-redes convocado para a Selecção que entende que os jogadores devem continuar a ter uma vida sexualmente activa mesmo em estágio? E quem não quer conhecer a nova “bomba” (que “custa mais de 250 000 €) de Luís Figo? Ou a história de redenção de Dolores Aveiro, que teve um “passado de abandono, fome e pobreza”?
Com a mesma acutilância e sede de informar com que nos narra o dia-a-dia dos plebeus, a comunicação social cor-de-rosa move montanhas para nos fazer a crónica das rotinas das casas reais. É por isso que soubemos que a princesa Charlotte amuou nas celebrações do 92º aniversário da bisavó Isabel II. De resto, podemos supor que a rainha encarou a cerimónia com o seu escrupuloso sentido de dever e respeito pela tradição, mas que bem lá no fundo até nem liga grande coisa aos seus aniversários. Como Mrs. Ewing, a protagonista de um conto de Dorothy Parker, pensará que “quando uma pessoa já acumulou várias dúzias da mesma coisa, esta perde aquele raridade que entusiasma os coleccionadores.” Interpretação abusiva e infundamentada? Não faz mal. É que parte do encanto de seguir a vida dos famosos é a sensação de proximidade e mesmo exclusividade. É como se eles actuassem para nós, numa peça em vários actos, em perpétuo improviso e acessível em várias plataformas, com a energia e o glamour de uma produção de Laféria. Grande evento! Grande evento! Esta vida é um grande evento!
Foto de Tosin (OfficialPSDs)